IV

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- Temos o Cappuchino, o Au Lait, o Extra Forte, Mocha com caramelo, com chocolate....

Após algumas semanas no trabalho, repetir esses nomes a todo cliente que entrava já era automático, ele nem precisava pensar mais. O cardápio ficava atrás de Oliver, na parede, mas parecia inútil, já que ninguém que chegava para fazer o pedido lia alguma coisa dele. Aquele dia fazia frio. O que era estranho, pois até pouco tempo atrás ele quase derreteu com o calor escaldante que tomava conta da região. Mas agora estava frio, e bastante até. Denize e os demais comemoravam, o frio era algo bom para uma cafeteria, afinal um café não é escolha da maioria para um dia quente. Sentia as mãos geladas, não entendia por que deixar o ar-condicionado ligado em um clima daqueles, mas não se importava tanto, a sensação que suas mãos presenciavam ao tocarem no copo (ou xicara) quente de café para entregar aos clientes era maravilhosa, sem dúvidas. Quebrava todo aquele frio opressor, mesmo que por alguns momentos. Mal podia esperar para seu intervalo chegar e ser sua vez de bebericar alguma xícara.

- Alguém deveria desligar esse ar-condicionado. Quem que tá com o controle? – perguntou Denize, enquanto preparava mais café para quem chegava.

- Deve tá com a Neide, já que eu nunca mais nem vi ele. – respondeu Daniel.

- Chama ela aí, parece até que estamos no filme d’A Era do Gelo.

- Você é o Sid, no caso.

- Você que tem os olhos tortos igual os dele, eu hein.

Daniel saiu para chamar Neide. Oliver agradeceu por isso, não aguentava mais o gelo que aquele lugar estava. A região onde moravam era um caos no tempo, quando estava quente, fazia muito calor, e quando estava frio, era muito frio. Aquele dia fazia 14 graus, e ainda nem era junho, onde geralmente fazia mais frio, chegando até 3. Neide não demorou muito e veio logo para o balcão segurando um pequeno controle branco, com alguns botões em bege. Apontou para o ar-condicionado e nada aconteceu. Fez uma expressão confusa e tentou de novo, dessa vez esticando mais o braço, e nada. Ela começou a bater no controle, tentando resolver na ignorância, mas de nada adiantou.

- Pifou, deve ser a pilha. Acho que não tem mais lá atrás.

- Ei Dickens, tem como você ir comprar outra? O Daniel fica no seu lugar. – perguntou Denize.

Oliver fez uma cara feia, mas teve que aceitar, mesmo que fosse a última coisas que quisesse naquele momento. Ainda era melhor do que parecer otário para eles. Ele pegou o cartão de crédito amarelo e ouviu a senha com atenção. Ficou repetindo ela sem parar na sua mente até memorizar de fato. Ao abrir a porta, sentiu o vento gélido bater em seu corpo com violência, o fazendo estremecer. Mesmo usando casaco, o frio ainda lhe machucava. Como sentia falta dos dias quentes, parecia um passado distante. Para ele, o frio só era algo bom quando se estava em casa, deitado em sua cama, fora isso, se tornava insuportável em qualquer situação. Mas não tinha outra escolha, não podia controlar o tempo, então continuou seu caminho.
O mercado em que chegou lhe trouxe lembranças. Não dele especificamente, mas de outro que se localizava no mesmo local, mas que falira e teve de ser substituído. O atual não era muito diferente. Não que mercados tenham muito o que inovar em suas aparências, são todos parecidos, mas aquele era praticamente igual, não só na estrutura como em cada detalhe bobo. Oliver se lembrava de quando fora ali com seu pai, aos 6 anos (ou 7, não lembrava ao certo) e lhe pedira um videogame novo que todos que conhecia na escola tinham. Seu pai estava sóbrio, por incrível que pareça, e mais incrível ainda: comprou o bendito videogame. O pequeno Twist não pode acreditar; não pôde se conter e até sentiu uma lágrima percorrer seu rosto. Ele sonhava em ter aquele videogame fazia muito tempo, e agora o tinha! Era um sonho realizado! Ele poderia finalmente se enturmar com alguém na escola! Que demais!
Ao chegar em casa, não perdeu tempo: logo abriu a caixa e conectou com um cabo HDMI na televisão. Não conseguia nem respirar direito; a emoção tomava conta de seu ser. Depois de muito tempo, pôde sentir uma felicidade genuína, e melhor ainda: gratidão pelo pai. Esses sentimentos já eram muito esquecidos por ele; não os sentia há tanto tempo... Mas agora estavam de volta e ficava mais feliz ainda por isso! Bom, pelo menos até escutar seu pai chegar algumas horas depois.
Ele havia deixado Oliver em casa e saído novamente, e agora estava lá de novo, com aqueles olhos vermelhos saltados para fora e o cheiro forte e ardente de álcool. Gritos se alargaram por toda a casa; gritos de raiva, de ódio, de tristeza e de terror. Não demorou muito para que viessem ao encontro de Oliver, o fazendo ser vítima dos xingamentos e acusações, como de costume. Mas só isso não era o bastante, o pai não se sentiu satisfeito apenas em falar merda e o acusar de sua vida ser um inferno, ele precisava fazer algo pior, e fez. Pegou o videogame com violência, puxando os cabos e quase derrubando a tv. Oliver começou a chorar imediatamente ao ver seus braços estendidos com o console na mão. Ele não era burro de fazer isso, o dinheiro gasto naquilo era dele, seria idiotice. Mas o seu pai não sabia nem quem era ele mesmo, dinheiro era a última coisa que estava se preocupando naquele momento, pois apenas pensava em quando iria beber de novo. Oliver ouviu o estardalhaço de peças se quebrando ao ver o videogame ser jogado no chão e ser destruído completamente, levando com ele sua felicidade, seu respeito, sua gratidão pelo pai, e seus sonhos.

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