Cap 4 - Ela Ainda Não Tinha A Resposta...

41 5 0
                                    

E, de novo, outro importante acontecimento em sua vida ocorreu num ritmo acelerado. Assim que vendeu seu apartamento, André a levou para visitar muitos outros. Chegaram a ir a 11 imóveis num só dia. Até que, na terceira semana dessa maratona, e com o cronograma ficando apertado, ela encontrou o que queria. Era bem perto do curso onde trabalhava, era perto da praia que ela amava e relativamente perto de dois dos seus filhos – Maria morava em Botafogo.

O "apartamentinho" de 60m2 tinha dois quartos, sendo uma suíte, estava reformado – só precisava de uma pintura - e tinha uma banheira! André negociou como um leão. Queria o imóvel para sua mãe, mas não admitia que ela pagasse mais do que ele valia. Depois de 10 dias de suspense, com rezas e promessas de Laura e suas amigas, o negócio foi fechado. E por um preço que permitiu que ela ainda ficasse com um uma boa soma de reserva.

Abraçou o filho bem apertado, agradecida:

- Filho, você conseguiu realizar um dos meus sonhos. Banheira no quarto! - Ele ria como um garotinho que deu um presente especial no Dia das Mães. – Agora, tá na hora de correr atrás de um apartamento pro seu pai... já conversou com ele?

- Ih, mãe, acho que não vai rolar... papai disse que vai investir a parte dele da venda do apê e do carro. Não quer saber de comprar nada agora.

- Eu sabia que ele ia se acomodar na mãe... – deu de ombros – bom, contanto que ele esteja feliz...

- Bom, feliz, feliz, acho que... que não tá, né, mãe... mas, tá conformado...

- Taí uma boa definição para seu pai: ele é um sujeito conformado.

A nova casa, o novo lar, o novo lugar onde ela irá construir sua nova história recebeu, antes dos móveis, uma festa de purificação com as amigas. Regada a muito vinho e muita tequila, o batismo durou algumas horas. Na sala, apenas uma caixinha de som com a playlist da adolescência delas. Almofadas, copos de plástico, e papel higiênico e toalha no banheiro. E só.

- A gente não precisa de mais nadaaa!!!! – celebrava Cláudia entre uma taça de vinho e outra.

- O bom é ser feliz e mais nadaaaa, nadaaaa!! – cantava de volta Laura.

Adriana passava por cada cômodo com um incenso de lavanda, soltando mantras da meditação e fazendo gestos aleatórios cômicos. Sílvia dançava com uma garrafa na mão, a taça de vinho ficara esquecida em cima do balcão da cozinha há muito tempo. Laura ria e abraçava e cantava as letras em inglês no mais puro embromation. Foi uma catarse.

No dia seguinte, ninguém apareceu ou deu notícia até bem tarde. E por mensagem:

Sílvia

Todas vivas?

Cláudia

Emoji de enjôo

Adriana

Emoji de dormir

Morri mas passo bem

                                                                                                                    Amo vocês.


Luciano e André tomaram todas as providências para fechar a compra do novo apartamento. Laura deu graças pela ajuda, mas começou a pensar que, em algum momento, precisaria encarar papeladas e problemas burocráticos e afins sozinha. Não poderia depender dos filhos para sempre para isso, como dependeu do marido por 27 anos: "Só para o imposto de renda. Desse, o Lu vai me entender e me livrar."

E, no terceiro sábado de março, ela se mudou. Com uma bagagem bem menor – aproveitou a mudança para desapegar de um monte de coisas que não usava – como a segunda panela de fondue e uma máquina para fazer macarrão – bem como de roupas, sapatos e acessórios. Doou tudo para um bazar beneficente, depois de verificar com o ex, os filhos e amigas se alguém queria alguma coisa.

Ao desfazer as caixas, estava acompanhada deles – fora o ex, claro. Até Maria veio ajudar. Com tanta gente, as coisas caminharam rápido e, ao final da tarde, todas as caixas estavam vazias, os móveis no lugar e o pessoal, exausto. Luciano pediu pizza e cerveja para todos. Claudia sacou de sua sacola duas garrafas de vinho e foi outra festa improvisada com a caixinha de música e a playlist tipo festa ploc.

Fazia muito, muito tempo que os jovens não viam a mãe assim, tão solta, tão risonha, tão feliz, dançando de um jeito tão livre... Só André dançou com as mulheres. Os outros dois se sentaram no sofá e ficaram trocando olhares zombeteiros e mensagens no celular.

Laura se deu conta do tanto que tinha alcançado em tão pouco tempo. Do tanto que sua vida havia mudado em tão pouco tempo. E de como seus filhos e suas amigas foram fundamentais para que tudo corresse dessa forma leve e divertida. Não entendia como achava que ficaria sozinha, que se sentiria sozinha.... Meio calibrada pelo vinho, resolveu fazer um pequeno discurso. Desligou o som:

- Meus amores! Obrigada! Sem vocês, eu não conseguiria. Não conseguiria me libertar daquela vida vulgar, como cantou Rita Lee agora há pouco. Não que a vida com seu pai fosse ruim. Não é isso, entendam... Ela só não era o que eu queria, sonhava e precisava. Tomara que seu pai siga feliz. Porque eu já tou muito, muito feliz com vocês aqui comigo. Eu amo vocês, amo muito!! – E saiu abraçando e beijando cada um, em meio a vivas e gritos e brindes. Apenas Maria não correspondeu com alegria ao abraço. Estava triste pelo seu pai, e não tinha gostado do jeito como a mãe tinha falado dele.

Era já muito tarde quando Sílvia, a última das amigas, resolveu ir embora. Maria tinha ido para o quarto de propósito, para ficar sozinha com a mãe e, na confusão das despedidas, Laura nem se deu conta disso. E, por isso, deu um grito de susto quando topou com a filha.

- Maria, criatura, assim você me mata do coração!

- Eu fiquei pra conversar rapidinho com você, mãe.

- Agora, filha? Eu tou mortinha com farofa... Dorme aí, e a gente conversa amanhã no café, que tal?

- Não, é rápido, mãe. – Laura suspirou e se sentou na cama, recostando-se nos travesseiros.

- O que foi?

- Você tá bem feliz com essa vida nova, né? – a mãe acenou com a cabeça, tentando ignorar o tom magoado da voz da filha – Mas, você tem noção de como o papai está?

- Não, filha, não tenho. Quase não falo com ele.

- Bom, ele tá mal, mãe, bem mal...

Laura suspirou de novo. Estava estranhando que até então, depois desses quase três meses, Maria ainda não tinha conversado com ela sobre Flávio. Mas ela sabia que essa conta chegaria. E chegou. Agora.

- Filha, eu sei que ele não está bem, porque ele tem um jeito muito diferente do meu, de encarar as mudanças. Seu pai odeia mudanças. Ele vai levar um tempo maior, mas ele vai partir pra outra. Ele ainda é jovem, bonito, é um bom partido...

- Se ele é tudo isso, então, por quê? Por que você largou dele?

- Filha, eu já conversei tudo isso com você inúmeras vezes. E não é justo que você venha, de novo, com essas perguntas. Você não é mais criança. Você participou de tudo, eu já falei tudo o que eu poderia falar sobre isso. Caso encerrado. Chega. Estou exausta com a mudança. Se você quiser dormir aqui pra gente conversar mais amanhã, ótimo. Se não, eu peço que você vá pra sua casa agora.

Maria levantou-se enfezada, a bonita testa franzida, e saiu do quarto sem dizer mais nada. Logo Laura ouviu a porta da frente ser fechada com um estrondo, o que apagou um pouco a sua alegria pelo dia. Fechou os olhos, dando um longo e profundo suspiro. "É. A conta chegou."

Quase 50tonaOnde histórias criam vida. Descubra agora