XIX

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Acordo quando percebo que o sol já raiou. As lembranças da noite passada ainda estão muito vivas na minha memória. Meu riso é de orelha a orelha.

Caramba! Eu transei com Michael.

Olho para o lado, e ele tá dormindo. Tão profundamente que tenho dó de acorda-lo. Está tão sereno que só consigo admirar a beleza dele.

Meu celular desperta anunciando que já são 06h30. Minha vontade é de ficar aqui, agarradinho com ele, mas não podemos, daqui a pouco tem aula.

— Michael, acorda. — Me deito em cima de suas costas, dando um beijo no rosto dele.

— Quê? O que foi? — responde com a voz abafada de sono.

— Já amanheceu, a gente tem que ir.

— Ah, não, pô. — Ele se vira me puxando para seus braços.

— Quero ficar assim contigo, bem agarrado.

Seu abraço tá tão quentinho e tão gostoso que chega ser bastante tentador faltar aula. Mas aí me lembro que não disse para meus avós que iria dormir fora. Então, dou um pulo para fora dos braços dele.

— Preciso chegar em casa o mais rápido possível. Vovó deve tá preocupada e o vovô vai me matar. — Visto minha roupa às pressas. — Te levanta logo daí.

— Tá bom, relaxa, pô.

No caminho, quando o meu celular entra em área, noto as ligações perdidas da minha vó.

Estou completamente lascado.

***

Meus avós encontram-se sentados na mesa, tomando o café da manhã, quando entro em casa. Os pães, bolos, sucos e o meu lugar estão me esperando. Seus olhares viram-se para mim, assim que me veem. O semblante do meu avô imprime irritação, o de minha avó preocupação.

Quando saí de casa, não fazia ideia que Michael me faria passar a noite fora. O que não significa que não estou errado, estou muito errado.

Eles continuam me encarando sem falar nada, e isso me dá uma agonia enorme. Até parece que eles sabem o que eu estava fazendo. Espero que eles não tenham ligado para minha mãe, as coisas vão ficar feias se ela souber disso.

— Por onde você andava, rapaz? — meu avô pergunta, irritado.

Engulo em seco e penso qual desculpa seria ideal numa hora dessas.

— Eu... eu tava...

— Bora, fala logo! Tua avó não dormiu a noite toda por conta de ti.

— Eu dormir na casa da minha amiga da igreja. — Minha mandíbula se meche rapidamente. — Depois da pizzaria a mãe
dela me chamou pra dormir lá.

— E o teu celular? Por que não atende?

— Descarregou — minto.

— Te senta logo aí pra tomar café.

Sem hesitar, me sento na outra ponta da mesa, o mais longe possível do alcance de suas mãos, só por prevenção para não correr o risco de chegar com a cara vermelha na escola.

— Vai pro colégio hoje? — minha avó quer saber.

Balanço a cabeça em confirmação.

— E.. vó, me desculpa por deixar a senhora preocupada.

Ela assente.

— Só avise na próxima vez.

Durante o café, eles me perguntam como foi a noite. Digo que foi boa. Foi maravilhosa! Invento que passei quase toda a noite orando e cantando louvor.

Meu avô faz uma cara não muito agradável. Ele não gosta muito de evangélicos, mas nunca me destratou por ser. Para encerrar o interrogatório, minto dizendo que a irmã mandou um abraço e que eles estavam convidados para o próximo culto. Vovô diz de imediato que não, vovó como é mais simpática, diz que pode ser.

De todo modo, acho que consegui dá uma boa desculpa a ponto de eles não dizerem nada para minha mãe.

Corro atrasado pelo corredor vazio. A professora Nanci de sociologia não é nada cordial com quem chega atrasado nas aulas dela.

Entro na sala tentando ser o mais discreto possível. Passos pequenos e silenciosos, mas ela percebe minha presença e me lança um olhar furioso.

— Bom dia, senhor Willian — ela diz, ironicamente.

— Bom dia — digo, abrindo um sorriso ao me sentar.

— Abra seu livro na página 180, por favor.

Marty parece desconfiado. E sempre que ele tá assim tenho que inventar alguma desculpa para as perguntas que ele faz.

— Por que chegou atrasado? — Ele cutuca meu braço.

— Acordei tarde.

— Mas acho que te vi passar de moto com o Michael mais cedo.

Nessa hora percebo que fui flagrado.

— Quê? — digo, em um fio de voz. — Acho que me confundiu com alguém.

— Parecia muito contigo. Teu irmão gêmeo.

— Devia ser algum primo dele, ou amigo... Sei lá, mas não era eu — insisto.

— Ainda não tô convencido.

— Cala essa boca, Pablo.

— Ei, pode parar, Michael.

Quando Marty finalmente se vira para frente e folheia seu livro, abro o meu na pagina em que a professora mandou. Tem
bandeiras de movimentos sociais, e entre elas a LGBTQ+.

— Turma, iremos falar hoje sobre pautas sociais e o que elas reivindicam. — A senhora Nanci começa a escrever na lousa.

Depois de explicar quase todos os movimentos que estão no livro, ela explica sobre o movimento gay. E nenhum gerou
tanta polêmica quanto esse.

A sala vira um centro de discussão sobre sexualidade e casamento homoafetivo. De um lado: os que defendem a comunidade
LGBTQ+. Do outro: evangélicos que são contra.

No meio de tanta gritaria, sem ninguém entender nada do que o outro tá falando, a professora Nanci dividi a classe ao meio formando dois grupos. Do lado esquerdo ficam os que são a favor e do direito os que são contra.

— Agora cada um escolhe seu lado, e discutam que nem gente, sem gritaria — ela adverte.

Olho para Marty e Michael sem saber para onde ir. As pessoas da igreja estavam todas do lado direito. Minha consciência diz esquerdo, mas o medo do julgamento através dos olhares que estão vindo em minha direção é maior.

Corpos em chamas: um clichê de romance adolescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora