E assim, os meses foram passando...
A primavera deixava a cidade mais bonita ainda, para quem tinha olhos para ver...
Os amanheceres e entardeceres eram dourado-avermelhados, um espetáculo de cores que encantava e deixava tudo com um aspecto meio mágico. O céu noturno era aveludado, e era possível ver as estrelas, apesar das luzes intensas dos prédios e ruas. Laura acordava cedo, e mesmo com a temperatura baixa, se obrigava a ir malhar na areia, e tinha o privilégio de testemunhar o nascer do sol sobre o mar. A explosão de cores, a suavidade e o brilho da superfície da água, o voo rasteiro das aves, tudo a inspirava e a energizava.
O calor estava demorando a chegar, o que tornava a disposição geral das pessoas mais ameno também. Porque todo mundo sabia que o calor intenso trazia, no verão, o caos para as praias e bairros da Zona Sul, com imagens de arrastões, de depredação, ataques a pedestres, invasões de lojas e outros tristes eventos que davam uma má fama à cidade que ela tanto amava... Como boa carioca, Laura tinha estratégias para enfrentar esse período. Só ia à praia bem cedinho, seus compromissos e compras eram sempre na parte da manhã pelo bairro, e ia direto do trabalho para casa no final do dia andando rápido de cabeça erguida com cara de paisagem. Se avistava qualquer grupo de jovens, entrava na primeira loja e esperava o bando passar. Na maioria das vezes, era só isso mesmo: um bando de pessoas saindo da praia. Mas, infelizmente, ela reagia sempre com medo, e buscava se proteger. Até então, tinha tido sorte. Não havia sido assaltada nem empurrada, ou coisa pior, como acontecia com outras pessoas. A violência, definitivamente, era um dos grandes males da humanidade.
Mas ainda não tinha chegado essa estação da beleza e do caos, e ela desfrutava tudo o que seu bairro querido, Copacabana, oferecia.
Ela se sentia muito sortuda de viver ali. O bairro tinha tudo, tudo de que ela pudesse precisar. Médicos, lojas, mercados, cafés, restaurantes, cinemas, teatros... gostava de andar pelas ruas menores, paralelas às avenidas principais, pois eram decoradas por alamedas de árvores, pelas quais passavam pessoas com seus pets, mães com suas crianças indo para a escola, gente indo viver. Algumas ruas eram mesmo bucólicas, e era difícil de acreditar que ficavam bem ao lado da famosa Avenida Nossa Senhora de Copacabana, caótica e sempre lotada de pessoas nas calçadas e de carros na pista.
E, enfim, veio o final do ano, e ela e seus filhos passaram pela experiência de combinar com quem passariam as festas. Nesta primeira vez, o dia 24 ficou para Laura. O almoço de 25 ficou para Flávio e os companheiros dos filhos compreenderam o momento e toparam passar com suas próprias famílias antes ou depois dessas datas.
Para Laura, esse foi um momento importante que marcou um novo comportamento familiar entre ela, seu ex e seus filhos, que ditaria tudo dali por diante. E ela ficou bem satisfeita de como as divergências e combinações aconteceram de forma tranquila e civilizada. Pois ela sabia que, para muitas famílias desfeitas, essas datas festivas viravam um verdadeiro inferno de disputas e ciumeiras que faziam com que todos, sem exceção, sofressem. E ela jamais permitiria que isso acontecesse com os seus. Foi por amor que essa família havia começado, e ela tentou também desfazer o casamento com amor e respeito. E parece que tinha dado certo.
E veio o último dia do ano. Do primeiro ano do resto de sua vida.
É claro que ela se reuniu com suas amigas na casa de Cláudia, que morava na orla do Leme. Ver os fogos era um detalhe. Afinal, já tinha visto o espetáculo ao longo de muitos anos, desde quando ainda era só uma festa da umbanda, que reunia o povo do axé vestido de branco em rodas na areia com flores, velas e oferendas para Iemanjá. E os fogos eram soltos da areia, perigosamente perto das pessoas...
Agora, era uma megafesta, a maior do mundo, que reunia dois milhões de pessoas só na praia de Copacabana, com palcos para shows de artistas e uma gigantesca estrutura. Nada disso a atraía. Ela queria mesmo era celebrar sua vida nova com as amigas, irmãs de vida. A festa estava animada, e perto da virada todos desceram para assistir à queima de fogos da areia. Laura se permitiu fazer tudo a que tinha direito: vestiu-se de branco, colocou uma calcinha cor-de-rosa nova, pulou as sete ondas, comeu lentilha e uva e gritou levantando a taça do espumante à meia-noite. Sentiu-se livre, leve e pronta para o ano novo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quase 50tona
ChickLitLaura estava livre.... Depois de 27 anos de casamento, depois de três filhos, depois de 49 anos de vida, depois de quase 30 anos de trabalho como professora de Inglês - é muito número..., ela estava livre para fazer o que quisesse. Sem amarras nem o...