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Parte 2.

Fazia frio. Estava com os sapatos cobertos de lama devido à chuva que caiam em suas cabeças. Oliver não se importava, não sentia só o pé coberto de lama, mas todo o seu corpo e espírito. Sua mente estava embaçada, não sabia o que pensar, a voz do padre tentando (em vão) consolar as pessoas com seu discurso chegava à seus ouvidos como um ruído rouco e abafado.

- Que nosso Senhor Pai possa conceder o descanso eterno desta nobre alma no bom lugar. – falava. – E que sua misericórdia recaia sobre todos nós e nos ajude a passar por um momento tão difícil.

Seus olhos estavam fundos. Não dormia há dias. Sempre que deitava para dormir, lembrava daquele rosto. Quando se dava conta, já era manhã e seus olhos ardiam de sono e de tanto chorar. Queria poder se juntar à terra que estava sob seus pés. Descansar verdadeiramente dessa dor que tomava conta de todo o seu ser. Queria fugir da realidade, queria vê-la mais uma vez, no lugar distante e misterioso que ela poderia estar agora.
Denize, Daniel e Neide, todos trajados de preto, chegaram ao encontro de Oliver. Estavam todos cabisbaixos, mas ele sabia que não entendiam e nem sentiam tanto quanto ele. Era revoltante saber que todo o seu mundo se fora, mas o que chamamos de “realidade” continuava como sempre foi.
Os pássaros continuavam a cantar, os átomos continuavam a dançar, as pessoas continuavam a seguir suas vidas, ignorando as tragédias que as cercam. Não sabia como podiam ser felizes em meio a esse inferno, e nem sabia mais como era sentir isso.

- Sinto muito cara. – Disse Denize, lhe dando um abraço.

Queria que esses gestos carinhosos pudessem ao menos diminuir a dor constante que sentia. Ela o maltratava,  torturava e ria de sua desgraça. Abraçou Neide e Daniel também, mais como respeito do que necessidade. Por mais que se sentisse desolado e solitário, não queria outra companhia além da lembrança de sua amada.

- Ei cara, forças tá? – Falou Daniel, com sua forma de consolar.

Oliver não respondeu.

Saiu daquele lugar e foi para outro mais afastado. Sentou em uma lápide alta e larga já desgastada pelo tempo e bebeu um pouco do uísque que tinha guardado no bolso da calça. Naqueles dias o álcool tinha se mostrado um grande companheiro. Era a única coisa que o conseguia fazer respirar um pouco, e isso era o melhor consolo que poderia receber. Bebeu um gole e observou as covas ao seu redor. Quantas pessoas haviam sofrido, sentido a mesma dor que ele? Milhares. Desta vez se sentir pequeno não o confortou e nem tornou seu problema insignificante como geralmente acontecia em situações normais.
Situações normais... nem sabia se sua vida algum dia voltaria ao normal, e nem sabia se queria.
Por mais que a dor lhe fosse insuportável, ainda era melhor do que esquecê-la. Não queria sofrer o resto de sua vida, mas sentia que se superasse, estaria a deixando para trás, e o máximo que pudesse sentir de sua companhia, ele não abriria a mão. Olhava para aquele lamaçal e se contorcia em imaginar os vermes que sairiam dali para devorar todo o corpo do amor da sua vida. Como se não bastasse perder a pessoa que ama, ainda teria que dormir sabendo que seu corpo estava sendo pouco a pouco comido por animais. Aquele rosto lindo, já tão destruído pelo acidente, aquele rosto que mudou sua vida e tudo o que chamava de “eu”, se desintegrou até se transformar em nada mais do que terra. Era revoltante.
Bebeu outro gole e sentiu a bebida descer pela sua garganta, como se estivesse em chamas. Olhou para frente e viu alguém se aproximar lentamente. Sua cabeça baixou novamente; não estava com disposição para ouvir mais consolos vazios. Queria ficar sozinho e estava pronto para falar “obrigado”, o permitindo procurar outro lugar que pudesse ficar apenas com seus pensamentos.

- Oliver. – Chamou a pessoa.

Ele reconheceu sua voz. Era seu pai.



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