Sem aviso, Khonsu se aproximou como um felino, se sentando ao meu lado na cama, sem dizer nada, apenas me observando. O encarei irritada com aqueles olhos fixos em mim, me sentei novamente, sustentando meu olhar na altura dos dele. Sempre me perdia ao encarar por muito tempo seus olhos que quase pareciam ouro líquido.
— Tem algo mais que queira me dizer? — Mantive-me firme o encarando.
Khonsu apenas balançou a cabeça negativamente, como se não fosse algo que precisasse saber, tive aquela sensação que parecia roçar no fundo da minha mente, e aquele estranho sentimento não era nada confortável.
— Nada mais para se preocupar, acho que deveria descansar um pouco. Como foi a visita à clínica? — Perguntou, querendo mudar o foco da conversa.
— Foi ótimo! Estava com receio de ter algum problema. — Segui o fluxo, deixando o tema da conversa mudar.
— Tipo? — A expressão de Khonsu parecia confusa com minhas palavras.
— Sei lá! Tipo ela não gostar de mim, ou ter alguma crise no meio da visita, que avançasse em mim, ou estas coisas.
Khonsu não conseguiu se controlar, deixou a risada romper de seus lábios, fiquei irritada com aquela situação.
— O que é tão engraçado? — O empurrei, o afastando.
— Você parece estar vendo muitos filmes, e suas preocupações podem ter um pouco de fundamento, mas não acho que deveriam ser as coisas com as quais tinha que se preocupar, acho que anda enfrentando e lindando com coisas muito mais complicadas.
— Isso é verdade! Você, por exemplo, fico me perguntando se é algum tipo de castigo. — Provoquei ainda irritada com a forma como tinha agido.
— Talvez seja uma maldição assim como a que me aflige, mas espero que, diferente da minha que durou séculos, a sua seja bem mais curta. — Percebi sua expressão se alterar levemente.
Às vezes queria bater em mim mesma, sempre acabava falando demais, fosse externando pensamentos, perguntando o que não devia na hora errada, ou apenas falando o que não cabia em determinado momento. Pensar isso me fez ter medo do encontro que teríamos no dia seguinte.
— Não estou dizendo que você é uma maldição, apenas que às vezes você me irrita, e isso não é de hoje. — Desabafei.
— É apenas meu jeito de ser, tem coisas que não mudamos, não importa quanto tempo passe, em minha antiga vida, também tinha o "dom", de trazer este sentimento intenso nos outros, apenas minha irmã era tolerante comigo, até mesmo minha mãe já havia perdido a paciência, isso apenas comprova que nunca fui uma pessoa muito fácil de lidar.
— Já que estamos nesta seção de terapia. Não sou muito diferente de você, eu vivia à sombra do meu irmão, apenas não percebia... Ou melhor dizendo, fingia não ver, mas os sinais estavam todos ali. Quando Sam partiu, tive um choque muito grande de realidade, pois sua presença era minha rede de segurança. — Desviei o olhar.
— Pode parecer isso, mas como um irmão mais velho, posso dizer com total certeza. Nosso trabalho é cuidar dos mais novos, imagino que com Samuel não foi diferente, pensar que ele achava isso de você apenas coloca à prova o amor que nutria por você, sei que ele jamais pensou isso sequer uma vez, e ter você com ele era a maior prova disso.
— Talvez esteja certo, mas sinto saudade dele... — Uma lágrima solitária escorreu pelo meu olho esquerdo.
— Te entendo... — Foi tudo que Khonsu disse.
De fato, não seria muito difícil para que entendesse o que estava passando, havia perdido bem mais, e mesmo assim ainda estava ali. Viver uma vida de gato para não pensar nas coisas pode parecer um ato covarde, mas quem aguentaria? Posso dizer que não conseguiria.
— Sei que entende. Pensei que nunca iria superar a perda dele, mas depois que te conheci, as coisas mudaram... Ou apenas deixei as coisas mudarem, pois tudo me parecia tão cinza.
— Isso faz sentido, e quase o mesmo com a minha forma de gato, pois não consigo enxergar as coisas como vejo como um humano, e uma mescla muito estranha. Quando me vi no corpo de um gato, isso me incomodou, não tanto quanto a falta de poder me comunicar, porém, ainda assim, era algo complicado.
Era a primeira vez que Khonsu estava revelando alguma coisa relacionada à sua maldição, sempre me perguntei como deveria ser isso.
— Acho que não poder ser entendido deveria ser bem difícil. — Concluí o óbvio.
— Sim... Apenas minha irmã parecia me compreender, mas neste caso não havia fala, ou palavras, era mais como uma conexão telepática, associada com sensações, não consigo explicar como era isso. — Disse por fim.
— Não precisa se preocupar. E que bom que pelo menos sua irmã conseguia te entender.
— Verdade... Sinto falta dela, mesmo na forma de gato, quando havia desligado meu lado humano, conseguia me lembrar dela. Isso é estranho, mas quando dormia conseguia sonhar com Zahra.
— Gatos sonham? — Perguntei a Khonsu.
— Se todos sonham, eu não sei, mas posso dizer por mim. Em meu sonho, conseguia ouvir sua voz, reconhecia seus passos a muitos metros de distância, o carinho que fazia na minha cabeça na forma de gato, isso ficou presente em minha essência.
— Isso é algo bom, ou ruim?
— Às vezes é boa, pois a lembrança dela ainda vivia dentro de mim, outras vezes era ruim, pois se tornava um lembrete da falta, saudade e perda que carrego sempre comigo... — Sua voz soou melancólica.
Pude perceber isso. Era engraçado como conseguia entender Khonsu tão bem, claro que tudo aquilo poderia ser apenas coisa da minha cabeça, mas caso não fosse, me perguntava se era assim a ligação dele com sua irmã. É, se fosse porque eu parecia possuir o mesmo dom, será que havia algum parentesco entre nós? Afastei aquele pensamento rapidamente da minha mente.
— Acho que vou descer e comer alguma coisa. — Disse, querendo sair de perto dele para não acabar falando besteira.
— É uma boa ideia, está quase na hora do almoço. Sua mãe deixou sua comida pronta, vou voltar à forma de gato, após o almoço tente descansar um pouco, quero você bem disposta para amanhã, será um grande dia.
— Nem me fale...— Revirei os olhos, entendendo o que estava querendo dizer.
Sem falar mais nada, saltei da cama, calçando minhas sandálias e seguindo para a cozinha rapidamente.Queria colocar distância entre nós dois, pois sempre que começava a pensar demais acabava perguntando ou falando o que não devia e nós dois estávamos passando por bastante coisa, para criar ainda mais dúvidas e questionamentos na mente de Khonsu.
Este capitulo tem: 1.082 palavras
Pessoal aqui termina este capítulo, se gostou deixe seu voto e seu comentário, isso ajuda e incentiva a continuar trazendo o melhor para vocês.
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O DESTINO DE KHONSU (!!CONCLUÍDA!!)
AdventureQuais acontecimentos na vida de uma pessoa, pode mudá-la drasticamente? Para Sabina este ponto de virada, ocorreu com a morte prematura de seu irmão mais velho, a perda a fez questionar sua própria existência, com uma visão sombria e melancólica. Af...