(Duas semanas atrás).
Estava confuso. Não sabia o que pensar. O que havia acontecido? Estava tudo embaçado e embaralhado. O mundo girava loucamente. Onde estava?
Guilherme acordou no dia seguinte com uma ressaca terrível. Se viu no sofá da sala e cogitou que fora expulso do quarto pela mulher. Havia feito alguma coisa.
Sua cabeça doía de uma forma que parecia prestes a explodir; estava tonto, com uma dor terrível no corpo e uma ânsia de vômito intolerável. Correu para o banheiro, levantou a tampa do vaso sanitário e vomitou tanto que sentiu seu estômago queimar. O vômito era amarelado; "uísque", pensou.
Pelo nível da dor que sentia e pelo tanto que vomitou, imaginou que possa ter bebido mais do que o habitual. Seria possível? Se sim, deve ter acontecido algo muito grave. Precisava lembrar, mas sempre que forçava sua mente, a dor de cabeça lhe vinha com todas as suas forças. Foi até a cozinha, cambaleando, sentindo o gosto de vômito na boca, e pegou um analgésico. O engoliu sem a ajuda de um copo d’água (sua vontade era um de cerveja ) e sentindo o gosto horrível do comprimido, se pôs a pensar:"O que aconteceu para que eu bebesse tanto?".
As primeiras lembranças lhe vieram na mente após olhar para seu braço e notar um hematoma. Entrou em uma briga no bar no dia anterior, e apesar de ter saído na melhor, recebeu um ataque no braço por uma bola de bilhar. "Sinuca, estávamos jogando sinuca". Mas isso não explica as dores. De fato, as dores que sentia eram resultado de uma bebedeira intensa, e não de alguma briga qualquer por algum motivo qualquer. Andou pela casa até chegar na cozinha, onde encontrou um maço de cigarros com um usado, caído no chão. Ao ver isso, as lembranças de sua mulher gritando consigo e seu filho com o olho roxo lhe vieram. "O que eu fiz?" Começou a se preocupar. Até então nunca chegou ao ponto de bater em seu próprio filho. Algo havia acontecido, algo grave.
Se virou para a mesa e viu três xícaras usadas, mas não lembrou de ter tomado café. "Claro! A namorada! Não lembro do seu rosto mas lembro que estava aqui". Ok, aparentemente quase tudo já estava de volta em sua mente. Mas o que causou a agressão ao filho? Forçou o pensamento mais um pouco. Olhou para o lado e viu sua mulher se levantar. Ela parecia assustada e paranoica. Ao lhe ver, arregalou os olhos e recuou para trás. Guilherme tentou se aproximar e falar algo, mas ela quase caiu para trás ao notar sua atitude.- Sai de perto de mim, Guilherme. – Falou, trêmula. – Vai para os seus amigos nojentos no bar e me deixa em paz.
- Mas Giselle...
- Sai daqui, agora. – Ordenou.
Guilherme não entendia o porquê desta reação. Nunca havia visto sua mulher agir desta forma, porém, não hesitou, e saiu de sua casa como lhe ordenara. Em frente à porta, ao lado de fora, cogitou voltar e tentar conversar, mas a forma que Giselle agiu o assustou muito; "o que raios aconteceu?"
Andou meio tonto até a praça mais próxima. O sol, radiante e poderoso, trazia seu brilho ofuscante aos olhos de Guilherme, piorando sua dor de cabeça. Encurvado e desengonçado, chegou até um banco qualquer da praça e se sentou. Precisava pensar o que haviam falado naquele momento que lhe voltou à mente. Via as crianças correndo e se divertindo e um sentimento de pesar passou pelo seu âmago. Havia perdido a oportunidade de viver aquilo; via os pais felizes, aproveitando cada minuto da curta e maravilhosa infância de seus filhos, procurando criar as melhores lembranças possíveis para que se recordassem com carinho. Se tudo tivesse sido diferente...
“Posso ter sido gerado por você, mas nunca vou cometer a vergonha de lhe chamar de pai”. Essa frase foi o equivalente a uma facada em seu peito. Veio de súbito, a lembrança do que seu filho lhe dissera, e instantaneamente entendeu o porquê de ter bebido tanto: Estava fugindo da sua responsabilidade. Logo lhe voltou as memórias do porque ter acordado no sofá. Não havia sido expulso do quarto, pois nem sequer estava em casa quando Giselle se deitou; voltou no meio da madrugada e pelo estado em que se encontrava, não pôde sequer chegar até o quarto, caindo e dormindo no primeiro lugar que encontrou. Sentiu lágrimas quentes descerem pelo seu rosto. Por que gerou seu filho se não para fazê-lo sofrer? E o que ganhou com tudo isso? Nada. Na realidade tudo só o deixou cada dia mais miserável. Via as crianças felizes, sabendo que no futuro podem se lembrar com carinho dos momentos que estão vivendo. E Oliver? Provavelmente nem tenta se lembrar de algo, talvez nem consiga. Qual o sentido de ter sido tão cruel com seu filho se nada do que acontecia era culpa dele? O menino nem sequer pediu para nascer, por que merecia passar por tudo que passou?
"Como eu queria um gole". Sim, um pouco de bebida cairia bem agora. O sol estava forte, escaldante, e aqueles pensamentos o fazia se sentir doente, além de lhe trazerem uma dor mais forte do que qualquer ressaca que pudera sentir em sua vida. Um gole só e bastaria para amenizar aquele sofrimento. Afinal ele era uma vítima também, por que o culpavam tanto? Também não tinha culpa de ter tido pais tão horríveis quanto.
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Amor à Tarde.
RomanceOliver Twist é um jovem de 20 anos que mora em um simples apartamento localizado em uma pequena cidade desconhecida pelo mundo. Após perder o emprego em um supermercado, conseguir manter-se no novo trabalho passa a ser uma obrigação, pois decepciona...