Heloísa estava com a filha. Quando acordou, Stenio não estava em lugar algum. Aproveitou suas coisas e roubou o banheiro dele por um segundo, para tomar um banho e se arrumar. Checava o celular o tempo todo esperando que ele tivesse avisado alguma coisa sobre sair, mas ele não tinha dito nada. Talvez só tivesse ido comprar pão pro café da manhã.
Mesmo assim, ele deveria ter avisado. Pra ela ficar esperta, sabendo que estava sozinha com Clara. Talvez ele achasse que ela estivesse acostumada com isso.. Mas ainda não estava.
Ainda bem que a bebê dormia tranquilamente, e só tinha acordado para se alimentar um pouco.
Helô roubou uma camisa social dele e continuou com o mesmo short jeans, para não ter que mexer muito na mala. Arregaçou a manga e foi até a cozinha preparar um café, para acordar.
Não devia ter bebido ontem.
Não devia ter vindo atrás dele.
Não deviam ter transado, também.Mas Heloísa não conseguia se controlar quando estava na presença dele. Era como se seu corpo fosse contra seu raciocínio, de forma que ela jurava não encostar nele mas só de olhar para aquele homem por muitos segundos seguidos, ela já se perdia em seus lábios, e a vontade de beijar sua boca era maior que tudo.
Se lembrou do toque dele. Das mãos firmes, do carinho, da intensidade. Como olhava no fundo de seus olhos enquanto estava no corpo do corpo dela.
Ela se lembrou da noite anterior. De como ele roubou suspiros e gemidos da delegada, e ela se dedicou ao máximo para retribuir cada gota do prazer que ela estava sentindo. Era como se ainda conseguisse ouvir o gemido rouco do advogado no pé de sua orelha enquanto metia fundo e..
Ouviu a porta bater, acordando de seu sonhar acordada.
Heloísa caminhou até a porta, com uma caneca em mãos.
— Onde você foi, maluco? Tem que me avisar, não dá pra sair assim e..
Heloísa parou de caminhar e derrubou a caneca assim que olhou para ele.
A blusa branca estava manchada de sangue, a mão toda machucada. Sua boca sangrava, os nós dos dedos tinham sangue pisado.
— O que aconteceu com você? — Ela murmurou, perplexa.
Stenio não era o tipo de pessoa que caía numa briga. Muito pelo contrário, ele sempre evitava.
— Quem te bateu? Te roubaram, é isso? Levaram seu carro.. — Ela se aproximou, preocupada, apoiando as mãos no rosto dele.
Stenio a encarou, com raiva. Rancor. Mágoa.
Heloísa engoliu a seco assim que viu aquele olhar dele. Merda, ele sabia. Sentiu seu coração apertar, e se sentiu envergonhada também.
— Como você ficou sabendo?
Stenio soltou uma risada fraca.
— É com isso que você tá preocupada? — Praguejou, antes de passar pela cabeça quebrada e o café todo entornado no chão. Buscou os utensílios necessários para limpar o chão, e xingou quando sentiu o produto de limpeza queimar seus dedos já machucados.
— Stenio.. — Ela insistiu, ainda surpresa. — Você bateu nele? O que é isso? Virou um homem das cavernas agora?
Ele abaixou a cabeça, dando um risinho sarcástico.
— Você vai me falar merda por causa dele? — Stenio insistiu.
— Olha só pra você, porra! Ta todo machucado. Eu imagino como ele está.. Meu Deus!
— Se tá preocupada é só ir atrás dele cuidar dos ferimentos. Se precisar, pode levar meu kit de primeiros socorros, tá na segunda gaveta. — Ele apontou. — Já que ele quer tudo que é meu, mesmo.
— Stenio. — Ela chamou sua atenção.
— "Stenio" o que? — Perguntou irritado, a encarando. — Nosso casamento acabou por causa dele. Como você teve coragem de me enganar depois de tudo que a gente passou? Me trair, Heloísa. A gente teve outra filha, a gente se casou três mil vezes. O que mais você queria de mim, porra? — Ele perguntava elevando a voz. Estava magoado, e os olhos agora lacrimejavam.
Heloísa cruzou os braços e respirou fundo. Olhou na direção do quarto, e se lembrou que Clarinha estava dormindo. Foi até lá fechar a porta do corredor, para que eles não a acordassem.
— Eu nunca te traí com ele. — Heloísa insistiu uma vez que fechou a porta e se virou pra ele.
— Sim, claro. Vou acreditar que você só esperou o que te convinha, se separar de mim pra abrir as pernas pra ele. E na sequência passar a noite comigo de novo. Que tipo de joguinho doente é esse, Heloísa? Cada noite com um? É isso?
Ela respirou fundo.
Sabia que não devia ter transado com o ex amigo dele, mas estava chateada. Frustrada. Sozinha. Bêbada e vulnerável.
— Transar com ele nunca foi minha intenção.
Stenio gargalhou, pendendo a cabeça para trás.
— Você só escorregou, né? E caiu no colo dele. Ta certo, você não tem culpa alguma.
— Para de falar comigo como se eu fosse uma mentirosa. — Heloísa apontou o dedo na direção dele, brigando. Falava baixo, mas era firme. Não queria causar uma cena e traumatizar a filha, mas ele a ofendia constantemente com essa história.
— Então já que você é tão sincera, por que não diz a verdade, Heloísa? — O ex marido deu dois passos na direção dela, a encarando.
Seus rostos estavam próximos, ambos estavam bravos. Conseguiam sentir um ao outro, ambos tentando controlar as emoções para não assustarem a filha. Ao mesmo tempo, estavam fora de si.
— Nós viajamos, eu bebi um pouco além. Tava chateada por deixar a Clara, essa situação toda é uma merda..
— Você quis essa situação, pela milésima vez. Foi escolha sua. Pedido seu. Não tente culpar a situação. Quem fez essa merda toda foi você. De novo, e de novo, e de novo.
Heloísa passou as mãos pelo cabelo, irritada. Balançou a cabeça negativamente, olhando pro horizonte.
— Não era minha intenção. Mas eu tava sozinha, eu tava sem a Clarinha, sem você. — Ela murmurou, chateada. — Ele começou a me falar coisas bacanas e em algum momento eu me perdi, mas eu me arrependi. — Explicou, tranquilamente.
Stenio respirou fundo.
— Sabe quem te dizia coisas lindas? Eu. Quem te amava sem fim. Eu, sempre eu. — Ele a encarou. — Quem bebia com você, quem te levava pra cama. Tudo isso, com a nossa filha.
— Até você começar a agir como se eu fosse uma filha da puta infiel.
— E olha só o que você fez no final das contas, não é mesmo? — Stenio foi severo.
E ela sentiu. A grosseria, como uma facada em seu peito.
Stenio abriu a porta do apartamento, e fez um gesto para ela se retirar.
— Eu levo a Maria Clara pra sua casa amanhã cedo. — Ele explicou, sem olhar mais para a ex mulher.
Heloísa respirou fundo, e foi pegar suas coisas. Ele permaneceu na porta, segurando ela aberta. Encarava o chão. Em silêncio, ela se foi.
Pela primeira vez, porque ele pediu.