Me Desculpa

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Vou despertando aos poucos, a luz azul do LED banhando meu quarto com um brilho suave. Meus olhos se ajustam devagar, e eu coço os olhos antes de me sentar na cama. Me epreguiço tentando afastar o cansaço que ainda sinto, quando ouço uma batida leve na porta.

— Pode entrar. — digo, com minha voz ainda rouca pelo sono.

A porta se abre lentamente e revela Ran, segurando dois comprimidos e um copo de água. Ele se aproxima com um sorriso tranquilo, e se senta na beira da cama, ao meu lado.

— Bom dia. — diz ele, entregando os remédios e o copo para mim. — Dormiu bem?

— Sim. — respondo, pegando os comprimidos e a água. Engulo ele rapidamente, sentindo o alívio imediato da presença do Ran.

Eu olho para ele, com a culpa pesando em meus ombros.

— Desculpa pela crise de ontem à noite.

Ran balança a cabeça, com uma expressão suave e compreensiva.

— Você não precisa se desculpar de nada, Rindou. Isso não é culpa sua. — ele diz e acaricia meu rosto.

Seus olhos encontram os meus, cheios de compreensão e apoio. Aquelas palavras me confortam mais do que ele imagina, e eu sinto um pouco do peso se levantar.

— Obrigado, Ran. — digo, com minha voz quase um sussurro.

Ele apenas sorri, e naquele momento, sinto que talvez, só talvez, eu consiga passar por mais um dia ser ter as malditas crises.

— Vai tomar café da manhã. — Ran diz, e se levanta da cama. Eu aceno com a cabeça, tentando reunir forças para começar o dia.

— Já vou. — respondo, forçando um sorriso. Ran sai do quarto, e eu fico sozinho, envolto pela luz azul suave.

Suspirando, reflito sobre minha rotina. Por conta do meu transtorno de personalidade borderline, eu preciso tomar quatro remédios por dia: antidepressivos, estabilizadores de humor, antipsicóticos e ansiolíticos. Cada um desses medicamentos tem um papel crucial na minha vida, desde a minha infância.

Os antidepressivos ajudam a manter meu humor mais estável e a combater a depressão profunda que muitas vezes me domina. Os estabilizadores de humor são essenciais para evitar os altos e baixos extremos que me fazem oscilar entre sentimentos de euforia e desespero. Os antipsicóticos ajudam a reduzir os pensamentos perturbadores e irracionais que me assombram, enquanto os ansiolíticos aliviam a ansiedade esmagadora que muitas vezes me paralisa.

É vital que eu tome esses remédios diariamente, sem falhar. Eles são a âncora que me mantém firme em meio ao caos interno. Ran entende isso melhor do que ninguém. É por isso que ele guarda todos os meus remédios escondidos, um gesto de proteção. Até hoje, não sei onde ele os esconde, e é ele quem me entrega os remédios nos horários certos: dois de manhã e dois à noite.

Essa medida é para garantir que eu não tenha acesso fácil a eles, evitando a tentação de tomar em excesso, como uma tentativa de suicídio e causar uma overdose. Eu sei que é necessário, mas às vezes sinto como se estivesse sendo tratado como uma criança. No entanto, reconheço a importância disso. Ran faz isso por amor e cuidado, e não porque desconfia de mim.

Me levanto lentamente, sentindo o peso da minha condição, mas também a força do apoio incondicional do Ran. É hora de enfrentar mais um dia, e pelo menos, eu nunca estou sozinho nessa batalha.

Desço as escadas lentamente, cada degrau um pequeno esforço enquanto me dirijo à cozinha. Ao entrar, vejo que todos já estão ali, sentados e tomando café da manhã. O ambiente está cheio de uma energia tranquila, mas sinto a tensão em meus próprios ombros.

Me sento à mesa e começo a me servir. Pego uma xícara de café quente e algumas torradas com requeijão, tentando me concentrar na tarefa simples de preparar meu prato. A rotina familiar e reconfortante do café da manhã me acalma um pouco.

Enquanto tomo um gole de café, meus olhos se voltam para Angry. Ele está sentado do outro lado da mesa, comendo em silêncio. Sinto uma necessidade crescente de me desculpar. Não gosto do Angry... e é por puro ciúmes. Sei que isso é ridículo, um homem de 24 anos fazendo essas coisas por puro ciúmes.

Desde que Ran e o irmão do Angry, Smiley, começaram a namorar, Angry ficou mais próximo do Ran. A forma como Ran trata Angry me incomoda profundamente, alimentando um ressentimento que eu luto para esconder. Como se eu estivesse sendo "trocado".

Mas hoje, não é sobre isso. Hoje, quero pedir desculpas pelo meu humor ácido e seco. Sei que ontem fui especialmente rude com ele, e isso pesa em minha consciência. Tenho orgulho demais para querer mudar nossa relação completamente, mas reconheço que devo ao menos essa desculpa.

Respiro fundo, tentando encontrar as palavras certas.

— Angry. — começo, com voz um pouco mais baixa do que gostaria. Ele olha para mim, curioso. — Sobre ontem... desculpa pelo meu humor. Não deveria ter falado daquele jeito.

Ele me estuda por um momento, então dá um pequeno aceno.

— Tudo bem. — ele responde, a simplicidade das palavras carregando um peso inesperado de entendimento.

Volto minha atenção para o café da manhã, um pouco mais leve. Sei que ainda há um longo caminho a percorrer em termos de nossa relação, mas pelo menos este pequeno passo foi dado. E, por agora, isso é o suficiente.

Ran me olha surpreso e olha para Smiley que sorri. Foi literalmente o primeiro "desculpa" que eu disse para Angry em todos esses 5 anos que Ran e Smiley estão juntos. E acho que isso de alguma forma deixou eles surpresos.

Termino meu café da manhã, assim como todos à mesa. Após isso, me levanto e me aproximo do Angry, que ainda está sentado, mastigando lentamente uma torrada.

— Souya, a gente precisa conversar. — digo, com minha voz firme mas calma. Ele levanta os olhos para mim, surpreso, mas acena em concordância.

Caminhamos em silêncio até lá fora, onde o ar fresco da manhã nos recebe. Nos sentamos em um banco no jardim, observando o céu que começa a se iluminar com os primeiros raios de sol. Respiro fundo, tentando encontrar a coragem para dizer o que preciso.

— Olha, eu realmente quero me desculpar pelo meu humor e por ontem. — começo, olhando para minhas mãos. — Eu sofro de transtorno de personalidade borderline, e isso explica minhas mudanças de humor tão repentinas e frequentes. Não é uma desculpa, mas talvez isso te ajude a entender.

Angry me observa atentamente, e vejo um brilho de compreensão em seus olhos.

— Tudo bem, Rindou. Não é culpa sua. — ele responde, com sua voz gentil. — Inclusive, fiquei preocupado com os gritos que ouvi ontem à noite.

— Foi uma crise. — explico, sentindo um peso se levantar ao compartilhar isso. — Eu tenho isso frequentemente. É como se algo dentro de mim quebrasse de repente, e eu perdesse o controle. É assustador e... humilhante.

Angry balança a cabeça, com sua expressão cheia de empatia.

— Não precisa se desculpar por isso. Eu só quero que você saiba que não está sozinho. Se precisar de algo, estou aqui. — ele diz e coloca a mão no meu ombro. — Eu não sabia que você sofria com isso, mas agora eu entendo perfeitamente.

Suas palavras me surpreendem e confortam.

— Obrigado, Angry. Eu realmente aprecio isso. — digo, sentindo uma conexão inesperada se formar entre nós.

Ficamos ali em silêncio por mais alguns minutos, observando o sol se erguer no horizonte, trazendo uma nova luz para o dia. É um começo, pequeno mas significativo, para um entendimento mútuo que ambos precisamos.

Paixão Oculta (+16)Onde histórias criam vida. Descubra agora