IV

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Giselle estava sentada na cadeira do hospital local, esperando por resultados de Guilherme. Já fazia algum tempo que ele havia sido atendido, e nenhuma notícia lhe fora dada. Aquele lugar era apertado (o que não surpreendia, levando em consideração o tamanho da sua cidade) e aquele cheiro de soro e medicamentos lhe dava náuseas.
Pensava se era assim que acabaria.
Acreditou, mesmo que por um momento, que realmente ela poderia ter um recomeço com Guilherme. No fundo, mesmo que guardado há anos, o antigo sentimento que tinha por ele ainda existia. Acabaria daquela forma? Ao menos ainda viveria em paz, mas ainda assim não se sentia feliz.
Ver aquelas pessoas doentes paradas por muito tempo nos bancos de espera, temendo (em alguns casos) por suas vidas ou pelo bem estar a comovia. Era um ambiente pesado, melancólico e até mórbido. O tempo parecia não passar e sua mente entrava em devaneios constantes.

- Sra. Giselle? – Perguntou o médico que chegava.

- Sou eu.

- Venha comigo.

Giselle o acompanhou, sem saber realmente se queria ouvir o que o médico tinha a lhe dizer. Passou por alguns corredores lotados de mais moribundos tristes e médicos desarrumados correndo de um lado para o outro. Após algumas voltas chegaram no escritório do médico, que lhe ofereceu uma cadeira e se sentou em outra.

-  Sinto lhe dizer Sra. Mas seu marido...

- Já sei, não precisa me dizer... No fundo eu já podia imaginar isso... – disse, interrompendo.

- Não, não, não é o que a senhora está pensando. Mas devido ao nível extremamente avançado da cirrose, tudo nos leva a crer que lhe restam poucos dias.

- Quantos?

- Diria cerca de 70. Seu fígado está completamente destruído, nos impressiona o fato dele estar vivo. Talvez desenvolva um câncer de fígado até lá.

- E não há nada que se possa fazer?

- Bom, apesar de existirem tratamentos, a doença não tem cura. Cogitamos em realizar um transplante de fígado, mas seu marido não se adequou nos requisitos para isso. Ou seja, não passou na avaliação. – Fez uma pausa. – Avaliação na qual verificamos as causas da doença. Se tiver acontecido de forma natural, realizamos, mas como no caso dele foi devido à excessos, não podemos arriscar fazer a cirurgia para que ele destrua o novo fígado.
“ Contudo, lhe passarei uma lista de medicamentos que vão auxiliar nos próximos dias. Ele precisa tomar cada um todos os dias. Não vão curar nada, mas vão amenizar as dores.”

Caiu em prantos. Foram lágrimas verdadeiras, as lágrimas que guardou durante todos esses anos. Sim, já chorara anteriormente, diversas vezes, mas nenhuma delas se igualou à daquele momento. Não soube quanto tempo passou e nem se importou com o que as pessoas ao redor pensavam. Dentro de si estava uma tempestade de sentimentos conflituosos. Felicidade e alívio porque não teria mais o risco de sofrer nas mãos de Guilherme, mas dor e esperanças perdidas, pois ainda o amava e não poderia viver uma nova vida com ele, caso realmente evoluísse. Não soube o que pensar e nem o que sentir. Sentia medo de todas as sensações que tinha contato. Sentia medo do que aconteceria; mais de 40 anos junto daquele homem, e em poucos dias seria o fim, sem mais nem menos? Havia perdido todo esse tempo por nada? Não seria recompensada por ter suportado todos os abusos, todas as agressões e xingamentos? Foi tudo em vão? Não sabia dizer, mas as lágrimas lhe eram acolhedoras, da sua forma, pois lhe diziam com uma voz tranquila: Você vai poder descansar.

                                  . . .

Apesar de estar com os dias contados, não ficou muito tempo no hospital. Logo iria morrer, então uma cama desconfortável de um hospital frio e com comida ruim era o último lugar que queria ficar. Sentia seu coração pesado, e sua consciência mais ainda. Precisava fazer algo, precisava se reconciliar com Oliver.
Mas por cerca de 1 semana continuou em casa, tomando remédios e se reaproximando de Giselle. Sim, de fato estava conseguindo se manter longe da bebida. Muitas vezes ao dia (principalmente em situações de estresse) era visitado por uma vontade quase incontrolável de sair de casa e ir para algum bar estranho escondido nos buracos da cidade, mas até então se controlava. Giselle ainda estava pasma com toda a situação, e vendo que o marido estava de fato se esforçando para melhorar, pôs a se esforçar para se aproximar.
Apesar disso ainda (mesmo que escondida) planejava o que faria após os já 63 dias. Até então nada muito realista lhe veio à mente, mas não se preocupou tanto, pois uma morte é muito mais fácil do que um divórcio, e nesse contexto ela não teria culpa de nenhum dos dois.
Enquanto escovava os dentes, com sua escova já muito gasta e tendo que apertar o tubo de pasta para sair algo ( grande contraste com o de sua mulher, que sempre cuidava das coisas), ouviu Giselle lhe chamar, desesperada.

- O que houve, meu amor? – Perguntou, com a boca cheia de pasta.

Giselle chegou correndo no banheiro, seus olhos estavam molhados, como se estivesse para chorar.

- A namorada do Oliver morreu!

- Namorada? Que namorada?

- A que estava aqui. – Baixou o tom de voz. – naquele dia.

- Ah sim, me lembro. Que merda.

Estava mal pelo seu filho, mas ao mesmo tempo sentiu um pouco de felicidade no meio dessa desgraça, pois, talvez, poderia ser a chance perfeita para que pudesse se aproximar novamente dele, nem que minimamente.
Não disse a Giselle, mas ela pôde ler em seus olhos.

- Quando é o enterro?

- Na quarta-feira, infelizmente não vou poder ir, estarei ocupada.

Sentiu uma pontada de medo. Teria que fazer isso sozinho, sem uma testemunha de sua evolução. Teria que convencê-lo da forma mais difícil possível. Por um segundo ou dois não soube se realmente iria mais. Sentiu medo do que poderia sair da boca de seu filho, e mais ainda, teve medo de tornar mais traumático o que pode ser o pior dia da vida dele.

- Eu vou. – disse, automaticamente.

Precisava tentar.

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