Stenio passou o dias horríveis.
Impaciente.
Perdido, afundado e afogado em seus próprios pensamentos.Imaginando que, caso Heloísa estivesse certa.. Caso nada tivesse acontecido entre ela e seu amigo.. O que não tinha acontecido eventualmente acabaria acontecendo. E agora ele não podia fazer absolutamente nada sobre isso, porque ela estava solteira. Ela havia entrado com o pedido de divórcio, mas Stenio estava enrolando. Inventava um milhão de motivos alegando que ainda não era o momento, pedia um milhão de papéis que não pedia das outras vezes. Algo estava diferente, mas ela também estava. Ela não estava com a mesma pressa que tinha tido nos divórcios anteriores.
E quando Stenio disse que ainda não estava pronto e lhe pediu mais alguns dias, da última vez, ela acatou. Era diferente agora, se divorciar vendo diariamente a pessoa que você ama. Tendo que estar de acordo, por um bem maior, um ser maior do que a relação de vocês. Muitas vezes eles se questionavam: por que haviam se separado, mesmo?
Agora as brigas já estavam distantes e os desentendimentos tão longe que Stenio parecia não se lembrar.
Clarinha dormia profundamente no berço improvisado que ele havia feito para ela em sua cama, enchendo de almofadas e coisas ao redor para evitar que ela caísse. Stenio a checava de cinco em cinco segundos, era verdade. Quem tinha tido essa ideia idiota de buscar um berço especial através da internet? Agora demoraria muito tempo até chegar. Mas tudo bem, era seu pai e garantia que nada fosse acontecer.
Estava na sala, eram duas da manhã de sábado.
Não iria mentir, na sexta-feira, não havia conseguido pregar o olho. Trouxe a filha para seu novo apartamento, que não era la essas coisas. Estava completamente despreparado para receber uma bebê, mas ele não aguentava mais de saudade. Considerou comprar outro berço, mas Helô o acalmou. Ia gastar o dobro do preço, atoa. O primeiro estava a caminho, a ex mulher disse. Não havia motivo pra se afobar.Queria muito dar o melhor para Clara. Mas sabia que seu melhor só poderia ser atingido.. Se estivesse com Heloísa.
Abriu o instagram na mesa da cozinha e viu fotos dela na praia. Linda, de biquíni, sorridente. Seu olhar brilhava tanto quanto o sol, isso era sua coisa favorita nela.
Stenio pôs a água para ferver e inventou de fazer chá. Precisava se acalmar, e whisky com uma bebê não era a melhor opção. Assim que despejou o conteúdo na enorme caneca, ouviu batidinhas na porta.
Estranhou muito. Seu corpo entrou em alerta. O que queriam no apartamento dele uma hora dessas? Num dia desses?
Com sorte, era só seu vizinho bebado sem a chave pela milésima vez. Stenio foi até a porta já decidido a não ajudar. O que era aquilo? Se a pessoa tocasse a campainha, sua filha iria acordar.
Stenio ficou irritado.
Foi difícil fazer Clara dormir longe da mãe. Se ela acordasse, mataria quem quer que..
Stenio olhou pelo olho mágico.
Em segundos seu corpo amoleceu, e ele se percebeu já destrancando a porta, deixando o barulho para lá. A realidade era que ele queria soltar fogos, fazer uma festa, acordar Clarinha.
Ela estava ali.
Aflito, abriu a porta, já preocupado.
— O que você tá fazendo aqui?
Heloísa tinha lágrimas nos olhos.
— Eu não consigo fazer isso, não consigo fazer isso de novo. — Ela chorava correndo pros braços dele, precisando de um abraço.
Stenio se surpreendeu. Heloísa nunca, em toda sua vida, demonstrava emoções assim. Mas esse divórcio em particular estava sendo difícil para ela. Ele sabia o porquê. Por causa de Drica.
Agora, já muito mais velho e sábio, estava muito mais do que ciente de até onde chegaria para conquistar sua mulher e chamar sua atenção. Usar Clara para isso.. Definitivamente não era uma opção.
Heloísa mãe era diferente. Principalmente Heloísa mãe pela segunda vez. Como se eles já tivessem errado muito, mas quisessem mesmo acertar dessa vez, ela estava diferente. Ele também.
Stenio, mesmo surpreso, a apertou em seus braços.
— Eu não consigo ficar tão longe dela, não dá.
— Não tem problema. — Stenio acolheu, beijando a cabeça da delegada. — Dorme aqui com ela essa noite. Eu fico no sofá.
Heloísa secou as lágrimas.
Era bom encontrar paz nele.
Em outros tempos, ela jamais demonstraria fraqueza. Em outros tempos, ela sofreria como uma condenada em sua própria casa mas jamais abaixaria sua guarda.
Aqueles eram outros tempos.
Outros Stenios, outras Heloisas.
Outra filha.Tudo era diferente.
Stenio enlaçou os dedos pela mão dela, um jeito bobo e perdido de conseguir um afeto. Heloísa não o interrompeu. A trouxe para dentro, bem como a mochila que ele tinha visto perdida no corredor. Fechou a porta, levou a ex até a filha, e depois que Heloísa beijou Clarinha e a encheu de afeto, viu seu corpo relaxar e se tranquilizar.
Ele decidiu dar espaço para ela.
Foi para a sala e continuou bebendo.— O que aconteceu com seu whisky? — A voz rouca o despertou de seus pensamentos.
Que delícia era ter ela por perto uma hora dessas, justo quando ele não conseguia dormir pensando onde ela estava e no que estava fazendo. Era como se todos seus medos tivessem desaparecido em segundos. Helô estava ali. Com ele.
— Quando você já tem idade avançada e uma filha pra criar as coisas mudam. Não dá mais pra ser jovem, beber, fumar.. Se eu quiser correr atrás dessa menina quando ela pegar numa bicicleta, eu tenho que malhar muito e cuidar da minha saúde.
Helô se sentou ao lado dele.
Estava bronzeada, levemente corada do sol.
Tomou a xícara de sua mão, e experimentou o chá.— Você consegue fazer até chá ruim, Stenio? — Ela murmurou, rindo baixo. Os olhinhos se apertaram, os lábios espaçados.. Era linda.
— Eu não sou o melhor na cozinha, mas.. Eu tenho meus talentos. — Ele se defendeu. — Tá melhor?
O advogado se pegou brincando com os cabelos morenos enrolados perfeitamente nas pontas. A franja dela caía pelo rosto, e ele queria vê-la. De pertinho, cada detalhe, sem acreditar que ela estava ali.
Heloísa assentiu, sentindo o clima entre eles mudar. Era sempre assim. Nunca era só tensão de um ex casal. Era como se.. Nunca tivessem deixado de ser um casal.
Ele não se moveu. Ela, no entanto, inclinava o corpo na direção dele. O tomou pela boca, num beijo delicioso que sabia que ele ansiava mais do que tudo naquele momento. E por um segundo se rendeu a ideia de uma recaída.
Até porque, já tinham tido muitas outras.
