Mesmo Laura não procurando notícias, ela sempre acabava sabendo como Flávio estava. Parece que quanto mais coisas boas aconteciam com ela, mais coisas ruins aconteciam com ele.
Ele tomou um tombo na calçada na rua e quebrou dois dedos da mão esquerda. Ficou de licença médica por 15 dias, o que, para ele, era quase a morte. O trabalho era o único evento social em sua vida, e foi obrigado a ficar 15 dias em casa com sua mãe ao lado. E parece ter percebido que não era tão bom assim conviver com ela o tempo todo.
E, após esse repouso forçado, no dia em que ele voltaria para o trabalho, foi a vez de sua mãe escorregar no banheiro e dar um grande susto. Teve que levá-la para o hospital correndo porque ela reclamava de muitas dores no quadril. E depois de horas para fazer um exame de imagem, felizmente não havia nada quebrado. Foi medicada para a dor e mandada de volta pra casa para fazer um repouso de pelo menos sete dias. E foi outro martírio para ele. Por meio de Maria, Laura recomendou uma acompanhante para cuidar de Amélia enquanto ele estava trabalhando. E Flávio pagou com prazer pelo trabalho. Mas a pobre mulher não durou dois dias, pois sua mãe não simpatizou com ela. E, mais uma vez, Laura teve que se mexer para conseguir outra pessoa. Foram três tentativas que conseguiram cobrir os sete dias. Ao final, Amélia e Flávio estavam loucos para se verem livres um do outro. No entanto, o comodismo de Flávio foi mais forte e, como ele ficava muitas horas fora de casa por conta do trabalho e, quando chegava, ainda arrumava mais trabalho para fazer, só pra não ter que conversar com a mãe, acabou ficando. E as coisas foram se acomodando...
Laura lamentava tudo o que estava acontecendo com ele, mas acreditava que as coisas só mudariam se ele quisesse. Ela acreditava muito em energia. E a energia que você emanava para o universo era a energia que você receberia dele de volta. Simples assim...
Abril chegou com o clima ameno da estação. Os dias eram mais suaves, o céu à noite era muito estrelado. Laura adorava a paisagem desse período. Assim como a primavera, o ar ficava mais brilhante, o céu mais limpo, as cores mais vivas. Dava suas rotineiras caminhadas pela praia, e ia apreciando as cores, a brisa fresca, a luz da manhã amarelada que tornava tudo mais bonito. Ela gostava de observar as pessoas, e reparava mais em tudo. Era como se ela tivesse ajustado o grau dos óculos e agora enxergasse tudo com mais nitidez.
Num final de tarde, arriscou-se a ir de bike até o Arpoador para ver o pôr de sol, coisa que ela não fazia há uns 35 anos, apesar de morar tão perto! Quando chegou lá, no começo da praia de Ipanema, viu que tinha muita gente fazendo o mesmo. Essa tradição estava sendo passada de geração para geração. E, quando o sol desapareceu todo na linha do mar, vieram os aplausos. Ela se sentia leve e feliz fazendo esse simples gesto. Olhou em volta e percebeu um rapaz olhando-a com um sorriso. Ela desviou o olhar e pensou na hora: "quer me assaltar!"
Olhou de relance de novo para ele e, de novo, o pegou olhando-a e, dessa vez, ele a cumprimentou com a cabeça piscando um olho. Laura desviou o olhar e ficou mirando o horizonte escurecendo: "O que está acontecendo? Estou sendo cantada? Eu?!!" Pode ver, mesmo de relance, que era um homem bonito, jovem, com pinta de surfista. Olhou em volta de si, na esperança de ver alguma mulher mais jovem, talvez fosse para ela que o desconhecido estivesse olhando. Mas não viu ninguém com esse perfil. Quando olhou de novo na direção do sujeito, percebeu que ele estava se aproximando. Assustada, montou na bike e fugiu. Sim, fugiu, sem olhar para trás, atordoada com o que tinha acontecido, seu coração batendo forte no peito deixando-a meio se fôlego. "E o que tinha acontecido? O que foi aquilo? O cara estava ME olhando? Estava ME cantando? Queria se aproximar de MIM?" Eram perguntas que, definitivamente, ela não conseguiu responder, porque já estava chegando em Copacabana, pedalando desabaladamente.
À noite, fez uma chamada de vídeo com as amigas e contou o acontecido. Sílvia logo perguntou:
- E era gato o cara?
- Nem consegui reparar direito nisso! Assustei!
- Pela madona, muié! Por que ficou tão assustada assim?
- Primeiro, eu achei que ele queria me assaltar... – todas riram – Aí, depois, quando eu peguei ele me olhando por três vezes, vi que ele estava ME olhando, entende?
- E isso é ótimo pro ego, né? Você tá toda magra, gata, malhada, bronzeada...
- Adri, eu não tou nada disso! Tou mais magra, sim, mas tou pelancuda, cheia de pochetinhas, com celulite... a idade é cruel com a gente, amiga!
- Laura, a mulher real tem tudo isso: pelanca, estria, celulite... não lembra do filme Shirley Valentine? São as marcas da nossa história!
- Eu, sei Claudinha... mas o cara era mais novo, ia querer o quê com uma velha como eu?
Os gritos e protestos das amigas duraram mais de um minuto, ninguém se ouvia, tamanha a revolta geral:
- Velha é a sua avó, cretina!
- Tá virando o Flávio, é?!
- Quem é você e o que fez com a minha amiga Laura?!
- Você tá longe de ser velha, muié! Para de show!
Depois de mais protestos e xingamentos e risadas, elas papearam mais um pouco e, assim que desligou, Laura foi fazer um lanche.
Pensava no que tinha acontecido, e passou a refletir sobre como reagiu. Realmente, a mulher de 40 ou mais era ainda escrava de uma imagem estereotipada que estava longe da realidade, da vida real. Eram tantos cremes e dermocosméticos e tinturas para cabelos e intervenções estéticas e dietas mirabolantes e exercícios que prometiam o impossível para prolongar a juventude que parecia proibido revelar a idade real depois dos 30. E ainda tinha a modinha dos postiços: cílios, sobrancelhas, unhas, peitos, apliques de cabelo, calcinhas com bundas falsas e, o suprassumo: a tal harmonização facial, que em alguns rostos, era devastadora!
Por outro lado, havia um movimento de naturalização da idade que estava ganhando mais espaço. O combate ao chamado idatismo – o preconceito por conta da idade da pessoa, que a mulher sofria bem mais do que o homem, vamos combinar – estava crescendo. Cada vez mais mulheres, inclusive famosas, estavam assumindo suas rugas e seus cabelos brancos. E mulheres mais velhas se relacionarem com homens mais novos também estava deixando de ser um escândalo. E, apesar de tudo isso, ela ainda vivia em uma sociedade extremamente preconceituosa. E a sua própria reação ao ocorrido no Arpoador era prova disso.
Resolveu que esse seria o tema da próxima consulta com sua terapeuta, para poder combater essa reação ridícula que teve. "Quero melhorar!"
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Quase 50tona
ЧиклитLaura estava livre.... Depois de 27 anos de casamento, depois de três filhos, depois de 49 anos de vida, depois de quase 30 anos de trabalho como professora de Inglês - é muito número..., ela estava livre para fazer o que quisesse. Sem amarras nem o...