Alto Mar ˢᵖʳᵒᵘˢᵉʰᵃʳᵗ

32

Cole

Eu podia sentir aquela tensão moer os meus ossos. Não sei se era a água gelada do mar ou o olhar frio da Lili que estava me causando dores corporais intensas.

Lili nadou em volta de mim e da Becky, espreitando como um predador prestes a dar o bote. Ela parou ao lado da minha esposa e a encarou.

— Você a ama? — perguntou.

— Ah... — eu paralisei um pouco, sentindo meu queixo tremer. — Sim.

— Demorou muito para responder. Você não a ama.

— Lili, por favor, deixa ela em paz. Pode me levar se quiser, mas deixa ela!

— Você se importa com ela, isso é fato. — voltou a nadar em volta de nós. — Sente um carinho especial por ela, gosta da companhia e a considera uma boa pessoa, mas não a ama. — parou em minha frente. — Incrível como é muito mais fácil saber o que está na alma de alguém quando não temos mais uma alma.

— Você não tem uma alma? É por isso que está tão...

— Assustadora? Pois é, a Água tirou todas as dores que eu sentia. Agora eu não sinto nada.

— Não sente minha falta? — desviei o olhar.

— Não. Nem amor por você, nem por ninguém que eu conheci em terra firme. O único ser que tem o meu amor é a Água. E eu não me importo em dar tudo o que Ela quer, quantas almas Ela quiser.

— Lili, deixa a Becky, por favor!

— Nem você, nem sua esposa serão poupados. — ela pegou a mão de Becky e passou uma de suas garras pela aliança. — É burrice se casar com quem não ama, Cole. Por mais que ela seja incrível, viver ao lado dela vai se tornar monótono, um verdadeiro tédio. Nós nos cansamos das coisas que não amamos.

— Tenta achar dentro de você alguma lembrança do que vivemos. Eu tenho certeza que isso significa algo.

— Ainda há lembranças, mas elas são insignificantes. E francamente, eu estou muito bem não sentindo nada. Cumpro os meus deveres, vivo em harmonia com a Água. Tudo está em seu devido lugar.

— Lili... — eu já estava com vontade de chorar.

— Faremos um jogo. — ela parou ao meu lado e encostou seus lábios em minha orelha, me causando arrepios. — Eu vou coletar a alma de todos os outros primeiro. Deixarei você e sua esposa por último, dando a vocês a oportunidade de nadarem até a escada do iate antes que eu os pegue.

— E por que você faria isso?

— A presa fica ainda mais saborosa quando está desesperada. — ouvir Lili dizer aquilo era como sentir uma faca cravando devagar em meu peito. Que tipo de monstro ela havia se tornado? — E para tornar as coisas mais interessantes, eu quero sentir o desespero dela também. — se aproximou de Becky, segurou seu rosto com uma das mãos e a beijou para tirá-la do transe.

Becky abriu os olhos e assim que viu a figura da Lili, começou a gritar e se debater com horror. Lili mergulhou e nadou em direção aos corpos das pessoas que boiavam no mar.

Eu tentei nadar rápido, mas Becky estava fora de controle e a minha perna cortada era outro obstáculo. Olhei para trás e faltavam pouquíssimas pessoas para a Lili levar. Fiquei desesperado vendo a morte me cercar devagar.

Consegui chegar até a escada e tomei impulso ao colocar meu primeiro pé. Meu corpo saiu completamente da água, mas quando respirei fundo para puxar a Becky, Lili foi mais rápida e conseguiu tirá-la dos meus braços.