IX

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Visitaram diversos lugares diferentes. Desde museus (incluindo o Ipiranga), zoológicos, bairros famosos, praças, lojas, shoppings, lanchonetes e tudo o mais em um período de 20 dias. Já estavam no último, e no dia seguinte tomariam caminho para casa. Oliver constantemente se sentia mal ao lembrar de Laura, mas devido ao itinerário cheio, sua mente esteve ocupada na maior parte do tempo, impedindo que ele sofresse tanto. Durante todo o passeio teve como única companhia o seu pai, o que resultou em uma aproximação inevitável de Oliver. No início até tentou resistir às suas tentativas de contato, mas isso não durou muito tempo. Logo estavam se entendendo e tendo uma relação até que próxima de uma amizade, o que era estranho para ambos os lados, mas muito longe de ruim.
Várias vezes seu pai, apesar de não ter tocado em nada alcóolico durante a viagem, demonstrou estar sofrendo cada vez mais com sua doença, tendo terríveis tosses e constantes reclamações de dores, e aumentando cada dia mais o número de comprimidos diários. Oliver se sentia um pouco incomodado com isso, mas nada fez para o impedir.
Na noite do último dia, os dois, após andar de lá para cá de metrô, pararam em um banco na praça abaixo do Viaduto do Chá, com refrigerantes e doces japoneses comprados na Liberdade (o bairro onde Laura queria ir, e Oliver lembrou disso).

- Bom, até que consegui cumprir com minha promessa, né? – Disse ele, bebendo o refrigerante esquisito com um gosto que nenhum dos dois sabiam dizer o que era.

Oliver assentiu com a cabeça, que estava baixa.

- Vou sentir falta de você, meu filho. – Continuou. – Você é a melhor pessoa que já conheci, e queria ter podido aproveitar isso antes.

Oliver não sabia o que responder.

- Falhei minha vida inteira. E me arrependo amargamente. – Fez uma pausa. – Quis fazer essa viagem improvisada para que ela não tivesse sido cem por cento em vão.

- A viagem foi ótima. – Disse Oliver, finalmente. – Mas é difícil esquecer tudo o que você já fez comigo.

- Eu entendo, e nunca foi minha intenção te fazer me perdoar, por mais que eu quisesse isso mais que tudo.

O vento gelado soprava o rosto dos dois.

- Então o que foi? Digo, o motivo real. – Perguntou Oliver.

- Poder lhe dar ao menos uma memória boa sobre mim, eu acho.

- Isso você conseguiu. Mas continuo com os mesmos problemas.

- Como quais?

- Porra cara, minha infância inteira foi horrível, um pesadelo. Foi traumática ao ponto que não consigo pensar em nada que tenha a ver contigo que sinto um medo enorme tomar conta de mim. Sem falar tudo o que você fez com a mãe.

Guilherme não falou nada, ficando apenas a ouvir.

- Nada, nada e nada do que você fazer vai mudar ou justificar toda a desgraça que você nos causou. – Oliver começava a lacrimejar, mas Guilherme não notou. – E ainda tem tudo isso da Laura, que me destrói gradativamente. Não consegui me matar, mas essa merda que aconteceu está fazendo isso por mim. Eu a amava, cara, amava. Ela foi a melhor coisa que já me aconteceu, e foi embora de repente, sem nem me permitir me despedir. Como eu queria poder ver o rosto dela mais uma vez, só mais uma vez. Eu daria tudo por um único beijo, ou até um abraço, e não tem um dia sequer que eu não pense nisso.
“Eu a tinha comigo, podia sentir seu cheiro e tocá-la quando eu quisesse, mas não aproveitei o suficiente, e agora jamais poderei sequer ouvir sua voz. E pensar que se ela não tivesse saído para comprar comida, ou melhor, se eu não tivesse sido um idiota e comido tanto naqueles dias, nada disso teria acontecido.”

- Nós não podemos saber o que poderia ter acontecido. – Guilherme arriscou dizer.

- Não sabemos, mas com certeza não teria acontecido aquilo. Antes que ela tivesse apenas acabado com o relacionamento! Ao menos eu ainda saberia que ela estava viva, e talvez até feliz! É tão injusto. Minha vida inteira foi uma merda sem tamanho, e quando algo bom finalmente acontece, não consigo sequer aproveitá-lo o bastante, pois é afetado totalmente pela desgraça que é tudo que me cerca. Sinceramente, não sei o que fiz para merecer tudo isso. Caramba, eu nem sequer pedi para nascer, e mesmo assim você e minha mãe fizeram isso comigo. Me colocaram aqui para sofrer.

- Meu filho, eu sei que é clichê e todos falam isso, mas ela está bem agora. – Guilherme não sabia o que falar, nunca havia passado por uma situação como aquela. – E isso vai passar. Você nunca vai esquecê-la, mas essa dor vai passar.

- O que você pode saber sobre isso? Você nem chegou a conhecê-la, já que estava por aí bebendo, e quando chegou em casa, só falou merda como fez durante toda a sua vida sem sentido.

Guilherme sentiu aquilo como uma queimação na barriga.

- Eu sei que nada justifica o que eu fiz, mas estou tentando melhorar.

- Não adianta, você não entende? A mãe sofreu tanto que é difícil de descrever, e tudo por sua causa. Ninguém merece viver o que ela viveu, e me surpreende que ela nunca tenha tentado fugir de você. Mas agora que você está para morrer, talvez ela possa enfim ficar em paz. Assim como eu.

Logo após pronunciar essas palavras, Oliver sentiu um arrependimento. Sim, seu pai havia sido o pior tipo de pessoa durante anos, mas agora era alguém diferente e que tentava melhorar, e ele pôde ver isso durante esses últimos 20 dias. Tinha sido cruel até demais naquele momento. Ele de fato acreditava no que disse, mas não tinha necessidade alguma de pronunciar. Seu pai já estava mal o suficiente pelo fato de estar perto da morte, e agora seus dias seriam piores após as palavras ditas por Oliver. E a preço de quê? Nada de seu passado mudaria, com seu pai morto ou não.
Guilherme fechou seu rosto. Forçou para que suas lágrimas não viessem à tona. Nada do que seu filho havia dito era mentira para ele, mas mesmo assim ouvir aquilo o entristeceu profundamente, e não conseguiu falar nada além de “Vamos voltar para a pousada.”, se levantar e seguir até o carro. Não trocaram uma palavra sequer durante todo o longo caminho dali até onde estavam dormindo, como também não se saiu nada além de “boa noite” ao irem dormir.
Para ambos os lados era bastante difícil continuar com esse silêncio ensurdecedor, mas nenhum dos dois tinham alguma coragem de puxar algum assunto. A viagem de volta para casa foi insuportável para eles, ao ponto de algumas palavras serem trocadas durante o caminho, mas sempre diretas e em um tom de voz baixo, até grosseiro.
Após mais 3 dias de tortura silenciosa, enfim chegaram de volta à Vila Rica. Cada um, sentindo seu próprio pesar, mas continuando sem falar sequer uma palavra. Guilherme viu seu filho sair do carro e entrar em seu apartamento antigo, e continuou o observando por um tempo, pois, de alguma forma, mesmo sem conseguir explicar como, sabia ou sentia que seria a última vez que o veria.

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⏰ Última atualização: Jul 16 ⏰

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