Antisséptico, bolo de chocolate e confetes de estrelinha

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Um cheiro de queimado cercava toda a cozinha, enchendo o dormitório com fumaça. Nas mãos de Noelle se encontrava um bolo que em alguma vida foi de chocolate; agora era apenas uma bola preta que esfarelava.

— Eu não sou tão inútil ao ponto de não saber fazer um bolo! O que deu de errado?!

A Silva apenas olhou para o fogão antes de continuar a reclamar e reparou em uma coisa: o brigadeiro. Queimando.

Ela desligou rapidamente, notando que talvez não estivesse tão estragado assim, só meio acumulado, mas ainda era comível.

A porta do dormitório foi aberta rapidamente, causando um susto na garota que estava na cozinha.

— Tá tudo bem? — Mimosa adentrou o dormitório meio ofegante, provavelmente por ter vindo correndo. — Lá fora tá cheirando queimado e eu pensei que tivesse fogo. O alarme de água tá quase sendo acionado.

Noelle olhou a prima, notando que essa era a primeira vez depois daquele tempo todo que Mimosa dirigia a palavra para ela.

Todo esse tempo morando com Mimosa foi desconfortável, para dizer o mínimo. As duas não se falavam, não se batiam e separavam até as compras. Nos treinos de líderes de torcida, parecia que a Silva falava como uma ditadora e a Vermilion obedecia porque não tinha solução. Foi horrível.

Até que ontem Noelle e Asta finalmente conversaram e bem, ele a inspirou. Ele estava tentando fazer as coisas mudarem e ficarem bem, então porque Noelle não se esforçaria também? Ela sabia que seria um esforço mútuo.

Uma memória passou na mente da garota depois daquela conversa: Mimosa sempre fazia um bolo para Silva quando as coisas estavam muito ruins. Eram bolos simples, mas a Vermilion os mantinha frescos até ter certeza de que Noelle havia melhorado. E essa tradição era minimamente antiga.

Aos 13 anos, Noelle havia pegado um resfriado muito forte depois de ter tomado uma chuva. Ninguém da família Silva veio a socorrer, só mandaram dinheiro e remédios — quais ela nem conseguia beber por causa da febre forte.

Foi muito doloroso ter que se curar praticamente sozinha. Ela só tinha treze anos, ainda era uma criança, mas precisava lidar com a frieza de seus irmãos até mesmo em uma situação de doença. Mimosa via a situação da prima e tentava ajudar o máximo que conseguia, embora também fosse uma criança. Ia às aulas e pegava anotações, explicava o conteúdo e fazia de tudo para que a febre baixasse.

A Vermilion um dia apareceu no quarto de Noelle com uma coisa que finalmente a fez melhorar: Um bolo de chocolate gigante, com muito brigadeiro e confetes de estrelinha.

Noelle comeu e comeu, comeu tanto chocolate que vomitou aquele noite. Mas no dia seguinte, estava finalmente começando a ficar bem. Não era literalmente o bolo, era a presença da prima. Saber que alguém estava ali porque se preocupava não tinha preço, ainda mais se essa pessoa tivesse tido o cuidado de fazer um bolo do seu sabor favorito. Noelle sabia que, se as coisas ficassem ruins, Mimosa sempre estaria ali com seu bolo para as duas se empanturrem de novo até que os problemas parecerem menores do que as migalhas do que sobrou.

E bem, para resolver as coisas, Noelle precisava de um bolo. Como Asta havia dito, um novo começo, algo que representasse que as coisas dariam certo a partir daí.

— Está tudo bem. — Noelle respondeu, meio sem jeito. Como iniciaria essa conversa?

Mimosa a olhou, encarou o estado da cozinha e por último o brigadeiro meio queimado nas mãos da Silva, pensando na loucura que a garota estava fazendo.

— Você... Quer brigadeiro? — Noelle ofereceu. Ora, se Mimosa ainda se preocupava o suficiente com ela para entrar num dormitório que supostamente estava pegando fogo, não negaria uma aproximação.

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