IX

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Ao acordar naquela cama diferente da qual estava acostumado, naquele quarto estranho, se assustou por 1 ou 2 segundos, mas logo lhe veio as (maravilhosas) lembranças do que lhe ocorreu na última noite. Virou o rosto e viu Laura deitada ao seu lado, ainda adormecida. Oliver passou um tempo observando aqueles cabelos caídos sobre os ombros nus e o rosto de olhos fechados que tanto lhe dava paz. Parecia ver um anjo.
Como ele havia chegado até ali? Já não sabia responder. Tudo parecia ter sido um longo sonho louco e completamente irreal. Como poderia ter conseguido conquistar a menina de seus sonhos se até de olhar no rosto de outras meninas era um desafio?
Preferiu nem pensar tanto sobre isso. Estava vivendo algo que sempre sonhou, e queria aproveitar o momento sem que sua própria consciência o atrapalhasse. Deitou novamente e beijou o rosto de Laura, que acordou com um sorriso.

                                  . . .

Oliver passou a frequentar a casa de Laura mais do que o seu apartamento. Os dois iam juntos para o trabalho/faculdade e voltavam juntos de ônibus. Laura logo largou o emprego que estava após passar no concurso municipal que há muito esperava o resultado. Estava agora trabalhando pela manhã e estudando pela tarde, o que possibilitava que ficassem juntos na volta para casa.
Oliver se sentia cada vez mais conectado à ela. A sensação que possuía era de que o encontro dos dois já estava premeditado desde que nasceu. Apesar de não ser muito religioso, agradecia à Deus por ter estado no lugar e na hora certa. Sua paixão aumentava cada dia mais, o que não agradava muito Denize.

- Parece até que depois de se apaixonar, o Dickens ficou mais lerdo no trabalho. – Dizia ela aos outros. – Parece que ela não sai da mente dele, como vai trabalhar assim?

- Deixa de bobeira Denize, ele só tá feliz! Isso é muito é inveja – respondia Daniel.

Mas ela não estava completamente equivocada, Oliver de fato estava mais lerdo em tudo, pois Laura não saía de sua mente por um minuto sequer. Passou a ouvir artistas da MPB que ela gostava, em especial o Chico e a Elis. Nara Leão e Jobim também não saiam mais de sua playlist, chegou até a aprender diversas músicas em seu velho e pouco tocado violão. Costumava tocar diversas músicas quando estavam juntos, como também assistiam diversos filmes (chegaram a combinar de ver o filme vencedor do Oscar de cada ano) e trocar vários livros.
A vida de Oliver estava tendo a melhora que merecia. Estava conseguindo socializar novamente, fazendo novos amigos e reencontrando antigos. Diferentemente do início da paixão, com o passar do tempo seu desempenho no trabalho também melhorou significativamente, estando mais disposto para realizar as tarefas todos os dias, o dia inteiro. Não conseguia tirar o sorriso do rosto sempre que pensava em Laura. Estava recebendo o amor que nunca pôde ter de seus pais.
Apesar disso ainda não namoravam. Oliver ainda estava pensando na forma que iria realizar o pedido. Queria que fosse especial e memorável, algo que lembrariam com carinho no futuro. Teria que ser perfeito e estava procurando a oportunidade, que até agora não havia chegado.
Em uma tarde sabática de julho, os dois decidiram sair para tomar um sorvete na praça principal da cidade. Estavam de férias e queriam sair sempre que possível para aproveitar o resto dos dias de descanso que lhe restavam. Entraram na sorveteria e fizeram seus pedidos, que foram atendidos rapidamente.

- O que pretende fazer nesse domingo? – perguntou Oliver, roubando um pouco de sorvete de Laura – Tem algo combinado?

- Acho que não, esses dias só tenho dormido mesmo. – Respondeu, tirando seu sorvete de perto dele. – Por quê?

- O que acha de viajar? Seria uma boa para aproveitar o final das férias.

- Viajar? Para Onde?

- São Paulo talvez. Tenho alguns conhecidos de lá, e o Veloso tá fazendo turnê esses dias.
Laura abriu um largo sorriso.

- É sério?

- Claro.

- Você não tá brincando né? – perguntou, sorrindo ainda mais.

- Claro que não, tenho juntado dinheiro para isso faz um tempo. Já pretendia ir para lá até antes de lhe conhecer.

Laura o abraçou forte, quase derrubando o sorvete no chão. Oliver riu e ambos se sentaram no banco da praça, continuando a conversa com diversas ideias do que fazer na viagem.

- Eu quero muito ir à Liberdade!

Após terminarem o sorvete, jogaram o guardanapo na lata de lixo e continuaram a caminhada pela cidade. Viraram uma rua onde uma casa se destacava; era relativamente grande, mas gasta. Possuía uma arquitetura desatualizada, com um telhado antigo e uma varanda com diversas flores. Era a única casa com essa aparência na rua, parecendo um erro de código no meio das casas modernas e bonitas.

- Essa casa sempre me intriga – falou Laura, apontando para ela. – É a única acabadinha da rua.

Oliver fez uma expressão de desconforto, como se aquilo não fosse algo que ele gostaria de ouvir. Laura notou e apertou sua mão.

- O que foi?

- É a casa dos meus pais. – Respondeu Oliver, querendo que aquele assunto se encerrasse o mais rápido possível.

- Ah, desculpa, desculpa! – apertou ainda mais sua mão e sorriu. – Você nunca falou sobre seus pais, mas eles devem ser legais. Vamos lá, por favor!

- Não acho que seja uma boa ideia. – Oliver tentava parecer o mais tranquilo que podia, mas suas linhas faciais o denunciavam mostrando uma expressão de preocupação.

- Ah o que tem? Você mora comigo faz tempo, então eu saberia se você tivesse visitado eles. – Fez um biquinho – Por favor, eles devem estar com saudades, vai...

- Não Laura... Não gosto muito deles.

- Ah, mas rapidinho, só quero falar com eles, deixa de ser chato.

Oliver sabia que ela ficaria nessa por um tempo se ele recusasse. Parte dele se irritou diante dessa situação, mas a outra apenas sentiu preocupação e principalmente medo. Há muito não entrava naquela casa e agora teria que fazer isso. Sabia que esse momento chegaria, mas não significava que estava preparado para ele. Pensou em fugir dali e correr para nunca mais chegar naquela rua, mas respirou fundo, tomou coragem e seguiu em direção à porta marrom que tanto lhe assombrava.

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