saudade da bebê

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— Tudo pronto? — Stenio entrou na casa do antigo casal, ansioso.

Era o primeiro final de semana de Clara com ele.
Seus olhos encontraram com Heloísa pelo apartamento, com a criança em seu braço esquerdo, apoiada em sua barriga, enquanto ela ajeitava um milhão de coisas.

A criança ficou animada e balbuciou papai ao vê-lo. Stenio se aproximou sorridente e pegou a filha nos braços.

— Quem vai passar o final de semana com o papai? É você meu amor?

Ele brincava com a criança distraidamente. De repente, se deu conta de que Heloísa não havia respondido absolutamente nada e nem puxado assunto com ele ainda. Tirou os olhos da filha, parando nos olhos pesados da ex.

Ela estava um caco.

— Tá tudo bem, Helô? — O tom de voz dele mudou. Tinha empatia e preocupação ali.

Heloísa engoliu a seco e assentiu.

— É difícil pra mim. Ficar longe dela. Isso nunca aconteceu antes. — A voz rouca e embargada o consumia por inteiro.

— Vai ficar tudo bem. Você sabe que eu sou um bom pai. Não é como seu fosse um pai de primeira viagem.

Helô sorriu fraco.

— Se tu roubar minha pituquinha como roubou a Drica eu não vou aguentar. — Ela admitiu.

— Não tem nada disso. Lembra o que conversamos quando nos separamos? Não vamos cometer os mesmos erros. A gente não vai fazer com a Clarinha o que fizemos com a Drica. A gente prometeu. — Stenio relembrou.

Os olhos de Helô encheram de lágrimas.

Os olhares dos dois se distraíram assim que Moretti entrou no apartamento.

— Eu só quero saber se a delegada mais gata do Rio de Janeiro está pronta para um final de semana incrível! — Moretti entrava animadamente, com uma mochila em mãos. Parou de andar assim que avistou o amigo, ou melhor, agora ex amigo. — Oi, Stenio.

Ele sentia seu coração quebrar aos pedaços. Tensionou o maxilar, sem tirar os olhos do ex amigo.

— O que ele tá fazendo aqui? — Stenio vociferou com a filha nos braços.

Heloísa entrou na frente dele, fazendo com que o advogado desviasse o olhar do amigo para ela. Distraindo ele.

— Não é nada, nós só vamos.. Viajar. Viagem de amigos. Eu tava muito mal por ficar longe da Clarinha e ele se ofereceu pra me ajudar a me distrair, só isso.

— Eu imagino bem como ele quer te distrair. — Stenio praguejou, encarando ela nos olhos. — Eu estava certo no final das contas, não estava?

Heloísa respirou fundo.

— Você vai me ofender dentro da minha própria casa mais uma vez? Eu vou ter que te expulsar como eu fiz da última vez que tivemos essa conversa? — Ela o encarou, brava.

Stenio odiava admitir isso, mas ela era sexy brava e sem paciência. Ele adorava. Naquele momento, no entanto, não conseguia raciocinar. Seu coração não o permitia sequer cogitar deixar Heloísa sozinha com aquele filho da puta.

Poderia dar um murro na cara dele, se não estivesse segurando seu bem mais precioso.

Tudo mudou quando ele percebeu que Moretti estava apaixonado por Heloísa. Depois do divórcio dele com Guida, Heloísa e Moretti haviam se aproximado. A delegada lhe dava alguns conselhos para se proteger da prima maluca, que agora estava casada com Guerra. Stenio nunca pensou presenciar uma traição tamanha, visto que poderia jurar que Moretti era seu melhor amigo e que jamais faria isso. Jamais tentaria ficar com Helô.

Mas conforme o tempo foi passando e cada vez mais Stenio chegava em casa encontrando Heloísa e Moretti tomando vinho, conversando, saindo. Era demais.

Certa noite ele tinha certeza que algo havia acontecido. Heloísa havia saído de batom vermelho, e voltado com a boca toda manchada. Stenio a acusou de traição, e a briga foi feia. Ela, no entanto, explicou que não tinha nada a ver. Que o batom saiu durante o jantar e ficou feio, e ela não tinha demaquilante por perto. Conforme tentava se livrar da maquiagem, mais havia machucado cada vez mais a boca e piorado a situação.

Cego de ciúmes, Stenio abriu espaço para um milhão de questões antigas serem trazidas para a mesa, e quando percebeu, estava com sua mochila indo para um hotel. Pela terceira vez.

— E aí, Stenio. Tudo bem? — André Moretti sorria na direção dele, vindo cumprimentar.

Stenio o encarou, e Moretti viu que havia cruzado uma linha. Não poderia cumprimentá-lo.

— Helô, a gente tem que ir.. — Moretti disfarçou, comentando casualmente enquanto coçava o cabelo com a mão que estava estendendo para cumprimentar Stenio.

— Eu só tô esperando o Stenio e a Clarinha. Me dá uns minutos. — Ela pediu.

— Eu já tô indo embora. — Stenio não tirava os olhos de Moretti. Como podia ter sido tão cego? — Estamos, né Cla? — Stenio fez a criança dar um pulinho em seu colo, e caiu na risada sozinha. Clara adorava uma bagunça, principalmente com o pai.

— Ah meu Deus, eu te amo tanto! — Heloísa segurou o rostinho da filha com ambas as mãos e a encheu de beijos. — Mamãe te ama muito muito muito, meu amor. Vou morrer de saudade de você.

— Você sabe que se não aguentar, pode ir lá em casa. — Stenio tentou ser gentil, mesmo com ódio. A queria de volta e isso era parte do jogo, se desculpar e se mostrar melhor do que Moretti. Heloísa parecia não ligar para seus esforços, no entanto.

— Não, tudo bem. — Helô olhou para ele com os olhos cheios de lágrima. — Eu preciso me acostumar. Esse é o nosso novo normal.. Eu não posso ficar assim toda vez.

Era difícil. Sempre era difícil.

Stenio pegou a bolsa rosa de unicórnio da filha no braço direito e lançou um último olhar para Heloísa. Tinha tanto a dizer. Queria mesmo dar um murro no amigo e implorar que Heloísa não fosse com ele. Que ficasse, ficasse com ele, ficasse com a filha.

Ao invés disso, juntou força o suficiente para dar as costas e levar a filha para o carro. Enquanto dirigia para seu apartamento, Stenio notou que Clara dormia na cadeirinha no banco de trás. Permitiu que uma lágrima ou outra escorressem.

Imagens de como seriam os dois dividindo uma cama invadiram sua mente. E ele não tinha nada a fazer a respeito, porque havia permitido aquela brecha. Havia perdido sua esposa, e agora Moretti podia ganhá-la. Enquanto ele ficava sozinho com sua bebê.

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