IX

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No culto, não paro de pensar na prova de matemática deamanhã. Felizmente, segunda é o último dia de aula do semestre, só volto na escola essa semana se eu ficar de recuperação em alguma matéria, situação que não está em meus planos. Assim que sair da prova vou correndo para rodoviária pegar um ônibus a caminho da praia. Meus pais já estão lá em uma segunda lua de mel que resolveram tirar depois daquela briga horrorosa.

Mais uma vez, a pregação chega ao ponto dos homossexuais, mas as palavras do pastor não me abatem mais tanto quanto antes, lógico que ainda dói. No entanto, a dor de Marty continua mais intensa, cada palavra proferida contra o homossexualismo é como se fosse uma facada no peito dele, seus olhos se enchem de lágrimas e se fecham em oração. Quando o pastor diz que o sentimento homossexual nos levará para o inferno, seus olhos se abrem em direção a Pablo, que está sentado logo a frente, e exprimem a dor: Nunca poderei te ter.

Chega o momento da oração de pedidos, temos que fechar nossos olhos e pedir a Deus aquilo que precisamos no momento. Eu só consigo pensar na minha prova, mas certeza que Marty pede a libertação dele. Suas lágrimas caem que nem as minhas caiam antigamente, com muita culpa e dor. Abraço ele e digo em seu ouvido que irá ficar tudo bem, como se eu já soubesse pelo que ele está passando — e sei.

Eu ainda não fui liberto de ser gay, mas é como se eu estivesse anestesiado e acostumado com esse tipo de pregação.

Me afasto de Marty, e Michael chega perto de mim e pergunta, baixinho:

— O que tá pedindo?

— Acho que isso é meio particular, mas não vejo problema em te falar: pela prova de amanhã — sussurro.

— Eu também, preciso tirar 7 pra não ficar de recuperação.

— Nem me fala, tô precisando de 5.

— Boa sorte amanhã, então.

— Obrigado. — Sorrio e volto a fechar os olhos.

Mal começo a orar, e tomo um susto com ele puxando meu braço, forte o suficiente para nossos rostos ficarem bastante próximos.

— Não vai desejar o mesmo pra mim? — Michael cochicha no meu ouvido.

Sondo em volta, graças a Deus que a igreja toda está de olhos fechados, os irmãos achariam isso estranho.

— É verdade, desculpa. Boa sorte amanhã, também — digo, e volto a minha posição.

O pastor continua a orar pedindo a realizações dos pedidos, e eu peço para Deus tranquilizar o coração de Marty, assim como ele fez com o meu. Nós dois estamos passando pelo mesmo problema, nada mais justo do que orarmos um pelo outro.

Me pergunto porque um sentimento tão involuntário é pecado, não somos nós que controlamos nossos amores, eu nunca escolhi gostar de Daniel, simplesmente aconteceu. Não seria mais justo nos julgar por conta de nossos atos que temos controle? Por que ser condenado por sentimentos tão eminentes ao nosso querer?

Talvez essas respostas nunca venham de nossos líderes religiosos, ou até venham, mas genérica como sempre: porque
Deus quis.

💫

Depois do culto, vim até ao banheiro enquanto os irmãos ainda estão se despedindo, e isso demora bastante em um dia de domingo, todos ficam na frente da igreja conversando de tudo, até botando as fofocas gospels em dia.

Vejo quando um dos pastores passa para a área que fica nos fundos da igreja, e logo em seguida uma jovem. Não consigo ouvir muito bem o que eles falam, apenas ouço ruídos, cochichos quase inaudíveis. E o que era quase impossível de se ouvir, passou a ser perfeitamente e audível.

Corpos em chamas: um clichê de romance adolescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora