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É hoje, o primeiro dia de aula do último semestre do fundamental. Não estou nenhum pouco empolgado para o ano que vem, pensar em ensino médio não é mais como antes. Nem de perto vou viver tudo que eu idealizava. Primeiro: porque luto contra o que sinto por Daniel, e segundo: não tem como eu ser o par romântico de nenhuma menina, não sinto nenhum pouco de atração por elas, por mais bonitas que possam ser.

Pedalo pela avenida principal da pequena cidade. Amo muito esse lugar, talvez não tanto os habitantes. Se em uma metrópole os vizinhos não se preocupam com a sua vida, em São Tomé a fofoca rola solta, o povo ama falar dos outros. Eu mesmo, quando era apenas uma criança, já fui alvo de mexericos sobre minha sexualidade. Meu pai não suportava quando falavam que eu iria ser gay. Apesar de tudo, ainda sim, aqui é um ótimo lugar para se morar.

Eu olho a cidade de cima da minha bicicleta e vejo as arvores de castanhola, espalhadas por todo o canteiro central, balançando-se com a brisa matinal. As lojas do comercio abrindo-se para mais uma semana de trabalho. Cachorros correndo atrás das motos barulhentas que passam. Adolescentes de diferentes colégios saindo ao mesmo tempo para as aulas. Os meninos são metidos, só pensam e si mesmos e na próxima garota que vão pegar. Quase todos bancam de famosinhos e acham que o mundo inteiro quer eles. As meninas já são mais legais, mas tem algumas que se acham bastante também, geralmente são essas que os garotos ficam loucos, porque elas são bem bonitas e não dão moral para qualquer um.

Estudo no colégio chamado Pequeno Príncipe, é particular, mas não deixa de existir gente babaca aqui. Quando entro na sala, Camila está sentada na primeira fileira com vários papeis nas mãos. NÃO SEJA TÃO ESTUDIOSA ASSIM! Ela deve estar enfiada em apostilas que baixou da internet para começar o semestre já sabendo de todos os assuntos.

Escolho um lugar ao lado dela.

— Vejo que as férias acabaram mais cedo pra você — digo, guardando a mochila em baixo da carteira.

— Ué, por quê? — Camila mal olha para mim. Está focada, folheando as páginas.

— Eu sei que o ensino médio tá bem aí, mas precisa estudar antes de começar as aulas? O sinal ainda nem tocou.

— Eu não tô estudando, Will — ela diz, parando para me olhar. — Esses papeis são de um projeto que planejo para o nosso encerramento no final do ano.

— Que projeto? Você não me disse nada durante as férias.

— O semestre passa voando, né? — Camila começa. — Então pensei em fazer um evento de encerramento, com coral e peça teatral gospel. Vamos ter ensaios de canto que nem a gente
tem na igreja... e de teatro também. Quero iniciar os preparativos o quanto antes.

— Pelo que entendi, você tá querendo converter toda a escola, certo? — zombo, dando uma risadinha. — Mas gostei muito da ideia, tô dentro.

Já está no horário das aulas começarem, o sinal já tocou e ainda não tem nenhum professor na nossa sala. A turma bagunça. Quando o diretor Cleiton aparece, todos se sentam e ficam quietinhos.

Ele abre um sorriso e nos cumprimenta com um bom dia.

— Vocês estão de aula vaga, mas a professora de vocês mandou uma atividade — ele anuncia. — Ah, Camila, você será a responsável por ficar de olho em todo mundo e recolher o exercício quando acabarem.

Camila confirma com um sinal de cabeça.

Cleiton já vai saindo quase na porta quando retorna e diz:

— E mais uma coisa. — Ele olha para ela. — Seu projeto foi aprovado pela comissão de professores, já pode começar os preparativos.

Corpos em chamas: um clichê de romance adolescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora