Algumas semanas depois, num dia de julho atipicamente quente, Laura estava na praia bebendo água. Tinha acabado de se exercitar, e como o seu curso estava no fim do recesso das férias, resolveu ficar na praia e curtir um solzinho, porque ela era dessas.
E, de repente, surgiu um cachorro correndo e se aproximou dela. Parecia vira-lata, tinha as cores caramelo e branco em um pelo longo, estava arfante e se jogou na sombra do seu guarda-sol alugado, parecendo exausto. Pegou seu copo e colocou mais água e ofereceu a ele, que bebeu desesperadamente.
- Ah, coitadinho, está com sede... cadê seu dono? – ela olhou em volta e não viu ninguém procurando por ele... fez um carinho em seu pescoço e viu que tinha uma coleira com identificação: Rita Lee – Você é menina! E adorei seu nome, Rita Lee. – Leu ainda um nome do outro lado: "Cadu", e um número de celular. Reparou ainda que o ponto de encaixe da guia no peitoral estava arrebentado. E entendeu tudo – Você fugiu do Cadu, sua safadinha? Papai deve estar preocupado... vamos ligar pra ele? – antes, ela pegou um saco plástico na bolsa e improvisou uma guia, amarrando-a na sua cadeira de praia. – Assim, você não foge de novo! – e pegou seu celular.
Rita Lee, ainda arfante, começou a abanar o rabo, com meio palmo de língua para fora. Laura fez mais um carinho em sua cabeça e a cachorra se aninhou ao seu lado, para descansar. Laura teclou o número e ao primeiro toque, Cadu atendeu, a voz grave e grossa com tom de urgência:
- Alô?!!
- Oi, é o Cadu?
- Sim.
- Oi, Cadu, aqui é a Laura, eu acho que estou com a sua cadela.
- Onde vocês estão?
- Na praia.
- Por favor, fique aí, estou indo.
- E traz uma guia nova, ok? – Laura deu a indicação da rua, do posto e até do número do barraqueiro ao lado do qual estava sentada, para Cadu a localizar. Também não ia ser difícil, pois era meio de semana e a praia estava vazia àquela hora. Dali a uns 20 minutos, o homem chegava correndo. Antes mesmo de cumprimentá-la, ele se ajoelhou e abraçou a cadela, que ficou feliz em vê-lo:
- Rita Lee, pelamordedeus! Não faz mais isso comigo! Você já tá velha pra essas aventuras.
Laura não gostou muito dessa afirmação, mas ficou calada, aproveitando para admirar o tal Cadu. Ela chutava que ele tinha uns 50 e poucos anos. Chutava porque era negro e completamente careca. E negro não tinha rugas, né... Se era dessa faixa dos 50, era também um típico carioca. Típico porque tinha a barriguinha de chope, mas carioca porque parecia atlético e bronzeado, apesar de ser inverno. E tinha uma cor de pele linda, com aquele tom meio Beyoncé, mais claro. Começou a divagar, e ficou curiosa para saber como hoje o movimento negro define os tons da pele negra, que são muitos. Pelo IBGE, existia somente o pardo e o preto. E, para ela, Cadu estava mais para o pardo. Ele vestia uma bermuda e uma camiseta, e estava de chinelos. Carioquíssimo. E era também muito bonito e charmoso, com seu sorriso meio de lado estampado no rosto enquanto acariciava a cadela com os olhos cheios de amor.
Laura sentiu um quentinho na altura do estômago, que foi descendo para o ventre, o que fez seu coração dar um pulo. Ela se sentou mais aprumada na cadeira, encolhendo a barriga e dando um sorriso para ele.
Assim que acalmou a cadela, Cadu se virou para ela, ainda de joelhos, e apertou sua mão:
- Oi... Laura, né? Desculpe a afobação. Ainda estou tremendo pelo susto. Por mim, eu te dava um abraço agora mesmo! Muito obrigado.
Laura se permitiu imaginar o abraço e gostou da sensação, mas respondeu, educada:
- Quê isso, Cadu, não foi nada... Ela é um amorzinho, veio atrás de sombra e água fresca, parecia muito cansada.
- Pudera! A gente estava na altura do posto 3, numa farmácia. Eu a prendi numa grade por um minuto, só pra comprar um remédio. E ela se soltou e fugiu. Ela costuma ser calminha, mas eu acho que o barulho alto de uma moto ou de um caminhão de lixo a assustou.
- Nossa, ela andou muito mesmo. Dá quase um quilômetro daqui, né? Mas ainda bem que não foi atropelada nem nada.
- Eu já estava pensando em trocar essa guia, mas ia adiando... – Cadu retirou o peitoral danificado e colocou um novo, de cor roxa e verde limão, que parecia mais seguro. – Esse aqui custou um rim, mas vale a pena.
Laura acariciou a cabecinha dourada:
- Ela ficou muito linda, de roxo, né, Rita Lee? – a cadelinha lambeu sua mãe, satisfeita. - São como filhos, não é mesmo?
- Sim, sim... ela é minha há oito anos já, peguei quando era uma bebezinha... – Cadu olhou pegou o celular e viu as horas - Bom, tenho que ir trabalhar... mas... eu queria te agradecer direito, com mais calma... aceita tomar um café comigo logo mais?
Ela o encarou e seus olhos honestos e sorriso simpático a convenceram:
- Por que não? Aceito, sim... – como ela já tinha ligado para ele, salvaram os respectivos contatos e se despediram. Laura ainda alfinetou, fazendo um carinho na cadela e piscando um olho para Cadu:
- Rita Lee, continue aventureira, viu, a idade é só um número!
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Quase 50tona
ChickLitLaura estava livre.... Depois de 27 anos de casamento, depois de três filhos, depois de 49 anos de vida, depois de quase 30 anos de trabalho como professora de Inglês - é muito número..., ela estava livre para fazer o que quisesse. Sem amarras nem o...