Cap 23 - Ou Vai Ou Racha!

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Laura abriu a porta para André e Gabriel. O combinado era André também avisar, somente na porta, que o pai dele estaria no apartamento da mãe. Mas parece que o filho não fez a parte dele. O que foi péssimo, claro.

Gabriel reagiu mal ao ver o pai:

- O que ele está fazendo aqui?

Laura teve que tomar as rédeas, antes que o caldo entornasse de vez. Falou de maneira doce, mas firme:

- Eu o convidei, Gabriel, e espero que você haja com educação e respeito na minha casa. - Gabriel baixou a crista. Laura apresentou o filho: - Cadu, esse é o meu filho André.

Felizmente, Cadu apertou a mão que o rapaz estendeu. Ficaram todos em pé, meio sem saber o que fazer. Laura acabou desabafando, nervosa:

- Meus deuses amados, André, eu disse que esse plano era idiota!

- O quê?! Mãe, fui eu quem disse isso, e eu falei maluco, não idiota!

Após um curto silêncio, todos os quatro começaram a rir e Laura deu graças pela quebra da tensão. Olhou Cadu, e percebeu que ele estava contente em ver o filho. E notou também que Gabriel parecia sentir o mesmo.

- Gente, vamos sentar, vamos nos acalmar... Tem um macarrão gostoso nos esperando e eu espero que todos fiquem para jantar... Cadu e Gabriel, peço desculpas pela armadilha. Eu juro que na nossa cabeça ia dar tudo certo, né André? Que vocês iriam se encontrar, conversar e se entender. Desculpe, Gabriel, pelo covarde do meu filho não cumprir a parte dele nessa missão.

- E qual era a parte dele?

- Preparar seu coração e seu espírito para esse encontro, falando bem do seu pai, que é mesmo um homem maravilhoso, embora seja teimoso e cabeça-dura...

- O Gabriel chegou do plantão meio irritado, mãe, não tive oportunidade. Só consegui trazê-lo aqui porque ele adora você e já estava tudo combinado...

- Irritado? O que houve? – era Cadu perguntando diretamente ao filho. O coração de Laura deu um pulo e ela trocou um olhar significativo com o filho. Felizmente, Gabriel respondeu, num tom neutro:

- Ah, foi uma parada lá que rolou, pai... Chegou um caso lá na emergência e eu sugeri uma abordagem para a cirurgia que era meio ousada, por vídeo-laparoscopia, mas o bundão do meu orientador quis realizar do jeito tradicional, que ia ser mais demorado, ia deixar uma cicatriz maior e o tempo de recuperação mais longo também. – deu de ombros – E eu tive que respeitar a vontade dele. Hierarquia, você sabe... São coisas que acontecem. Mas, pelo menos, o paciente ficou bem.

- Ah, Gabriel, mas já-já você vai poder comandar suas cirurgias e fazer do seu jeito, tenho certeza. Você é muito bom no que faz, não é, filho?

- É sim, mãe, o Gabriel manda muito bem. – e os dois rapazes trocaram um olhar amoroso.

Laura tomou a palavra novamente:

- Gente, eu não quero dar uma de conselheira familiar e nem tenho competência para isso. Mas achei uma coincidência incrível ter conhecido o Cadu. Me senti na obrigação de tentar aproximar vocês. Afinal, vocês se amam.

- Laura, eu agradeço a sua preocupação, mas isso é um problema meu e do meu pai.

- Sim, meu querido, eu sei, e já me desculpei. Mas eu resolvi me meter porque esse problema seu e do seu pai acabou afetando o André também... não é, filho? E, também, acabou afetando indiretamente a minha relação com o Cadu... não foi isso, Cadu?

Ele se mexeu no sofá, novamente desconfortável.

- Bom, podemos dizer que sim... mas a gente não sabia que nossos filhos estavam... ahn... morando juntos. Foi uma puta coincidência!

- Relação? Você e meu pai?

- Sim, querido... A gente estava namorando...

- Estava? Não estão mais?

- Não.

- E eu já posso adivinhar por quê... não é, pai? Porque ter um filho gay não dá, né? E você descobriu que o filho dela é gay também. E aí, acabou tudo, né?

André pôs a mão no braço do namorado, tentando silenciá-lo:

- Gabriel, fica quieto, por favor, ouve primeiro...

- Quem terminou tudo fui eu, Gabriel. E de modo precipitado. E eu fiquei muito triste. – ela suspirou e desviou rapidamente o olhar dos olhos inquisidores de Cadu - Olha, eu vou esquentar o macarrão e servir. Está ficando tarde, e eu estou com fome. Queria muito que todos ficassem, mas quem quiser ir embora, pode ir. Quero um jantar de paz, com todo mundo bem...

Como ninguém se mexeu, ela se levantou satisfeita e chamou o filho:

- André, vem me ajudar, pegar umas cervejas pra vocês. – Ele se levantou e a seguiu. O filho apanhou as cervejas na geladeira e ia voltar para a sala quando ela o segurou, murmurando:

- De jeito nenhum, você fique aqui um pouco. Vamos dar um tempo para eles. Vai dar tudo certo.

- Como você sabe?

- Eu sou bruxa, esqueceu? – e piscou um olho para o filho.

Na sala, Cadu olhava o filho que, por sua vez, fuçava o celular. Notou que ele tinha deixado o cabelo crescer e estava mais encorpado. Não gordo, mas mais forte, como se estivesse malhando. Lembrou-se de como o filho gostava de praia, de jogar futevôlei e futebol de areia com ele. E de repente, sentiu uma saudade imensa desse tempo em que compartilhavam essas pequenas coisas. Antes do susto. Antes da revelação que mudou tudo. Sentiu um incômodo por dentro e se mexeu no sofá. Gabriel o mirou rapidamente e suspirou, voltando a olhar o celular. Aquele silêncio estava ficando insuportável e Cadu, sendo o mais velho, resolveu tentar conversar. Em respeito à Laura também, a encantadora e atrapalhada Laura, de quem ele sentia muita saudade, a primeira mulher que ele deixou se aproximar depois de tanto tempo, e que se esforçou tanto, que armou aquele circo todo só para fazer ele se entender com o filho. Tinha que, pelo menos, tentar.

- Como você está, filho? Como está a sua vida?

Gabriel olhou para o pai de novo e guardou o celular no bolso:

- A vida está ótima agora, pai. Estou morando com meu namorado, trabalhando com o que eu gosto e sendo respeitado. Apesar de ser gay. – a última frase foi carregada de sarcasmo.

- Filho, eu sei que disse coisas muito duras para você. Mas você também falou coisas horríveis.

- Eu sei, pai, eu sei... e eu me arrependi da maioria delas. Mas eu estava saindo de casa para ir morar com uma pessoa que estava me fazendo feliz há um ano, não era algo irresponsável, imaturo, impulsivo.

- Sei disso agora, filho. Mas não sabia há dois anos... Você nunca... a gente nunca tinha conversado...

- Era difícil falar com você, pai... Além disso, a mamãe ficou doente quando eu tinha meus 17, 18 anos. Foram quase dois anos daquele sofrimento, e eu tendo que batalhar na Medicina. E você tendo de cuidar dela... A gente... se perdeu um do outro.

- Foi, sim, foi isso... Eu passei aqueles anos meio anestesiado, só pensando num jeito de curá-la...

- Era um câncer muito agressivo, pai, não tinha jeito...

- Eu sei, filho, eu sei... – se olharam.

- E, depois que ela morreu, você parece que tinha morrido junto. Parecia um zumbi! E eu na faculdade, tempo integral, mal tive tempo ou forças pra cuidar do meu próprio luto. Estava no final do período, uma loucura... Quase larguei tudo. – Cadu encarou o filho, seus olhos refletindo toda a dor sofrida, e sentiu a sua dor. Afinal, sofreram a mesma perda. O filho continuou: - Só não desisti pela mamãe, foi por ela. Me lembrei de como ela e você ficaram orgulhosos quando eu passei no Enem... E persisti. – Respirou fundo e prosseguiu: - Mas... eu não tive condição de dar conta do seu luto também, pai. E, por isso, eu te peço perdão.

Cadu sentiu um nó na garganta. Olhou o filho e viu que ele também estava emocionado. E, de repente, ambos se levantaram e se abraçaram. Nada mais precisava ser dito. O amor estava ali, recuperado. Derrubando muros e preconceitos. Levantando pontes e entendimento. Por ser amor, invadiu e fim.

Quase 50tonaOnde histórias criam vida. Descubra agora