não neguei

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Ela abriu a porta de casa em absoluto silêncio.
Stenio passou da porta afrouxando a gravata no pescoço. Andou em direção a cozinha e abriu a geladeira, pegando a garrafa de água gelada e um copo.

Heloísa trancou a porta e parou na porta da cozinha, observando ele, que se serviu um copo, bebeu, se virou e encostou a cintura no balcão da cozinha. De braços cruzados, parecia reflexivo. Olhava um ponto fixo no chão em silêncio como se estivesse pensando muito em algo.

Ela achava que ele estava se preparando pra dizer alguma coisa, mas ele não disse. Deixou o copo na pia, guardou a garrafa e disparou em direção ao quarto da filha, que já estava dormindo há algumas horinhas.

— Boa noite, Clarinha. O papai te ama muito. — Disse aos sussurros, beijando a testa da filha. Deu um cheirinho nela, e fez carinho no cabelo, admirando enquanto ela dormia. Era a criança mais linda da face da Terra.

A delegada o seguia e o acompanhava, de longe. Era engraçado como ele tinha essa mania de colocar ela para dormir, e nossa, como ela estranhou quando ele não estava mais perto para fazer isso!

Agora Clara já tinha desapegado dessa tradição, mas ele não. Ele ainda fazia questão. Era pura matemática até que Clara se acostumasse com isso de novo.

Heloísa entrou no quarto e sentou na penteadeira, tirando todos os brincos, colares e anéis. Stenio passou indo em direção ao banheiro. Claro, estavam dividindo o quarto agora, já que o quarto de hóspedes havia se tornado o quarto da filha deles.
Eles não tinham opção, mas também não queriam ter. Se deitavam juntos todas as noites, e se amavam também todas as noites, Heloísa até fingia que não adorava cada segundo daquilo.

Mas hoje foi diferente.
Ele entrou, tomou um banho, vestiu o pijama. Passou a mão nos óculos de grau e em seu livro, pegou seus pertences e simplesmente saiu do quarto.

Heloísa estranhou muito. Tentou não dar atenção.
Tirou a maquiagem, tomou seu banho, vestiu a camisola, o robe. Cuidou do cabelo, passou seus cremes, fez o skin care. E quando era hora de se deitar na cama.. Nada dele ainda.

Ela vagou pela casa silenciosa e escura até encontrar com o marido no jardim.

— Você não vai deitar? — Ela perguntou, como quem não queria nada.

— Não. — Ele comentou, deitado na rede, com a luz acesa e lendo um livro. Não se deu ao trabalho de tirar os olhos do objeto em suas mãos para olhar para ela.

Ela não entendeu.

— Se você entrar no quarto depois que eu pegar no sono vai me acordar e eu vou te matar.

Ela parou na frente dele, tomando o livro de suas mãos.

Stenio respirou fundo, cansado.
A encarou.

Por que aquela mulher tinha que ser tão linda?
Se distanciou de seus pensamentos.

— Eu não estou com sono. Não se preocupa, não vou te incomodar nem te acordar. Eu fico por aqui hoje.

Heloísa ergueu as sobrancelhas, surpresa.

— Ah, que maduro da sua parte. Quantos anos você tem? Treze?

Stenio a olhava sem expressão. Não sentia raiva, não queria brigar. Não queria dizer nada.

— Doze. Me devolve meu livro. — Ele tentou pegar da mão dela, mas ela levantou a mão para o alto, mantendo no ar. O que fez com que ele resmungasse, irritado. — Quantos anos você tem? Onze? — O advogado se sentou na rede, contrariado.

— Tá na hora de dormir, Stenio.

— Eu não quero ir.

— Mas tem que ir. — Ela bateu o pé.

— Mas eu não tô com sono.

— Não te perguntei. — Ela o cutucava.

— Você virou minha mãe?

— Não, eu sou sua mulher. E to mandando você ir dormir. Bora, anda.

E nesse momento ele riu com ironia.

— Ah, você se lembrou disso? — Ele se surpreendeu.

— Perdão?

— Se lembrou disso na hora de recusar o pedido de casamento do André Moretti também?

Ela ficou em silêncio.

— Você recusou, não recusou?

Heloísa olhou ao redor, sem saber o que dizer.

— Você não recusou? — Stenio franziu o cenho, completamente ofendido. — Você aceitou?

— Eu não aceitei. — Ela falou firme, como quem queria deixar bem claro.

— Ah, entendi. Não aceitou, mas não recusou. É importante deixar as opções em aberto, não é, Heloísa? Assim, quando o otario aqui sair da sua casa de vez, você tem opções.

— Cuidado com o que você fala.

— E tem outro motivo pra você não ter recusado? — Stenio se levantou, irritado. — Me fala, eu tô esperando. — Parou de braços cruzados na frente dela.

— Eu entrei em completo estado de choque. Eu não esperava uma coisa dessas.. Eu..

— Que engraçado. A grandiosa Heloísa Sampaio, que tem resposta pra absolutamente tudo, ficou sem palavras. O amor é realmente lindo, né? Deixa a gente cego, surdo, mudo, e agora faz você gaguejar também. Quer saber? Que você seja muito feliz. Nem precisa gastar dinheiro mandando imprimir meu convite, tá? Pode ter certeza que eu vou estar na primeira fileira. Do lado da noiva, claro. Eu não poderia ficar do lado do noivo. Vou estar la pra te representar. Fica tranquila.

A ironia dele era absurda. E ele falava sério. Estava machucado, com raiva, e agora queria machucá-la também.

— Eu já sou casada.

Foi a única coisa que ela conseguiu dizer.

Ele respirou muito fundo ao ouvi-la dizer isso. Colocou as mãos na cintura e balançou a cabeça negativamente, encarando o chão.

— Não é minha culpa que ele me pediu em casamento, Stenio. — Ela se defendeu.

— Mas é sua culpa não ter dito não e ter deixado esse pedido em aberto. — Ele a encarou, decidido. Não iria perdoa-la nem tão cedo por isso.

— Vamos dormir. Amanhã a gente conversa sobre isso. — Ela agora abraçava o livro dele. Deu um passo na direção dele, tentando tocar em seu braço.

— Eu não quero conversar com você, não quero ir pro quarto com você. E muito menos quero tocar em você, Heloísa. Você passou de absolutamente todos os limites. Você entende isso? Você não negou. Você não me contou.

— Era irrelevante. É irrelevante. — Ela corrigiu o tempo verbal da própria frase.

Tomou coragem e deu mais um passo na direção dele, tocando seu rosto. Stenio automaticamente virou o rosto pro lado, tentando fugir do toque dela, mas ela foi mais rápida.

Ele fingiu não sentir nada com o toque na barba por fazer. A mão dela subindo para seu cabelo e fazendo aquele carinho que ele tanto gostava.

— Vem deitar comigo, vai.

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