Vinte Seis

6 1 0
                                    

     Eu sempre fui aquela garota diferente, a pessoa que não sonhava com vestido branco nem com dois filhos, uma casa grande com quintal para as crianças correrem. Quando pensava no futuro, pensava em uma garagem para um carro, quem iria jogar o lixo fora.

Basicamente, eu tinha planos para mim, exclusivamente para mim. Nunca pensei em 'dois', 'três' ou 'quatro'. Aprendi a viver sozinha, então não fazia sentido pensar de outra forma. Para que depositar tanto apreço por alguém, se no final só restaria a mim mesma para suprir meu caos, colocar band-aid nos meus joelhos? Eu era a única pessoa em quem poderia confiar, a única que jamais me abandonaria numa tarde qualquer, como um fardo ou como um cachorro que parou de ser fofo e agradável. Jamais permitiria que me fizessem passar novamente pela mesma situação de abandono. Antes, eu estava em uma posição de vulnerabilidade, mas não mais. Demorei anos para me tornar adulta, e agora me preservaria o suficiente para não sentir aquilo outra vez.

Eu evitava até pensar sobre o assunto, pois a estrutura da minha família, ou a falta dela, sempre seria um tema delicado. Não gostava nem mesmo da ideia de me ver chorando, porque isso poderia significar vulnerabilidade. Normalmente, eu não me importava com o que os outros pensavam, mas todo Paulo tem sua cegueira, seu ponto fraco.

- Roberta? - Levantei os olhos. - Me escutou? Você parece que estava em outro planeta.- Mirela me fazia companhia na lanchonete da faculdade, também aproveitando a oportunidade para me atualizar sobre os preparativos para o seu casamento. Nesse momento, nem mesmo os salgadinhos industrializados me faziam feliz. Desde o dia da oficialização do casamento de Camilla e Kael, venho lutando contra o loop mental em que minha mente tem se enredado. As mesmas questões, que normalmente eu não precisava me esforçar para ignorar, agora não saem da minha cabeça.

Meu pai conheceu minha mãe em uma festa de casamento. Nenhum deles era exatamente próximo dos noivos, talvez essa tenha sido a única coisa que ambos tiveram em comum na vida: ser bons penetras. Quem me deixou aos cuidados do seu José foi meu pai, mas quem me abandonou primeiro foi minha mãe.

Sou uma variante daquilo que não deveria ter acontecido, no momento errado e na hora errada para ambos. Eu sou uma realidade que nenhum deles quis viver, por isso fugiram. Meu pai escolheu fugir no trabalho, não mais voltando. Minha mãe, quem sabe, talvez tenha escolhido viver a realidade que desejava, sem uma filha indesejada ao seu lado.

-- Roberta? - Senti a mão de Mirela sobre a minha. Agradeci mentalmente, por ela ter me tirado novamente do loop amargo. - O que aconteceu? - Sua voz era preocupada, mas eu neguei, querendo afastar meus pensamentos, que não me faziam bem. Normalmente, me considerava uma pessoa que se importava com a autopreservação, mas agora me via como alguém que estava se destruindo com esses pensamentos em ciclo repetitivo. Eu não deveria temer tanto a rejeição, pois duvido que fosse pior do que agora.

- Você sempre sonhou em se casar? - Percebi o estranhamento no rosto de Mirela, talvez tentando entender a relação entre essa pergunta e meu comportamento. - Toda garota sonha com isso, certo? - Mirela pareceu pensar por um instante, mas seu meio sorriso a entregou.

- Eu queria viver a mesma coisa que meus pais - disse ela, como se rindo de si mesma. - Talvez por ser estimulada, o sonho do vestido branco e das flores sempre me cativaram. Eu sempre quis tudo, tudo o que podia ter direito, sabe? Mas confesso que pensava que seria menos difícil.

- Isso é bom - comentei, mastigando um punhado de salgadinhos. - Facilidade não custa nada, mas, por ser difícil, tem um preço. - Mirela pareceu não entender a princípio. - É como no trabalho, se fosse fácil, você não seria paga, né? Como exige esforço, você sabe que tem valor. Seu casamento parece difícil agora, mas tenho certeza de que, no final, você terá sua recompensa. - Mirela sorriu, compreendendo.

-- Ah, Roberta - suspirou, passando os dedos pelo cabelo bem hidratado. - O que faria sem você?

O casamento de Mirela seria no próximo final de semana. Ela optou por uma cerimônia sem madrinhas nem padrinhos. Em princípio, achei estranho, mas seus argumentos me convenceram. Imagina atrasar a cerimônia por conta do atraso de alguém, ou então alguma madrinha errar a cor do vestido. A decisão dela foi para evitar qualquer contratempo, mas infelizmente não conseguiu se livrar de lidar com a sogra.

-- Cada uma com a sua cruz - dei de ombros, pegando mais salgadinhos. Mirela fez careta. - Jantar dos campeões, aceita? - Sua expressão piorou ainda mais, me lembrando que ela estava em dieta para o grande dia.

-- Levará alguém especial? - Ela mudou de assunto, e eu percebi que, para alguém solteira como eu, eventos como aquele podiam ser um verdadeiro terrorismo. Pior do que arrumar alguém para ir, era não levar ninguém e ter que aturar a cobiça de algum primo de Mirela, depois de alguns goles de cerveja. Como não seria um casamento cristão, haveria bebidas alcoólicas no evento. Suspirei, pensando na delicadeza do assunto, não sabendo qual seria pior.

Fui surpreendida quando meu jantar foi tirado das minhas mãos por um abusadinho. Pedro se acomodou na cadeira ao lado, se juntando a nós. Levantei uma das sobrancelhas. E ele enfiou a mão no saco de salgadinhos e mastigou alguns, como se estivesse em casa.

-- Prazer, alguém especial.

***

Não se esqueça de curtir.

Corações em Conflito: Romance CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora