No dia seguinte, à noite, Laura foi se encontrar com as amigas no quiosque de sempre no calçadão. No verão carioca, quiosque era a opção mais carioca que havia. Aberto, de frente para a praia, com poucos lugares e arejado pela brisa do mar. A noite estava começando, era tipo um happy hour, mas a praia ainda estava cheia de banhistas. Calor e conta de luz nas alturas era a equação perfeita para os mergulhos noturnos nas praias cariocas, de mar frio e calmo. Grandes refletores iluminavam a areia, dando uma sensação de segurança que, no caso dessa cidade da beleza e do caos, era um grande diferencial.
Estava rolando uma música ao vivo, só para animar – ou ensurdecer, dependendo da qualidade do artista... Depois dos efusivos abraços e beijos, Sílvia tomou a palavra:
- Bem-vinda ao clube das divorciadas. Você vai amar!
- Que clube, se só você é, muié?
- E tá muito bom! Exclusivo! Mais gente pra quê?
Além da terapia, esse grupo era outra forma de Laura desopilar o fígado. Sem elas, jamais teria tido a coragem para se separar. "Aos 50, a gente tem medo de tudo: de ficar sem dinheiro, sem amor, sem filho, sem chão, sem nada!" Mas, com elas ali, ela tinha muito!
- E os planos pra nova vida?
- Meus sais, tá todo mundo me perguntando isso! Sei lá, Sílvia!
- Você falou tanto que tinha tanta coisa que você queria fazer e que o Flávio é que te impedia...
- Eu sei, eu sei... mas agora estou percebendo que eu também usava o Flávio como desculpa... porque está me dando um medão danado de tudo!
- Medo? De quê?
- De tudo, Dri! De me mudar, de ter que cuidar de mim mesma sozinha, de ter que encarar um monte de coisas sem marido... vocês sabem como é isso, né? Até nas coisas mais banais, tipo, levar o carro na oficina. Era tarefa dele!
- Ué, eu levo o meu na oficina do Seu Vicente. Ele cuida do carro de um monte de amiga minha. Essa questão tá resolvida. Que mais?!
- Ai, muié, sei lá! Me deixa quieta um pouco. Vou precisar de ajuda com a busca por um apartamento novo, com a mudança... E é isso o que eu preciso fazer de imediato. Depois, eu penso no resto.
- Bom, pra começo de conversa, você não está sozinha. Seus três filhos queridos vão te ajudar no que você precisar. E tem a gente também, pombas!
- Eu sei, Cláudia, eu sei... dá licença que eu quero fazer um drama hoje? Afinal, acabei de assinar, caceta!
- Faz todo o drama que quiser, querida. Estamos aqui pra isso!
- É isso, aí, Claudinha! Então, eu proponho um brinde: ao novo começo da Laura!
- Ao novo começo da Laura! – falaram as outras em coro.
Mas esse novo começo demorou a pegar no tranco. Janeiro era um péssimo mês para comprar ou vender um imóvel. Laura deixou na mão do filho essa tarefa, e combinou com ele de agendar as visitas dos interessados sem que ela estivesse no apartamento. Era muito desconfortável deixar estranhos andarem pela sua casa, seu lar construído com tanto amor e carinho, e ouvi-los comentarem o que mudariam, o que derrubariam, do que não gostavam. André, como sempre, entendeu a mãe. Para ele, também não estava sendo fácil fazer as visitas na casa onde passou mais da metade da sua vida. Era um imóvel grande, de 150 m2, com três quartos, sendo duas suítes e um banheiro social. E com vaga de garagem na escritura, algo valioso para apartamentos em Copacabana.
Paralelo a isso, ele levava a mãe para conhecer alguns apartamentos menores. Ela quis primeiro de um quarto, pois agora teria de viver sem o salário do ex-marido, que era quase o dobro do dela. Mas pensava que, quando viessem netos, não haveria espaço para recebê-los. Então, pediu para visitar de dois quartos, com metragem pequena. E vaga na escritura. Porque não queria abrir mão do carro.
- Mãe, nesse bairro é caro e difícil encontrar vaga na escritura. E manter um carro hoje é muito custoso... Seguro, gasolina, manutenção, estacionamento... Tem a lei seca... tem certeza de que você precisa de carro? Tem uber, tem metrô... tem até bike compartilhada!
- Eu sempre dirigi, filho, pra tudo quanto é lugar.
- Tá, mãe, mas pensa agora. Quando foi a última vez que você pegou no carro? Seus filhos cresceram, seu trabalho é perto, mercado também você vai fazer pra um... carro pra quê?
André tinha razão, Laura pensava. Cada vez que saía com o carro, era um estresse para achar vaga na rua. Cinema só em shopping, assim como compras, para poder contar com o estacionamento, que custava um rim! Mas o carro, pra ela, era sinal de independência e autonomia. Ela aprendeu a dirigir tarde, aos 21 anos, e por causa de um ex-namorado. Quando saíam, ele dirigia o carro de seu pai. E quando brigavam (e brigavam sempre), ela não podia ir embora simplesmente. E isso a fez se sentir uma refém. Depois dessa experiência ruim, aprendeu a dirigir e se sentiu livre e dona do seu nariz, e nunca mais dependeu de ninguém para ir e vir. Antigamente, também detestava pegar ônibus, pois os veículos eram velhos, barulhentos e os motoristas, muito irresponsáveis. Com os táxis não era muito diferente, só custavam mais. Os amarelinhos cariocas tinham má fama de terem motoristas ruins e grosseiros, que nunca tinham troco para a corrida e possuíam carros em péssimas condições. Mas isso foi há muito, muito tempo... hoje, as coisas estavam um pouco diferentes...
- Quer saber, filhote? Você tem razão! Vou vender o carro. É menos uma grande despesa na minha vida. – "e outra big mudança na minha vida", ela pensou.
Nos últimos dias das férias, Laura aproveitou para começar a encaixotar as coisas do apartamento. Flávio já tinha levado muita coisa dele, mas havia objetos de uso comum que ele havia deixado e que ela estava separando. E era uma tarefa pra lá de demorada, porque cada um que ela pegava a fazia se recordar de algo: o ventilador vintage que tinha caído no pé de Luciano quando ele tinha oito anos e que causou uma correria para o pronto-socorro... o vaso de plantas que tinha sido quebrado e colado pelo menos umas três vezes porque os meninos jogavam bola na sala... o baleiro de cristal que ganharam de casamento que, por pouco, não foi reduzido a mil pedaços quando Maria enfiou sua mão gordinha de cinco anos ali dentro e ficou presa... Acabou desistindo da tarefa e chamou reforços, pois, nesse ritmo, não acabaria de arrumar e se acabaria de chorar!
No sábado, veio a cavalaria: Sílvia, Adriana e Cláudia, acompanhadas de vinho e queijos, chegaram com mais caixas e plástico bolha e fita crepe. Foi em meio a muitas risadas, conversas, histórias e reflexões que elas conseguiram empacotar tudo o que não era de uso diário da amiga. No começo da noite, sentadas no sofá, exaustas, as amigas resolveram assistir a uma novela colombiana na Netflix chamada "Café com Aroma de Mulher". Só porque podiam...
E, por coincidência – ou porque ela havia desatado a energia que impregnava aquela casa – no domingo, André chegou cedo com uma proposta de compra do apartamento:
- Mãe, é uma oferta muito boa, estão oferecendo um pouco abaixo do que pedimos, mas tá na margem de negociação que a gente estipulou. Você concorda?
- Filho, se pra você está bom, pode fechar. Mas veja com seu pai, ok?
- Já falei com ele. No começo, ele não queria aceitar, mas eu convenci ele de que era uma boa oportunidade.
- Então, bora seguir! – André explicou os próximos passos. O casal interessado daria um sinal e, em até 30 dias, eles teriam a liberação do financiamento.
- Tudo dando certo, sem nenhum problema, em março você já estará com seu dinheirinho na mão. Vou pedir três meses para você sair daqui, ok? Sem correria.
Laura se viu meio atordoada depois que o filho foi embora. Olhava sua casa, seu lar por mais de 15 anos, e veio aquela dor no peito e aquele nó na garganta. Mais um passo para longe dessa vida antiga estava sendo dado. E ela ainda se sentia muito perdida... "Pra que lado eu sigo? Qual é o meu rumo?". E ela ainda não tinha a resposta...
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Quase 50tona
ChickLitLaura estava livre.... Depois de 27 anos de casamento, depois de três filhos, depois de 49 anos de vida, depois de quase 30 anos de trabalho como professora de Inglês - é muito número..., ela estava livre para fazer o que quisesse. Sem amarras nem o...