Cap 21 - Dá, No Mínimo, Um Livro!

34 6 0
                                    

Laura passou os dias seguintes tentada a reencontrar Cadu. Agora que tinha descoberto seu parentesco com Gabriel, ela queria promover uma reaproximação dele com o filho, apresentar André, ver que um filho gay é, acima de tudo, um filho. Mas lhe faltava coragem. "Quem sou eu pra me meter assim na vida dos outros?"

Mas, se pegava pensando em como Cadu já havia sofrido tanto, primeiro com a perda da esposa, depois com a "perda" do filho... E sentia muita dó dele... Dava graças por Rita Lee. Ela era realmente uma preciosidade e um pequeno consolo. Mas, dali a alguns anos, ela também morreria de velhice... E aí? Como ele ficaria? Seu coração doía só de pensar na imensa dor solitária que sentiria...

Será que ele não poderia mudar, vendo que filho incrível ele tinha e deixando de lado esse pequeno detalhe de sua homossexualidade? E, também, ele já tinha perdido muito tempo longe do filho único, quase três anos. Não havia justificativa para continuar esse distanciamento por um motivo que, pra ela, era uma bobagem. O amor, afinal, era o que importava. E ela sabia que entre pai e filho havia ainda muito amor. Ambos estavam sofrendo e ela achava que poderia ajudar.

Pensava também em si mesma. Secretamente, alimentava a esperança de que tentar essa reaproximação poderia ser uma nova chance para os dois. Afinal, tinham se dado muito bem. E ela tinha muitas saudades... E se não fosse por aquela trágica conversa – e pela maneira como ela foi embora – eles ainda poderiam estar juntos. E felizes, também.

Acabou conseguindo um grande aliado para realizar seu plano: o filho André. Ele apareceu uma noite na casa da mãe sem avisar, chateado com Gabriel. E contou por quê:

- Fui propor pra ele aquele lance de firmar uma união estável e ele se esquivou. Disse que era muito cedo, que a gente ainda tinha muito o que conviver, aprender um com o outro, pra poder ficar sério assim...

Laura ouviu e sentiu a irritação do filho. Depois de servir-lhe um sorvete e de pensar um pouco, perguntou:

- Filho, o Gabriel já contou pra você o que realmente rolou entre ele e o pai?

- Não... ele não fala sobre isso. Acho que é muito doloroso para ele. Só posso imaginar que o Cadu deve ter, sei lá, rompido com ele, expulsado o filho da vida dele.

- Bom, então, deixa eu te contar o que eu sei sobre isso. Que é quase nada, tá? Bom, pra começar, eu e Cadu engrenamos num namoro depois que nos conhecemos.

- Namoro? Sério?

- Sim, filho. Depois de alguns encontros fracassados com alguns caras, de tentar o Tinder...

- Tinder, mãe? Tinder? Pelamooooor!!!

- Briga com sua tia Sílvia depois. A culpa é toda dela por me levar por esse mau caminho... Enfim, conheci o Cadu daquele jeito que eu já contei e a gente deu match, como vocês, jovens, dizem... Ele é realmente uma pessoa maravilhosa, filho, e eu acho que ele está sofrendo também com esse distanciamento com o filho...

E Laura contou sobre a última conversa deles. André ouviu tudo calado, abanando a cabeça de vez em quando. No final do relato, murmurou:

- Homofóbico de merda...

- Eu também achava isso, filho, tanto que terminei com ele ali mesmo. E foi muito difícil pra mim, viu... – André afagou o braço da mãe e ela respirou fundo. – But, that's not the point. Pensa comigo. Eu contei de você, mas não dei tempo para ele pensar sobre tudo o que eu disse. Virei as costas e fui embora.

- Mas você mesma disse que ele parecia tão convicto.

- Sim, mas ele também teve uma criação militar, André, ele é uma pessoa muito correta, de princípios, até meio rígida. Tem suas regras e valores, alguns bem conservadores mesmo. Tenta se colocar no lugar dele, filho... Apesar de Gabriel dizer que todos os pais sabem, tenta ver como ele viveu essa revelação. Ele vinha de um luto pela esposa, que ele viu morrer aos poucos por tantos meses... É muito sofrimento, se sentir impotente, sem poder ajudar... Talvez, por conta desse cuidado todo com ela, ele realmente não tenha reparado nada de diferente no filho... Aí, a esposa morre, ele fica perdido, sem chão... Se apega na Rita Lee e cuida dela como uma segunda filha. Nessa altura do campeonato, se não me engano, o Gabriel já estava na faculdade, e sendo de período integral, ele mal devia ver o pai, certo?

André acenou com a cabeça. Ela continuou:

- Então, pensa comigo. A morte da esposa já deixou sua marca, uma revolta lá, dentro dele, né... Aí, ele, viúvo, sem muitos planos, só a cachorra como companhia, ouve de seu único filho o anúncio de que vai sair de casa pra morar com o namorado. Assim, na lata. É claro que ele iria reagir mal, pensa bem.

André pensou. Tentou mesmo se colocar no lugar de Cadu. E viu que o que a mãe dizia fazia sentido.

- A verdade, filho, é que faltou sutileza e paciência ao Gabriel. A mãe já tinha morrido há, sei lá, uns cinco anos? E ele pode ter pensado que o pai já tinha superado. Mas, quem sabe da dor do outro? O luto, para cada um, é diferente.

- Tá, tá bom, o Gabriel é meio assim mesmo... mas o que tudo isso tem a ver com o que eu te contei, da reação dele à minha proposta?

- Filho, firmar um contrato desses é como casar no papel. Tem um peso, um simbolismo. E é algo importante que a gente quer compartilhar com quem a gente ama, não é assim? – o filho acenou com a cabeça – Então. E eu acho que o Gabriel não se sente pronto pra isso porque tem essa pendência com o pai. Ele queria ter o pai do lado quando fizesse algo assim. É o que a minha intuição diz.

André a olhou, assombrado com tudo o que a mãe disse.

- Mãe, você é meio bruxa, viu? Daria uma ótima psicóloga! Fala sério! Tudo isso faz muito sentido, muito mesmo! Mas, e daí? O que a gente pode fazer?

- A gente pode tentar reunir pai e filho, que tal?

E Laura explicou seu plano. André ouviu tudo e, meio animado meio receoso, concordou:

- É, mãe, vamos nessa. E meio maluco, e tem tudo pra dar errado. Mas, pior do que está não pode ficar, né?

Quase 50tonaOnde histórias criam vida. Descubra agora