Em casa, estou me preparando para mais um dia de aula e pensando como seria bem mais fácil minha vida se eu fosse igual a maioria dos garotos.
Me apaixonar por Daniel me trouxe muito sentimentos novos, eu nunca tinha me apaixonado antes, apesar de eu sempre ter sentido algo diferente por meninos. Eu nunca tinha sofrido por amor, a não ser uma vez, quando eu era apenas uma criança de 8 anos, que vi uma colega beijando o menino que eu gostava atrás da porta da sala de aula. Confesso que quando cheguei em casa eu chorei em cima da minha cama, mas no dia seguinte eu já estava bem. Não é nada, se comparado com o que estou sentindo agora.Quando chego na cozinha, percebo que meus pais estavam brigando. Deve ser mais uma das desconfianças de minha mãe em relação a possíveis traições de meu pai.
— Bom dia — digo ao me sentar na mesa.
— Bom dia, filho. Dormiu bem? — Meu pai pergunta, me passando a sacola de pães.
Minha mãe levanta da mesa, mas antes me dar um beijo na testa.
— Dormir sim — digo. — De novo briga logo cedo?
— Sua mãe que é paranoica.
— Então, pai, o senhor nega as acusações dela de traição?
— Que traição o quê! Não tem traição nenhuma — ele responde, parecendo irritado com minha pergunta.
— Tá bom. — Dou de ombros.
Termino de tomar meu café e vou até o quarto pegar minha mochila, mas não a encontro.
— Oh mãe — grito. — Cadê minha mochila?
— Eu botei pra lavar, tava imunda — ela vocifera de volta. — Leva tuas coisas na mão mesmo, é o jeito.
— Como vou levar esse monte de livros na mão se eu vou de bicicleta?
— Também não tem bicicleta. Tava com pneu furado e eu mandei pra consertar.
— Não acredito, eras! — Me jogo de costas na cama e bufo. — Oh pai, me leva lá na escola?
— Não vai dá não, filho. Papai já tá atrasado para uma reunião — ele grita da cozinha.
— Ah, Meu Deus!
Já que não tem outra alternativa, coloco o caderno e os livros envolvidos em meu braço e vou até minha mãe dar um beijo nela, depois vou até meu pai.
— Filho, por favor, né? Leva isso que nem homem! Tá parecendo uma marica — meu pai diz. O tom dele é mordaz.
— Como assim? — pergunto, sem entender e engolindo em seco. Não suporto quando meu pai entra nesses assuntos.
— Leva isso pendurado, agarrando com a mão, que nem macho.
Aceno em confirmação e saio da maneira que ele ordenou. Vou lutando para não deixar os materiais caírem, meus braços são finos, e está doendo bastante. Fico trocando de uma mão para outra, é quase impossível equilibrar um caderno e 3 livros só com uma mão. Então resolvo levar do meu jeito mesmo.
Quase em frente à escola, passa dois meninos de bicicleta, aparentam ser bem mais velhos que eu.
— Hum, olha como ele segura os livrinhos dele — eles dizem, satirizando uma voz feminina. — VIADINHO!
Enquanto ouço as risadas deles, me sinto invalido e impotente. Estou com raiva e triste, quero chorar. Por esse motivo que penso que é impossível alguém escolher ser gay. Eu jamais escolheria passar por isso.
***
O barulho do sinal de intervalo é ensurdecedor e quase faz um buraco em meus tímpanos assim que os atingem. O refeitório está lotado, uma gritaria. Tudo normal para uma sexta-feira, o dia em que todos já estão de saco cheio de estudar.
Coloco meus fones de ouvidos e vou até ao bebedouro que fica numa parte mais calma. Escuto os hinos que sempre cantamos no coral da igreja. Desde que me converti, apenas ouço louvores. Apaguei todas as músicas mundanas do meu celular. Foi difícil apagar uma playlist inteira de Miley Cyrus, Selena Gomez, Taylor Swift e Demi Lovato — porém, eu consegui.
Vejo minha imagem refletida no espelho. Minhas mãos se movimentam involuntariamente e regem um coral imaginário. As batidas do hino penetram meu ouvido, correm pelo meu corpo e controlam toda a extensão dos meus braços. Me sinto em uma orquestra sinfônica celestial.
— Ah, meu Deus, Willian. Que lindo — Camila diz, impressionada, depois de ficar por algum tempo me observando.
— Que susto, garota! — Levo a mão ao peito e tiro um lado do fone. — Você tava esse tempo todo aí?
— Tempo o suficiente pra ver teu espetáculo — ela diz, sorrindo.
— Que vergonha.
— Não, não fala isso. Tava lindo. — A voz de Camila é tão meiga e sincera que me faz acreditar que realmente tava lindo.
— Sério? — digo, arregalando os olhos junto ao riso discreto. — Obrigado.
— Sério. Tô até pensando em colocar você pra reger uns hinos do coral da escola. O que acha?
— Quê? Não. — Balanço a cabeça negativamente em desespero. — Tá doida?
— Tô falando sério, Will. Aceita, vai — ela diz, fazendo uma carinha de bebê triste — Você não pode desperdiçar o dom que Deus te deu.
— Será?
— Bora, Will. Aceita — Camila insiste, puxando meus braços e me dando um abraço.
— Posso pensar?
— Pode, só não demora.
***
Um dia depois, eu concordei. Passo dias indo para a casa dela, ensaiando e aprendendo as técnicas de regência. Depois de algumas semanas, começo a ensaiar com o coral da escola. Demorei a perder o medo, mas com Camila sempre me dando apoio, eu venho me superando cada dia mais.
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Corpos em chamas: um clichê de romance adolescente
RomansaCom 12 anos, Willian Rodrigues se apaixonou pela primeira vez. O cara que fez seu coração bater mais forte era Daniel, nada mais além do que o namorado da sua melhor amiga; uma menina evangélica que acabou conseguindo convencer ele a entrar para a i...