VII

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O cheiro do frango assado estava ótimo. Oliver costumava ser um bom cozinheiro, graças à sua mãe que o mostrou diversas receitas para as mais diferentes situações; desde as mais simples como o frango assado que estava preparando naquela noite de maio, em uma terça-feira, até almôndegas de cogumelos ou brigadeiros feitos com cascas de banana.

- Um bom cozinheiro sabe atender à todos os gostos, mesmo que sejam exóticos e te façam fazer careta. – Dizia sua mãe sempre que apresentava uma nova receita estranha que acabara de aprender.

Oliver sorriu um pouco ao lembrar desses momentos. Eram os poucos momentos bons que podia ter em casa. Após terminar de assar o frango, tirou alguns da frigideira vermelha com um garfo e os colocou no prato, onde o arroz já estava aguardando.
Mal teve tempo de pegar a garrafa de vinho e o celular fez um barulho de notificação, distante.
Deixou a garrafa em cima da mesa e se dirigiu ao aparelho. Apertou o botão de ligar e viu que se tratava de uma mensagem enviada por um número desconhecido. Pela barra de notificações, Oliver pôde ler:

“Oi! É a Laura, da cafeteria.”

Seu coração quase saltou pela sua boca. Estivera tão distraído com as obrigações do dia que demorou a lembrar de que ela havia adicionado seu número de telefone. Não tardou a conquistar sua amizade; conversaram por horas seguidas sobre os mais variados assuntos: literatura, filmes, cachorros, melhor marca de pasta de dente, música, comida, etc.
Laura era simpática, adorava falar sobre mil e uma coisas de uma só vez. Oliver se perdia nos meios dos áudios enviados por ela devido ao número de informações que eram jogadas por ela de uma só vez. As horas passaram como segundos, nunca havia conhecido uma pessoa tão cativante quanto.
A conversa se encerrou com um “te vejo amanhã na cafeteria”.

                                   . . .

- Dickens, olha sua menina ali.
Oliver virou o rosto e a viu entrar. Estava até mais bonita do que na última vez, se é que seria possível. Ela se aproximou do balcão com um sorriso estampado no rosto, revelando duas covinhas em cada uma das bochechas. Oliver se sentia bobo com aquele boné preto e o avental branco, mas sobre isso não poderia fazer nada.

- Oi, boa tarde! Como está sendo o trabalho hoje? – Perguntou ela.

Nenhuma palavra conseguiu sair de sua boca. Ele estava trêmulo, parecia ter perdido totalmente a consciência. Denize se aproximou de ambos com um sorriso cínico.

- O Dickens é assim mesmo, todo esquisitão. – Falou, olhando para ele. – Já é assim normalmente, apaixonado então... Te desejo sorte.

Oliver corou e voltou à realidade. Denize não podia estragar tudo com aquela boca que não parava de falar. Se sentiu extremamente envergonhado e passou a pensar que toda essa situação era característica do ensino fundamental.

- Se feche, Denize. Não sou criança. – Falou, se voltando para Laura. – Tá indo bem, como todos os dias. Não faço muita coisa de qualquer maneira. Mas e você?

- Viva, não sei como. Apresentei uns 3 seminários hoje.

- Leônidas aceitaria uma guerreira como você no exército.

Ambos riram.

Ela passou o resto do dia ali. Oliver precisava parar a conversa frequentemente para atender os clientes, mas sempre voltando a atenção para ela em qualquer oportunidade. Daniel, Neide e Denize mal puderam conversar com ele; estava submerso no imenso oceano que era aquela pessoa. Uma imensidão desconhecida, que poderia trazer coisas lindas e fascinantes, mas que também poderia esconder outros elementos desagradáveis.
A cafeteria estava para fechar.

- Caramba! – exclamou ela, olhando em volta e vendo que não havia mais nenhum freguês nas mesas. – Ficamos aqui a tarde inteira!

- Passou voando, nem notei que já tinha escurecido.

Neide não demorou para começar a apagar as luzes do estabelecimento. Denize, colocando sua mochila nas costas, chegou ao encontro dos dois, tentando de alguma forma conseguir trocar alguma palavra com Oliver depois de tantas tentativas falhas.

- Tá bom pombinhos, já está ficando tarde. – Olhou para Oliver com uma expressão séria – Dickens, vem cá, rapidinho.

Oliver obedeceu e a seguiu. Foram até o canto da parede cuja qual se encontrava na frente da porta do banheiro. Ele se escorou com o ombro na parede e ouviu atentamente o que Denize tinha a lhe dizer.

- Cara, sinceramente, vocês são muito fofos, mas se for pra ficar desse jeito o dia inteiro, todo dia, vai ficar complicado para a gente que quer focar no trabalho.

- Eu entendo, foi mal, mas ela não vai deixar de vir aqui, pelo que notei.

- Tudo bem, só tenta moderar.

- Sem problemas.

                                    . . .

Oliver se despediu de todos, e juntamente de Laura, saiu da cafeteria. O ar gelado daquela noite de maio os atingiu de imediato, fazendo o vento deslizar seu longo e gélido dedo sobre seus corpos trêmulos. Oliver tossiu algumas vezes e se virou para Laura.

- Como você vai para casa? De ônibus?

- Ah, sim, vou sim.

- No da São José?

- Exato.

- E como eu nunca lhe vi por lá?

- Não vou embora nesse horário, vou mais cedo, quando sou liberada da faculdade. Trabalho na Vila mesmo.

- E por quê você não foi hoje?

- Folga, ufa!

Os dois tomaram rumo com destino à Rodoviária Antiga. Os cabelos negros e lisos de Laura voavam com o sopro do ar enquanto caminhavam, com os fios apresentando uma linda e interessante dança de movimentos ondulatórios que fascinavam Oliver em todo o seu ser. Não havia ido sequer uma vez para casa com a companhia de alguém. Aquele caminho era conhecido para ele devido às suas longas e profundas reflexões que fazia enquanto vagava solitário pelas ruas da cidade já vazia. Não sabia bem como agir em relação à essa novidade, só sabia que era tudo que ele poderia querer.
Compraram as passagens e subiram a escada do ônibus. Os acompanhantes de viagens de Oliver estavam lá, conversando sobre seus trabalhos e como foram seus dias, nada fora do comum. Ele cumprimentou cada um deles e apresentou a Laura.

- Tá vendo aquele cara ali? – Perguntou Laura, ao sentar. Apontava para um homem relativamente calvo, com um queixo protuberante e uma roupa social preta.

- Tô, o que tem ele?

- É igualzinho ao Brando no Poderoso Chefão.

Oliver forçou sua visão para tentar enxergar melhor o rosto do sujeito e sorriu.

- É igual!

Oliver riu.

No momento em que o ônibus começou seu trajeto até Vila Rica, Oliver se acomodou na cadeira e pegou seu fone de ouvido, quase esquecendo da presença ao seu lado. Ao ter consciência de sua ação, ofereceu um dos lados do fone para Laura, que aceitou.

- Quero ver se seu gosto musical é realmente bom. – disse ela.

Apesar de canções relativamente barulhentas terem sido tocadas, Laura logo caiu em um sono profundo. Aquele dia havia sido cansativo tanto para ela quanto para Oliver, mas ao sentir aquela linda cabeça leve e lentamente deitar sobre seu ombro, se manteve acordado por toda a viagem, com um sorriso sincero e sem jeito.

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