Cap 17 - Queria Só Que Ele Funcionasse Direito Uma Vez

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Algumas semanas depois, num dia de julho atipicamente quente, Laura estava na praia bebendo água. Tinha acabado de se exercitar, e como o seu curso estava no fim do recesso das férias, resolveu ficar na praia e curtir um solzinho, porque ela era dessas.

E, de repente, surgiu um cachorro correndo e se aproximou dela. Parecia vira-lata, tinha as cores caramelo e branco em um pelo longo, estava arfante e se jogou na sombra do seu guarda-sol alugado, parecendo exausto. Pegou seu copo e colocou mais água e ofereceu a ele, que bebeu desesperadamente.

- Ah, coitadinho, está com sede... cadê seu dono? – ela olhou em volta e não viu ninguém procurando por ele... fez um carinho em seu pescoço e viu que tinha uma coleira com identificação: Rita Lee – Você é menina! E adorei seu nome, Rita Lee. – Leu ainda um nome do outro lado: "Cadu", e um número de celular. Reparou ainda que o ponto de encaixe da guia no peitoral estava arrebentado. E entendeu tudo – Você fugiu do Cadu, sua safadinha? Papai deve estar preocupado... vamos ligar pra ele? – antes, ela pegou um saco plástico na bolsa e improvisou uma guia, amarrando-a na sua cadeira de praia. – Assim, você não foge de novo! – e pegou seu celular.

Rita Lee, ainda arfante, começou a abanar o rabo, com meio palmo de língua para fora. Laura fez mais um carinho em sua cabeça e a cachorra se aninhou ao seu lado, para descansar. Laura teclou o número e ao primeiro toque, Cadu atendeu, a voz grave e grossa com tom de urgência:

- Alô?!!

- Oi, é o Cadu?

- Sim.

- Oi, Cadu, aqui é a Laura, eu acho que estou com a sua cadela.

- Onde vocês estão?

- Na praia.

- Por favor, fique aí, estou indo.

- E traz uma guia nova, ok? – Laura deu a indicação da rua, do posto e até do número do barraqueiro ao lado do qual estava sentada, para Cadu a localizar. Também não ia ser difícil, pois era meio de semana e a praia estava vazia àquela hora. Dali a uns 20 minutos, o homem chegava correndo. Antes mesmo de cumprimentá-la, ele se ajoelhou e abraçou a cadela, que ficou feliz em vê-lo:

- Rita Lee, pelamordedeus! Não faz mais isso comigo! Você já tá velha pra essas aventuras.

Laura não gostou muito dessa afirmação, mas ficou calada, aproveitando para admirar o tal Cadu. Ela chutava que ele tinha uns 50 e poucos anos. Chutava porque era negro e completamente careca. E negro não tinha rugas, né... Se era dessa faixa dos 50, era também um típico carioca. Típico porque tinha a barriguinha de chope, mas carioca porque parecia atlético e bronzeado, apesar de ser inverno. E tinha uma cor de pele linda, com aquele tom meio Beyoncé, mais claro. Começou a divagar, e ficou curiosa para saber como hoje o movimento negro define os tons da pele negra, que são muitos. Pelo IBGE, existia somente o pardo e o preto. E, para ela, Cadu estava mais para o pardo. Ele vestia uma bermuda e uma camiseta, e estava de chinelos. Carioquíssimo. E era também muito bonito e charmoso, com seu sorriso meio de lado estampado no rosto enquanto acariciava a cadela com os olhos cheios de amor.

Laura sentiu um quentinho na altura do estômago, que foi descendo para o ventre, o que fez seu coração dar um pulo. Ela se sentou mais aprumada na cadeira, encolhendo a barriga e dando um sorriso para ele.

Assim que acalmou a cadela, Cadu se virou para ela, ainda de joelhos, e apertou sua mão:

- Oi... Laura, né? Desculpe a afobação. Ainda estou tremendo pelo susto. Por mim, eu te dava um abraço agora mesmo! Muito obrigado.

Laura se permitiu imaginar o abraço e gostou da sensação, mas respondeu, educada:

- Quê isso, Cadu, não foi nada... Ela é um amorzinho, veio atrás de sombra e água fresca, parecia muito cansada.

- Pudera! A gente estava na altura do posto 3, numa farmácia. Eu a prendi numa grade por um minuto, só pra comprar um remédio. E ela se soltou e fugiu. Ela costuma ser calminha, mas eu acho que o barulho alto de uma moto ou de um caminhão de lixo a assustou.

- Nossa, ela andou muito mesmo. Dá quase um quilômetro daqui, né? Mas ainda bem que não foi atropelada nem nada.

- Eu já estava pensando em trocar essa guia, mas ia adiando... – Cadu retirou o peitoral danificado e colocou um novo, de cor roxa e verde limão, que parecia mais seguro. – Esse aqui custou um rim, mas vale a pena.

Laura acariciou a cabecinha dourada:

- Ela ficou muito linda, de roxo, né, Rita Lee? – a cadelinha lambeu sua mãe, satisfeita. - São como filhos, não é mesmo?

- Sim, sim... ela é minha há oito anos já, peguei quando era uma bebezinha... – Cadu olhou pegou o celular e viu as horas - Bom, tenho que ir trabalhar... mas... eu queria te agradecer direito, com mais calma... aceita tomar um café comigo logo mais?

Ela o encarou e seus olhos honestos e sorriso simpático a convenceram:

- Por que não? Aceito, sim... – como ela já tinha ligado para ele, salvaram os respectivos contatos e se despediram. Laura ainda alfinetou, fazendo um carinho na cadela e piscando um olho para Cadu:

- Rita Lee, continue aventureira, viu, a idade é só um número! 

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