XI

1 0 0
                                    

(aviso de temas sensíveis e possíveis gatilhos.)

Laura se virou e viu do corredor um homem se aproximar. Era alto, bem mais do que ela, mas por andar curvado, não percebeu esse fato rapidamente. Era calvo e embaixo de seus olhos se encontravam olheiras tão profundas que pareciam largos buracos. Não era uma pessoa gorda, afinal seus braços e seu rosto eram magros, mas ainda assim possuía enorme barriga (como se guardasse toda sua desgraça), que se escondia por baixo da camisa branca, suja por manchas que Laura preferiu nem imaginar do que seriam.
O que Oliver sentiu ao ver aqueles olhos vermelhos (o que confirmava onde esteve) se resumia à uma coisa: ódio. Estava bêbado. Seus maiores medos voltaram à tona. Parecia que via um demônio vindo em sua direção, trazendo consigo dor e sofrimento para aquele lugar que há pouco estava tão tranquilo e agradável. Suas mãos tremiam, e de seu rosto desciam gotas salgadas de suor.
Giselle sentiu uma tristeza tocar seu peito. Estava tão feliz até alguns minutos atrás, mas era óbvio que momentos bons para ela eram muito mais que passageiros. Talvez fossem apenas um momento para respirar, ou o universo lhe mostrando um pouco do que outras pessoas sentiam constantemente, mas que jamais foi algo presente em sua vida. Agora não seria diferente, o filho da puta de seu marido estragaria todo o momento e iria constranger seu filho na frente da namorada. O primeiro contato dela com os sogros já seria bom o suficiente para que nunca mais quisesse pisar em sua casa. Se sentiu tola por chegar a imaginar que sua solidão iria acabar com a chegada de Laura. A solidão era uma amiga de longa data que se recusava a se separar dela.
O homem chegou, cambaleando, à cozinha, totalmente indiferente em relação à presença de Laura no ambiente (talvez nem a tivesse visto.). Não falou uma palavra até chegar ao armário, pegar de dentro dele uma caixa de cigarros e um isqueiro.

- Chegou o sumido. – falou, acendendo o cigarro.

Sua voz era grave, mas embolada devido à embriaguez. Oliver sentiu uma repulsa ao ouvir ela, e ficou calado.

- Achei que nunca mais ia aparecer. – Continuou. – Arranjou um emprego e uma mulher, e se esqueceu do pai e da mãe né.

- Guilherme, por favor... – disse Giselle, tentando (sabendo que de nada adiantaria) amenizar a situação.

- Você sabe que é verdade, Giselle. – Sua voz aumentou um pouco, era questão de tempo até que começasse a gritar. – Esse ingrato aqui não se importa com a gente não. Aposto que só veio hoje porque a namorada insistiu.

Oliver continuava em silêncio, olhando para a xícara de café em sua mão. Sentia vontade de jogar no rosto do pai. Talvez ver os cortes cuspindo sangue e manchando seu rosto o acalmaria. Laura, ao seu lado, estava igualmente em silêncio.

- Eu acho engraçado – continuou novamente – que ele não para um pouco para pensar um só segundo sobre o que lhe demos. Desde que você o pariu até ter pelo no saco ganhou tudo de mão beijada. Não precisou pagar por nada, não precisou trabalhar para ter o que comer e onde dormir, não precisou se esforçar para porra nenhuma, mas quando sai daqui esquece da gente.

- Guilherme, agora não. – Tentou mais uma vez – A namorada dele...

- Ela não é criança, Giselle. – Aumentou mais o tom de voz. – Se tem idade para transar com esse moleque, também pode ouvir a verdade. Por 17 anos esse merdinha teve tudo que poderia precisar sem fazer nada, e nem ao menos falar com a gente ele se lembra. Eu odeio isso. Odeio gente ingrata que esquece de você na primeira oportunidade, mesmo que só esteja onde está por sua causa. Parece até que éramos monstros, como se tivéssemos tentado matar ele, para nos odiar assim.

- Guilherme, pelo amor de Deus...

- Cala essa boca, vadia. – gritou, amassando o cigarro e apontando para ela. – Não sei por que você insiste em defender essa peste. Porra Giselle, o tanto de merda que a gente teve que passar para garantir que ele não morresse de fome e você continua babando-o? Larga de ser trouxa, ele tá pouco se fodendo para você. Ele só sabe pensar nele mesmo. Só por que é inteligente e bonito acha que pode ter tudo e se sentir o gostosão. Tantas vezes você ligou para ele e tentou puxar assunto, mas nem falar direito contigo ele falava. É um crianção, se eu soubesse que meu filho seria assim...

Amor à Tarde.Onde histórias criam vida. Descubra agora