Em uma noite da última semana das férias de julho, ando a procura de Estefany no meio de uma multidão de gente.
Está rolando o FestVerão — um evento que dura uma semana com shows todas as noites, reúne toda a população da São
Tomé e das cidades ao entorno —, hoje quem se apresenta é uma banda conhecida em todo o estado.
Sigo me apertando no meio de um monte de gente bêbada. Preciso encontrar Estefany ou pelo menos alguém conhecido aqui nesse meio, mas para todos os cantos que olho só vejo garotas rebolando até o chão ou em cima das partes intimas de algum cara, e nenhuma delas eu conheço.Prendo a respiração para passar no meio de uma nuvem de fumaça que provavelmente é de maconha. Depois de me espremer durante meia hora a procura de Estefany, vejo ela a alguns metros de distância em uma roda de conhecidos da escola. Eu me viro para mudar minha rota, mas acabo me esbarrando em um menino que está visivelmente chapado com todas as substancias possíveis.
— Olha pra onde anda, caralho! — ele grita, em meio a música alta.
— Me desculpa — digo. — Foi sem querer.
— Quer apanhar, seu viadinho? — Ele me peita, e eu dou alguns passos para trás. Fico com medo porque ele é bem maior que eu.
— Sai! — Empurro ele, que cai e eu fujo antes que ele se levante e venha atrás de mim.Me pergunto se esse ambiente é realmente para mim, se não deveria estar na igreja, afinal, acabei de escapar de apanhar. Esses pensamentos sempre vêm na minha mente em situações que corro algum perigo.
Finalmente alcanço Estefany.
— Willian, como você tá? — Ela pergunta, me abraçando e me beijando além do normal. Percebo que ela já se encontra
alterada. — Tuas férias foram boas?
— Sim, foram ótimas — digo, sentindo o bafo dela forte de bebida.
O pessoal em volta me olha e eu cumprimento eles com um aceno de cabeça.
— Quer uma bebida? — Um menino me oferece.
— Ah, não, obrigado. Não bebo — digo, e ele olha para Estefany dando uma risadinha.
— Vai, Will. Bebe só um pouco — ela insiste.
Balanço a cabeça negativamente.
— Só um golinho, vai. — Ela estende o copo para mim.
— Tá bom, mas só um pouco — respondo, e viro o copo lentamente. A bebida desce rasgando minha garganta. O gosto não é ruim, é uma batida de maracujá.
— E aí, o que achou? — ela pergunta toda empolgada.
— Até que é boa, mas achei um pouco forte.
— Vou preparar uma mais fraca pra você — Estefany diz, dando uma risada e vai até o cooler. — Aqui, essa tá melhor.
Pego a bebida da mão dela e dou um gole. Minutos depois, já sinto a bebida a fazer efeito quando percebo meu corpo se
movimentar no ritmo da música e eu começo a perder a timidez. É a primeira vez que me sinto completamente relaxado em uma festa. E eu estou gostando da sensação.Já é meu terceiro copo. Estefany e eu já estamos dançando e rebolando um no outro. O garoto que ela está ficando enche nossos copos assim que eles secam. Não consigo parar de dançar.
Olho para trás e vejo um menino que era da igreja aos beijos com outro. Parece que não é só eu que era a bicha crente, e nem vou ser o último. O grupo de adolescentes está cheio de gays e lésbicas, é só questão de tempo até todos saírem do armário. Assim como também é questão de tempo até eu sair definitivamente.
A bebida continua me deixando bastante animado nas batidas de funk, mas aí começa a tocar só melody marcante que me faz lembrar de Michael. É impossível conter o choro enquanto as melodias entram por meus ouvidos e se chocam
com o álcool em meu cérebro. A cada canção derramo litros de lágrimas, e Estefany apenas ri da minha situação.
— Tá lembrando de quem, Will? — ela pergunta, gritando no meu ouvido.
Apesar de eu estar bastante fora de mim, o álcool ainda não me deu coragem de me assumir. Ainda falta desconectar alguns neurônios para isso.
— Por ninguém, essas músicas me deixam assim — respondo, enxugando o rosto.
Os olhos de Estefany fixam em alguém atrás de mim.
— Acho que tá vindo aí uma pessoa que te interessa.
— Quem? — pergunto, e ela me vira em direção a Michael.
Me viro de volta para ela. — Não me interessa nada.
Ela apenas arqueia as sobrancelhas com uma expressão que não acredita nas minhas palavras. Estefany se afasta para
beijar o carinha que ela tá pegando.
— O que tá fazendo aqui? — Ele quer saber.— Não tá vendo? Me divertindo. — Viro o copo e dou uma giradinha para ele.
— Não acredito que você tá bebendo, Will.
— Qual o problema? Você também bebe, e nem por isso fico enchendo o teu saco.
— E esse teus olhos vermelhos é o quê? Baseado? — ele diz, dando uma risadinha e um gole na minha bebida.
— É, andei fumando por muito tempo uma droga chamada Michael. Conhece? — Fico de costas para ele, dançando e o ignorando.
— Conheço, mas até onde eu sei essa droga vicia, mas não faz mal não, pô — ele diz, em meu ouvido e segurando na minha cintura.
Me viro para ele e seguro sua cabeça, pressionando a orelha dele contra minha boca.
— Por que você tem que ser tão gostoso e tão filha da puta ao mesmo tempo? — Me afasto para encará-lo enquanto tomo um gole de bebida.
— O quê? — Ele finge não ter entendido, dando uma risada. — Repete aí de novo.
— Vai te foder! — Dou alguns passos para longe dele, e depois volto. — Só por favor, não fica com ninguém na minha frente hoje, seu pau no cu.
Michael me abraça pela cintura com aquela mania dele de jogar o peso do corpo sobre o meu.
— Não vou ficar com ninguém não, pô... Acho. — Ele dá uma risadinha olhando minha reação.
Fecho o cenho.
— Vai ficar ali pra baixo do palco ou no meio da multidão, onde você quiser, mas longe de mim.
Ele sorri e dá um gole numa lata de cerveja.Alguns minutos depois, continuo bebendo minha batida e ele bebe a cerveja dele. No palco, uma banda chamada AR-15 inicia sua apresentação cantando mais melody marcante. Preciso lutar contra a força da gravidade que age sobre as gotas de lágrimas ainda mais pesadas pelo álcool.
A música Ilusão começa a ser vocalizada pela banda, e em um impulso me viro em direção a Michael e começo a cantar para ele:
— Quem nunca viveu um amor que, depois, virou ilusão?
— Não disse ser eterno o que chama hoje de ilusão? — ele canta, uníssono ao cantor.
— O meu coração é quem diz, não eu... virou ilusão! — rebato, cantando junto a cantora.
Antes de eu perder meu controle e comece a chorar na frente dele, fico de frente para o palco e ele continua atrás de mim. Levanto os braços e balanço as mãos para um lado e para o outro.
Durante o show, sinto minhas pernas titubearem de leve. Já não consigo mais lembrar como eu sair de casa, e nem se
avisei meus avós onde eu viria. Perdi as contas do tanto de copos que já bebi. Dou mais um gole e minha visão fica embaçada. Sacudo a cabeça e ela volta ao normal.
— Já chega de bebida pra ti, Will. — Michael tenta pegar meu copo, e eu me esquivo dele. — Você já tá porre, me dar logo isso, pô.
— Eu não tô porre, tô legal — digo, balbuciando, porre.
— Willian, acho que já chega.
— Para, Michael. Você não é nada meu, e eu nem sou mais um crente chato — digo, virando o todo o copo e sorrindo para
ele.
Ele ergue as mãos.Volta a tocar funk quando a banda encerra a apresentação. Música alta, as batidas penetrando minha pele, o álcool tirando cada vez mais minha sanidade, mais um gole de bebida... Minha cabeça começa a girar e eu me sinto em uma montanha russa. Minha visão está tão turva que mal consigo acreditar em que meus olhos estão vendo. Chego a pensar que Michael está certo, acho que bebi demais.
— Eita, porra! Eu realmente tô bêbado o-ou aquilo ali é a...? — Nem termino a frase e Michael já confirma com um gesto, boquiaberto. — Quem é aquele homem com quem ela tá se esfregando?
— Não faço a menor ideia — ele responde.
Tentando me manter em pé, caminho até ela me esbarrando nas pessoas.
— É você? — Encaro ela e esfrego os olhos. — Errou o caminho do culto, Camila?
— Sim, sou eu. — Ela dá uma risada enquanto vira um copo de cerveja na boca.
Na última vez que vi Camila ainda estávamos em aula, e ela não aparentava estar prestes a se desviar, pelo contrário,
Camila estava insuportavelmente uma crente chata.
Observo ela jogar seus cabelos lisos para o lado e empinar a bunda para o cara que a acompanha. Fico pensando que nunca passou pela minha cabeça que Camila sairia da Reunião de Cristo. Achei que ela seguiria a vida de missionária. Confesso que me deu vontade de jogar na cara dela tudo o que ela apontou em mim, mas não vou fazer isso.
— Eu achei que eu tava ficando doido quando te vi — confesso a Camila.
Ela rebola a bunda na minha direção, e eu dou um tapa.— Imagino que se assustou — diz ela, me puxando para dançar.
O que tá acontecendo? Para qual realidade paralela essa cachaça me levou? Acho que não posso mais beber.
Tunti-tunti tunti-tunti. Endoida, caralho! Endoida, caralho! Tunti-tunti tunti-tunti. 🎵
— Porra, esse é o momento — berro, e Camila e eu começamos a pular com os copos apontados para cima.
— Will, eu tô muito louca — ela diz, indo até o chão.
— Eu tô vendo — grito, olhando para Michael que nos observa com um olhar inexpressivo.
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Corpos em chamas: um clichê de romance adolescente
RomanceCom 12 anos, Willian Rodrigues se apaixonou pela primeira vez. O cara que fez seu coração bater mais forte era Daniel, nada mais além do que o namorado da sua melhor amiga; uma menina evangélica que acabou conseguindo convencer ele a entrar para a i...