A ciranda do Tinder rendeu frutos... podres.
Depois de alguns dias de papo com Álvaro, resolveram se encontrar. Laura quis que fosse num quiosque, de manhã, pra uma água de coco. Quando o avistou chegando, ficou encantada como ele era charmoso. Ao vivo, as coisas são muito melhores do que pela telinha. "Não sei como essa juventude se acostuma a se relacionar tanto online". Mas, depois que se cumprimentaram e ele falou perto dela, ficou congelada: ele tinha um mau hálito de bode!
Foi difícil evitar reagir, e ela deu graças à brisa marinha que espalhou logo o mau cheiro. Procurou se sentar bem longe e a favor do vento. Aquele detalhe melou na hora a sua empolgação. "Como pode uma pessoa não saber que carrega um bafo tão pestilento assim? E não é por causa de diabetes, cujo cheiro do hálito é diferente, mais adocicado. Ali parece que algo apodreceu na boca!" Ela mal conseguiu se concentrar na conversa. E agradeceu quando a amiga ligou:
- E aí, o boy é magia?
- Oi, querida, o que houve?
- Ih, já vi que não, né?
- O quê? Como assim? Você tá bem?
- Tou é louca pra saber o que houve!
- Tá, tá, tou indo aí, fica calma! – e desligou, simulando urgência. – Desculpe, Álvaro, mas tenho que correr.
Ele se levantou também, preocupado:
- O que houve?
- Minha amiga caiu no banheiro e está com dores. Preciso ir.
- Eu posso ir com você, pra ajudar!
- Não! Não precisa! Outra amiga também já está a caminho, ela caiu no chuveiro, está sem roupa, sabe como é...
- Ok, que chato... bom, a gente pode se encontrar outro dia...
- Sim, claro – prendeu a respiração ao se despedir com dois beijinhos e foi embora.
Ao chegar na casa de Sílvia, Laura contou qual foi o problema do fracasso do encontro. A amiga a achou exagerada:
- Ah, vai, não pode ter sido tão ruim assim...
- Não?! Então sai você com ele... logo você, que é quase obsessiva com sua higiene bucal...
- A saúde bucal determina a saúde do corpo todo, querida...
- Então, o Álvaro morreu e não sabe... porque, misericórdia, viu?
Além dessa má experiência, os outros dois matchs também não prosperaram. O primeiro, Gustavo, mal sabia escrever com domínio razoável do português, e abusava dos emojis. Aquilo irritou muito Laura, pois considerou algo muito infantil e, como boa professora, achava que um homem da sua idade deveria ter pelo menos se esmerado mais em aprender a escrever direito no seu próprio idioma. Alguns diriam que ela tem preconceito linguístico... é, podia até ser. Mas uma coisa eram abreviações como vc (você) ou variações como "muié", "miga loka" etc. Outra bem diferente era escrever "derrepente", "estrupo" ou "concerteza". Ou desconhecer o uso de uma vírgula. Ou escrever errando a conjugação, a ponto de não se fazer compreender. Aí, era demais pra ela... Não quis nem encontrar. O bloqueou e fim.
E, finalmente, o terceiro candidato, Gregório, com quem ela se encontrou para um chope à tarde. Era sábado e, apesar do frio, o calçadão estava movimentado. E foi graças a isso que ela percebeu uma característica desagradável no homem: ele não parava de olhar para outras mulheres que passavam. E sempre enquanto ela estava falando. Laura achou aquele comportamento desrespeitoso e nem precisou de um telefonema fake para se levantar e ir embora. Resolveu ser franca:
- Gregório, infelizmente, não vai funcionar...
- Por que, o que houve?
- Você tem um comportamento bem inapropriado. Fica olhando para tudo quanto é mulher enquanto estamos conversando.
- Ué, normal... o povo tá passando, eu só olho...
- Não, você não "só olha", você parece querer despir a mulher com seus olhos. E isso é muito desrespeitoso comigo. E com elas também, fique sabendo.
- Mas eu posso te olhar assim também, você é uma mulher muito bonita... – e fez o que disse, a olhou de forma, para Laura, ofensiva. Ela simplesmente se levantou e foi embora. Lamentou o copo de chope vazio, pois quis ter jogado alguma coisa na cara dele.
Sua última tentativa foi o ex-namoradinho, Sandro. Depois de trocarem mensagens e lembranças dos velhos e longuínquos tempos, se reencontraram. Ele realmente pouco tinha mudado. Quer dizer, pouco mesmo! Chegou de moto, com o mesmo estilo de roupas de motoqueiro, o mesmo papo sobre rock, o mesmo corte de cabelo. Só a barba era novidade no conjunto da obra... E a filha adolescente, a quem amava muito, e que morava com a mãe. Depois que se separou, ele voltou a morar com os pais. E isso já tinha mais de dez anos!! Trabalho? Já tinha feito um pouco de tudo: vendedor de loja, mecânico de motos, telemarketing... e, atualmente, "ganhava um troco" como motorista de uber, num carro que dividia com um amigo.
A conversa não foi muito interessante. O que Laura curtiu mesmo foi fazer uma viagem no tempo, voltar ao passado, reviver, um pouquinho, aquela vibe despreocupada da adolescência, na garupa da moto dele. Se encontraram mais duas vezes, deram alguns passeios pela cidade, trocaram alguns amassos, mas foi só. Ela, afinal, era uma quase cinquentona e ele, ao que parecia, tinha parado no tempo, lá, nos 18 anos, com uma vida sem responsabilidades, sem futuro e dependendo dos pais idosos para tudo.
Depois de mais esse block no aplicativo, Laura desistiu, desanimada. "O que está acontecendo com os homens? Ou será que os que são legais estão todos comprometidos? Não é possível que no Tinder só tenha loosers. Tanta gente conheceu pessoas bacanas por ali... ou será que só eu que dei azar?"
Lembrou-se dos exemplos que Sílvia conheceu. A amiga era especialista em apelidar os homens de acordo com alguma característica. Teve o Remelento (autoexplicativo), o Gosmento (que deixava acumular saliva no canto da boca e falava soltando perdigotos), o Coçador (que não tirava a mão do saco), o Unha de Fome (também autoexplicativo), o Hobbit (que, apesar de bonito e simpático, era baixo demais e, para a amiga, isso era um problema) e mais alguns dos quais ela não recordou o defeito.
Sim, alguns poderiam dizer que tanto Laura quanto Sílvia eram exigentes demais, ou viam pequenos defeitos como grandes impedimentos, que, na idade delas, deveriam ser mais tolerantes etc etc etc. Mas elas pensavam exatamente o oposto. Como ambas já tinham passado por longos casamentos, tinham dedicado suas vidas ao ex e aos filhos, agora, aos 50, novamente solteiras e de bem com a vida, queriam e mereciam o melhor possível que conseguissem encontrar. E manteriam seus padrões de seletividade no topo, enquanto pudessem.
Laura se viu rindo ao recordar cenas do filme PS: Eu Te Amo. A amiga da protagonista, a atriz que fez a Phoebe, de Friends – não lembrava do nome -, abordava os caras num bar fazendo perguntas diretas, e sempre na mesma ordem: se eram solteiros, se eram gays, se trabalhavam. E só. O que respondeu sim pra duas dessas ganhou logo um beijo.
Laura esperava não chegar a este ponto. Tinha expectativas bem maiores.
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Quase 50tona
Literatura FemininaLaura estava livre.... Depois de 27 anos de casamento, depois de três filhos, depois de 49 anos de vida, depois de quase 30 anos de trabalho como professora de Inglês - é muito número..., ela estava livre para fazer o que quisesse. Sem amarras nem o...