VIII

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A noite se encaminhava ao encontro dos dois. Estavam no carro há algumas horas, a caminho de São Paulo. O som estava ligado, e dele ouviam e cantavam diversas músicas. De início, Oliver se manteve fechado e não se sentiu à vontade para cantar e aproveitar aquele momento junto do pai, mas com o tempo a proximidade deixou de ser um medo e passou a ser uma realidade.
Não demorou muito para que fossem cobertos pelo crepúsculo, o que resultou na parada temporária do karaokê para que seu pai pudesse se concentrar naquela estrada escura. A saudade de sua amada passou a lhe atacar novamente, talvez mais do que nunca. Talvez tivesse de fato chegado perto de poder encontra-la de novo, mas não tinha certeza, e isso era o pior de tudo. Sentiu que uma lágrima lutava para deslizar sobre seu rosto ao pensar naquele sorriso seráfico que ele tanto amou. Seu peito doía tão forte que parecia que iria se abrir, mas de alguma forma pôde se controlar e não chorar.
Seu pai, notando que algo não estava certo, logo começou a puxar algum tipo de conversa.

- Tem alguma ideia de música pra pôr agora?

- Não estou afim de ouvir agora.

- Vou parar em alguma pousada aqui, para podermos dormir. – falou Guilherme, depois de alguns minutos.

Oliver ligou seu celular e viu que já eram 23:00. Havia caído no sono quando seu pai falou essas palavras e agora acabava de acordar ao sentir o carro ser estacionado em algum lugar. Seu corpo todo pesava, incluindo as pálpebras, tornando o ato de manter seus olhos abertos bastante complicado. Seu óculos estava embaçado e suas roupas cobertas de suor, afinal passaram a tarde inteira trancafiados naquele carro. Conseguiu, após muito esforço, enfim levantar sua cabeça e observar pela janela o local onde pararam. Estavam no estacionamento de uma pousada. Havia não mais que 15 carros além deles e a estrada se encontrava com quase nenhum movimento. A pousada se localizava do lado direito da estrada, enquanto do lado esquerdo era possível enxergar um posto de gasolina com um preço abusivo sendo apresentado em seu letreiro. Olhou para trás e viu seu pai abrir a porta do carro e saindo dele em seguida. O sono estava forte ao ponto de Oliver demorar alguns momentos para entender que teria que sair também.

- Vamos, dorminhoco. – Disse ele, abrindo a porta do lado de Oliver.

- Calma, ainda estou processando as coisas.

Ao sair do carro, sentiu a diferença de temperatura e o arrependimento de não ter pegado um casaco.  Estava com sua mala, mas só a abriria dentro do quarto. Não fazia ideia de onde poderiam estar, mas só de saber que estava longe de casa o confortava. Andou sentindo o ar gélido da madrugada até a porta principal do estabelecimento. Oliver notou que não se tratava de um lugar tão pequeno, mas também não tão luxuoso. Era simples, modesto, mas nada feio ou sujo que pudesse espantar clientes. Ao entrar, Oliver observou que o lugar também não era desagradável por dentro; as paredes amareladas eram meio bregas, mas nada que chegasse a incomodar significativamente. O chão era de uma madeira escura bastante bonita e bem limpa. Vasos de plantas e cadeiras eram vistos em abundância, fazendo companhia a diversos quadros espalhados pelas paredes, dos quais Oliver notou um em específico que apresentava uma imagem esquisita de um gato e outro que se tratava da Noite Estrelada em uma versão realista brega.  Andaram em direção ao balcão, onde a recepcionista os esperava.

- Boa noite! – Disse ela, de uma forma simpática. – Sejam bem vindos!

- Boa noite, moça. – Respondeu seu pai, igualmente educado. – Queria alugar um quarto. Quanto fica para uma noite? Eu e meu filho estamos viajando.

- Ah, que legal! – Oliver achou o sorriso da moça bastante bonito. – Fica 60 reais, sem contar com o café da manhã e o estacionamento.

- Tudo bem. – Respondeu, entregando algumas notas de dinheiro tiradas de sua carteira bagunçada.

- Tem alguma preferência de quarto? – Disse, recebendo o dinheiro e o guardando.

- Camas separadas, TV e banheiro.

- O 32 é uma boa escolha. O que acha?

- Está tudo ótimo.

- Então tudo bem! Tenham um boa noite, e se precisarem de algo, é só ligar para a recepção. O número estará do lado do telefone.

A recepcionista entregou a chave do quarto para seu pai, que no mesmo momento agradeceu e partiu em busca do quarto. Após passarem alguns minutos explorando os corredores da pousada e subindo escadas barulhentas, chegaram enfim no local onde passariam a noite. O quarto era como todo o resto do lugar: simples, mas aconchegante. Nele estavam duas camas de casal, com um lençol branco e um edredom da mesma cor. À frente delas estava a televisão, com cerca de 50 polegadas.
A decoração do lugar era bastante semelhante ao resto do hotel, tendo como única diferença a cor da parede, que ali era de um bege claro. Oliver se sentou naquela cama macia e pegou suas roupas na mala. Seu pai fez o mesmo e foi o primeiro a se trocar. O vento lá fora fazia as árvores chacoalharem, das quais alguns galhos batiam de leve na janela. Oliver suspirou e deitou-se sobre aquele edredom, desejando que aquele peso em seu coração pudesse desaparecer ao acordar na manhã seguinte.

                                   . . .

Seus olhos abriram e a realidade voltou à tona. Olhou para a janela e percebeu que era manhã, o que significava que não dormira tanto. Seu pai estava sentado na outra cama, colocando os sapatos, e ao ver que seu filho havia acordado, abriu um sorriso e voltou a colocar seus calçados.

- Eu já estava para te acordar. – Disse ele. – Ainda bem que fez isso sozinho. Vamos comer e voltar para a estrada.

Após cerca de meia hora, já estavam continuando sua longa viagem, 2 dias ainda, pensou Oliver. Ver todas as cidades diferentes que passavam era algo que ele se divertia ao fazer. Achava isso a melhor parte de qualquer viagem. Durante todo o caminho prestou atenção em toda cidade e todos os cidadãos (que conseguiu) dos quais passavam pelo caminho. As outras duas pousadas que pararam para dormir não eram de um nível inferior, mas os lugares onde estacionaram para comer (em sua maioria) eram sujos e bagunçados. Em um deles Oliver sentiu um arrependimento profundo por ter entrado no banheiro.
De pouco em pouco conseguiram enfim enxergar os grandes prédios da grande São Paulo. Enfim estavam próximos de concluir sua longa e exaustiva viagem.

- Tá com fome? - Perguntou Guilherme.

- Com certeza. – Respondeu Oliver. – Mas por favor não me leve em uma espelunca de novo.

- Cara, vou te falar, o lugar onde vamos é o pior em questão de feiura, mas o melhor em sabor.

- Ah não.

- É sério, você não vai achar nada melhor aqui em Sampa.

A selva de pedras, após algumas horas, tomou conta de toda a visão dos dois, o que assustou Oliver, que nunca antes havia pisado naquele lugar. Já havia ido em cidades grandes perto de onde morava, e várias bastante bonitas, mas nada como aquilo. Seu pai virou em algumas ruas, se afastando cada vez mais dos lugares mais bonitos e adentrando os mais surrados e decrépitos. Cerca de 1 hora depois (por conta do trânsito), chegaram onde seu pai estava falando.
Oliver levantou do banco do carro e sentiu dor pela dormência em suas pernas. A última vez que saíra do carro tinha sido há horas e horas, quando ainda estavam no meio da estrada, sem nada mais ao redor do que longos terrenos vazios. Entraram em um lugar pequeno, apertado, onde na entrada havia uma pequena rampa que os levava à algumas mesas de plástico. As paredes eram azuis, com um reboco mal feito e até com manchas de lodo e mofo. Os dois se sentaram em uma das mesas e esperaram até serem atendidos. Um homem surgiu de um corredor fechado por cortinas pretas, vestido com um avental, uma pequena bolsa preta e touca de cozinha branca. O homem foi até onde estavam sentados e anotou seus pedidos.
O lugar era horrível, mas a comida de fato era uma das melhores que Oliver já pôde provar.
Saíram dali logo após terminarem de comer. Estava animado, aquela viagem poderia ser algo bastante memorável.

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