Parte 18 - Eveen Berillar

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Observava as pessoas se agitarem na praça da deusa sob a luz da tarde. As crianças corriam e davam risadas, sem se importar com os problemas do mundo. Era o fim do último raio de sol de sexta-feira e meu dever de dama de companhia da rainha tinha acabado. Eu sentia uma mistura de alívio, mas também de remorso, por fazer parte de tanta crueldade da rainha com o povo. Alguns homens estavam sofrendo por apenas olhar para uma mulher, e outros tinham perdido seus cargos por serem como são: homens. Greta estava exagerando, eu compreendia que ela não teve boas experiências com eles. Mas existiam homens bons no meio daqueles que ela matou ou condenou à miséria e prisão.



Senti um puxão na saia do meu vestido cobalto e abaixei o olhar para encontrar uma menina de cabelos castanhos dourados e olhos azuis acinzentados, vestindo um vestido lilás claro. Ela era a menina mais linda que eu já tinha posto os olhos.



- A senhora está bem? - a menina juntou as sobrancelhas castanhas para mim, e eu sorri.



- Sim, pequena. Mas por que perguntou?



Ela balançou o corpinho em forma giratória.



- Porque a senhora estava parada como uma estátua. - a menina riu para mim, deixando covinhas fofas em seu rosto cheio de sardas.



- Obrigada por se preocupar, eu estava bem pensativa. - pisquei o olho direito para ela, e ela riu.



- Vamos, a sacerdotisa irá fazer um ensinamento. - ela pegou em minhas mãos e me puxou para os bancos da praça, que eram bem firmes no chão. Sentei-me em um que ficava atrás da deusa Héstia, mas que tinha também uma ótima vista de onde a sacerdotisa estava. A menina se sentou ao meu lado com alegria e seus olhos azuis demonstravam admiração pela sacerdotisa.



A sacerdotisa era uma mulher alta e esbelta, de cabelos negros e olhos verdes. Ela usava um manto branco com detalhes dourados, Ela se aproximou do altar da deusa e começou a falar com uma voz clara e melodiosa.



- Saudações, filhas e filhos de Héstia, a deusa do lar, do fogo e da família. Hoje é um dia especial, pois celebramos o aniversário da nossa rainha, Greta, a protetora do nosso reino, iremos fazer uma oração a deusa pela vida dela, que a deusa conceda muitos anos de vida e sabedoria. - ela fez uma pausa e olhou para o céu, onde o sol se punha lentamente. - Sabemos que a rainha tem sido severa com os homens, mas ela tem seus motivos. Ela quer apenas o bem do nosso povo, e por isso ela nos ensina a sermos fortes, independentes e sábias.



Eu ouvia as palavras da sacerdotisa com um nó na garganta. Eu sabia que ela estava mentindo, ou pelo menos omitindo a verdade. A rainha não queria o bem do povo, ela queria vingança.


As pessoas cochichavam, e outras apenas davam as costas e iam embora. O povo não queria ouvir o que a sacerdotisa tinha a falar depois dessas palavras cheias de mentiras.


A sacerdotisa caminhou até o altar, onde uma estátua de mármore da deusa Héstia a observava com um sorriso gentil. Ela segurava um livro sagrado em sua mão esquerda, o mesmo que continha a história da sua divindade.



Ela se virou para a plateia, formada por algumas pessoas que ficaram para ouvir a sua pregação. Talvez eles estivessem com medo de que algo acontecesse caso eles dessem as costas. Mas a sacerdotisa era justa, e não uma covarde. Ela não iria castigar ninguém por sua falta de fé, apenas tentaria despertá-la.



- Sei que as palavras que irei dizer são velhas e ultrapassadas - ela começou, com uma voz firme e clara. - Mas eu devo lembrar ao povo quem eles servem. Quem é a nossa protetora, a nossa mãe, a nossa luz.



Ela abriu o livro e começou a ler:



- Nas terras do meio, antes que os humanos chegassem, os feéricos viviam em harmonia e paz. A rainha dos feéricos deu à luz a uma menina de cabelos ruivos como as chamas das fogueiras e olhos verdes como a terra em que eles viviam. A rainha a chamou de Héstia, que em seu povo significava "Fogo vivo". Mas a rainha não pôde ver sua filha crescer, pois morreu no parto. Os feéricos não viviam muito nas terras humanas, eles eram como os próprios habitantes daquelas terras. Os feéricos viviam perdidos, e sem lugar para chamar de lar. No entanto, Héstia via as terras humanas como seu lar, Ela cresceu e se tornou muito bela e bondosa. Ela era apaixonada e sua beleza encantava qualquer um que a visse, principalmente os homens. Ela se casou e teve dez filhos homens, seu sonho era ter uma menina, mas nenhuma das tentativas conseguiu conceber. Ela ajudava as famílias sempre que podia, amava as crianças e adorava fazer confraternizações ao redor da fogueira com o fogo, eles dançavam e entoavam músicas. Até que uma noite de lua cheia, uma fera invadiu o acampamento, e matou ela e outras pessoas que estavam ali. Os sobreviventes cuidaram de seus mortos e queimaram seus corpos em fogueiras de lenha. Héstia tinha uma frase que sempre falava: "A morte não é mortal, se eu morrer, prometo que continuarei cuidando de vocês". O povo humano a tornou um símbolo de fé, coragem e bondade até os dias de hoje. Embora seu próprio povo não a veja como uma deusa e sim como uma mulher comum.






A sacerdotisa fechou o livro e o colocou sobre o altar. Ela se ajoelhou diante da estátua da deusa e fez uma oração silenciosa. Depois, se levantou e olhou novamente para a plateia.



- Essa é a história de Héstia, a nossa deusa. Vocês podem acreditar nela ou não, mas eu espero que pelo menos respeitem a sua memória e o seu legado. Ela nos deu a vida, e nós devemos honrá-la. Que Héstia abençoe a todos vocês. Obrigada pela atenção.



Ela se curvou deixando os ouvintes com seus próprios pensamentos e sentimentos. Alguns se levantaram e saíram, outros ficaram para fazer suas oferendas e preces.



A filha do Fogo - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora