Eles tinham jogado colchões na sala e assistido filmes juntos. Com direito a pipoca, doces, brincadeiras e tudo que Clara podia querer. Eram oito horas quando ela simplesmente apagou de tanto cansaço. Chovia la fora e Heloisa assistia a pequena dormindo tranquilamente. Ela não ficava tão tranquila assim há muito tempo.
— Não é incrível como ela é a misturinha perfeita de nós dois? — Stenio puxou o assunto. — Drica que não me ouça, mas eu acho que ela parece mais com você do que comigo. — Ele riu leve.
— Ela te mata se te escuta dizer algo desse tipo, você sabe, né? — Helô sussurrou, rindo leve.
— Você não tá bem. Eu te conheço. O que foi?
Heloísa o encarou, amarguradamente. Aquele olhar ele conhecia, já tinha visto antes. Ela não precisava dizer nada, ele sabia. Ela sabia. Stenio engoliu a seco.
— Você insiste em se enganar de que consegue esconder alguma coisa de mim. Talvez quando eu era mais jovem.. Mais idiota.. Mais apaixonada. — Heloísa deu de ombros. — Eu percebi assim que eu vi ela ali. Você conseguiu sua vingança, eu espero que esteja feliz.
— Helô, não é bem assim..
— Vai negar que começou a dar bola pra ela porque queria se vingar? Eu te conheço. Infelizmente eu te conheço. Você não estava conseguindo engolir o que aconteceu com o Moretti e acabou fazendo isso. Parabéns, Stenio. Você conseguiu. Como se sente?
— Eu não estou orgulhoso do que eu fiz, ok? — Stenio se impôs.
Heloisa sentiu as lágrimas chegarem aos olhos e notou que era hora de sair dali. Foi até a varanda, o frio no Rio de Janeiro era atípico porem ironicamente parecia uma metáfora para o clima dentro da casa, dentro do coração dela.
Ela se encolheu dentro do cardigan, puxando as mangas para proteger as mãos congeladas.Stenio se aproximou fechando a porta atrás dele. Não queria acordar a pequena.
— Helô, me escuta.. — Ele insistiu.
— Não quero escutar. O que você fez foi sujo, ela é minha prima. Você sabe que essa historinha de vocês não começou ontem e que eu sempre, sempre, Stenio, sempre tive o pé atrás com ela. — Heloísa não conseguiu evitar falar de como se sentia, mas se segurava para não chorar.
Toda vez que imaginava aquela mulher na cama com ele, sentia vontade de vomitar.
Talvez fosse assim que ele se sentisse toda vez que olhasse para Moretti também.— E como o que eu fiz é diferente do que você fez? — Stenio riu ironicamente.
Heloísa balançou a cabeça negativamente, extremamente machucada pela forma como ele falava com ela.
— Eu não fiz de má fé. Eu não fiz pra te machucar. Eu entendo ter te machucado, mas não foi com essa intenção. Agora.. Você? Você fez de propósito.— Eu tava com raiva. Tava bebendo, ela ficava se jogando em cima de mim, você sabe como ela é.
— Eu não quero saber, Stenio. Me poupe dos detalhes. — Ela levantou a voz para ele gesticulando demais. Olhou para a pequena adormecida no colchão e respirou fundo. — Só.. Vamos dar sequência nos papeis e acabar com isso de uma vez, pode ser?
— Não. Eu não quero isso. — Os olhos dele lacrimejaram. — Olha, eu fui um merda. Eu sei disso, eu sei que eu errei. Mas eu estava com tanta raiva de você..
— Eu sei que sim. Isso explica, mas não justifica. Eu não quero estar casada com alguém que faz isso com quem se ama.
O olhar dela o matava. Era um misto de decepção, tristeza, um vazio terrível que não habitava ali usualmente.
— Vamos conversar sobre isso em outro momento, por favor? Eu sei como você está se sentindo, eu sei como demora pra isso aliviar.. Pra passar. Só não vamos tomar nenhuma decisão precipitada agora. Pode ser?
Heloísa riu ironicamente, caminhando de um lado ao outro da varanda.
— Precipitada? Eu já tomei essa decisão há muito tempo. Se eu tenho uma certeza na minha vida, Stenio, essa certeza é que eu não quero continuar casada com você nem por mais um segundo.
Ele respirou fundo. A lágrima escorreu, sem que ele pudesse controlar. Assentiu, repetidas vezes.
— Eu entendo. Você ta no direito de dizer tudo isso. Eu também senti essa raiva, ta tudo bem. Pode por pra fora. Eu não vou me ofender.
Heloisa balançava a cabeça negativamente, irritada pela abordagem dele.
— Eu te dou o divorcio. — Stenio concordou. — Em um mês, eu te dou o divorcio.
— A gente já esperou tempo demais. — Ela discordou. — Isso não vai chegar a lugar nenhum, a gente só ta se machucando mais. — A voz dela falhou, e ela automaticamente desviou o olhar para a vista da cidade. Cruzou os braços, se abraçando.
— Um mês. E eu te deixo em paz, eu te juro. — Stenio prometeu. — Eu não falo mais no assunto, não peço pra adiar. Só me da esse tempo. Por favor.
— Que diferença faz pra você se divorciar agora ou depois?
— Eu não sou um monstro. Eu cometi um erro muito infeliz e idiota, mas eu me arrependi bem no meio. Foi ridículo, foi muito ruim. Muito ruim mesmo.
— Isso não muda o fato de que aconteceu. — Helô o encarou.
— Sei disso. Mas você também sabe que eu não sou esse tipo de pessoa. Na minha cabeça não entra você ter ficado com ele sabendo que eu tinha ciúme, que esse era meu problema. Você fez o motivo pelo qual nós nos divorciamos, e isso também me machucou.
Heloísa respirou fundo, encarando o chão.
— Nós dois fizemos merda. Talvez você não intencionalmente, e eu sim, intencionalmente. Eu queria mesmo te machucar. Eu queria fazer você sentir o que eu senti. — Ele admitiu.
As lágrimas escorreram pelo rosto dela.
Ele admitindo em voz alta era bem pior do que o que ela já sabia dentro de sua cabeça.— Mas não foi bom. Não está sendo bom ver você mal, eu me sinto um lixo. A pior pessoa que já existiu. — Stenio se aproximou dela, a segurando pelos braços. — Helô, se eu pudesse voltar no tempo eu jamais teria dado abertura pra ela, mesmo que com raiva. Não faz sentido. Ela não é você. Não tem seu cheiro, seu toque. Não é a mãe da minha filha. E por mais chateado que eu fique porque você talvez tivesse tido interesse em outro.. Eu não tenho interesse em mais ninguém.
Heloísa tomou coragem para olhá-lo nos olhos. Conhecia o desgraçado tão bem que sabia quando ele estava mentindo, quando falava sério, quando escondia algo. Seus olhos eram os mesmos de Clarinha. Genuínos. Brilhosos.
— Eu só quero uma chance. Mais uma chance. — Stenio explicou, encostando a testa na dela.
Heloísa automaticamente sentiu o choque percorrer por seu corpo.
— Eu e você somos bagunçados, mas a gente sabe que no final das contas é pra nossa família terminar unida. Pelo bem da Clarinha.. Pelo nosso bem, da gente que se ama tanto. Fala sério, meu amor.. Mais um divórcio? Não pode ser. Eu sei que no fim da noite você quer dormir agarradinha comigo também. É só nisso que eu consigo pensar enquanto eu me viro pra um lado e pro outro sozinho na cama do meu apartamento.
Ela respirou fundo.
A proximidade dele, as palavras.
Estava com raiva, mas o entendia.
Ele tinha errado. Ela também.
De jeitos diferentes, intencional ou intencionalmente, tudo estava bagunçado.— Mamãe.. Cadê o papai? — Clara resmungou chorando por acordar sozinha.
Heloísa facilmente se desvencilhou dele, indo até a filha.
"Ele tá aqui, meu amor. Não precisa ficar triste. O papai tá aqui."
Era como se a culpa caísse completamente sobre ele de uma vez. Era ridículo que sua família não estivesse unida com tanto amor sobrando e derramando. Aquelas duas eram sua vida, e ele sabia disso.
E faria o que fosse para ter isso de volta, pela última vez.
