Estou encostado na porta da cozinha, observando Ran preparar o jantar. Ele parece mais calmo, menos abatido do que nos últimos dias. A visita ao Rindou parece ter feito bem para ele, ver o irmão um pouco mais comunicativo trouxe um fio de esperança para todos nós. A maneira como ele corta os legumes, com movimentos precisos e concentrados, é quase reconfortante de se ver.
Porém, a tranquilidade da cena é perturbada por algo que aconteceu há poucos minutos. O telefone da clínica tocou, e desde então, não consigo tirar aquelas palavras da minha cabeça: "Rindou passou mal à tarde." Meu estômago se revira ao lembrar da ligação, e a notícia de que as visitas estão suspensas para amanhã só intensifica essa sensação de angústia.
Ran tenta se manter ocupado, mas percebo que ele está, de certa forma, forçando um pouco esse foco no jantar. É como se ele estivesse tentando distrair a si mesmo da realidade. Seus ombros estão tensos, e ele respira fundo de vez em quando, talvez tentando controlar a preocupação que insiste em voltar. Eu fico em silêncio, sem saber se devo dizer algo ou apenas esperar que ele se abra quando estiver pronto.
Enquanto ele mexe em uma panela, o barulho do vapor escapando parece ecoar na cozinha, preenchendo o espaço que agora se tornou pesado de novo. Tento encontrar as palavras certas, mas tudo o que sinto é uma mistura de preocupação e impotência.
Ran encosta na bancada, as mãos apoiadas na borda enquanto abaixa a cabeça. Vejo seus ombros tremendo levemente, ele está tentando segurar as lágrimas. Meu coração aperta ao vê-lo assim, tão fragilizado e cheio de preocupação. Respiro fundo, reunindo a coragem que preciso para me aproximar.
Dou alguns passos, até que estou ao lado dele. Sem dizer nada, envolvo meus braços ao redor do seu corpo, puxando ele para um abraço firme. Ran hesita por um momento, mas depois se rende e apoia a cabeça em meu ombro, deixando escapar um soluço baixo.
— Vai ficar tudo bem com o Rindou. — eu sussurro, tentando fazer minha voz soar o mais firme possível. — Ele é forte, e ele vai passar por essa... nenhuma tempestade é para sempre.
Ran não responde imediatamente, mas sinto suas mãos se apertarem nas minhas costas, agarrando minha camisa como se estivesse se segurando em mim para não afundar nas próprias emoções. Ele solta um longo suspiro, que parece misturar um pouco de alívio com tristeza. Eu continuo o abraçando, dando pequenas carícias em suas costas, esperando que isso o ajude a se acalmar.
— Eu sei... eu sei... — ele murmura contra meu ombro, a voz embargada. — Mas... é tão difícil.
Eu apenas assinto, mantendo ele próximo.
— Eu sei que é. — digo suavemente, fechando os olhos e tentando transmitir toda a esperança que consigo. — Mas a gente está junto nisso, todos nós. Vamos esperar o Rindou sair dessa, e ele vai sair.
Ran finalmente se solta um pouco, erguendo a cabeça para me olhar. Seus olhos estão vermelhos, mas há um brilho ali, uma pequena centelha de força. Eu sorrio para ele, um sorriso fraco, mas verdadeiro, porque, por mais difícil que seja, temos que acreditar que dias melhores virão.
Eu olho para o Ran, que ainda está apoiado na bancada tentando recuperar o fôlego emocional. Depois de um instante, decido me aproximar de novo, só que dessa vez com um propósito diferente.
— Eu vou te ajudar com o jantar. — digo, tentando soar mais animado do que realmente estou. Ele me lança um olhar hesitante, mas assente devagar.
Caminho até o balcão e começo a pegar os ingredientes espalhados pela bancada. Ran se endireita e começa a cortar os vegetais, enquanto eu me encarrego de preparar a carne. Tento me concentrar na tarefa, no ritmo da faca contra a tábua, no barulho da água correndo na pia... qualquer coisa que me mantenha no momento presente. Mas é difícil. Os pensamentos insistem em voltar ao Rindou, à ligação que a clínica fez há poucos minutos.
Minha mente não para. Não consigo evitar pensar nele. Eu me pergunto como ele está agora. Está deitado na cama, sozinho? Está lutando contra a dor, contra as sombras que parecem persegui-lo a cada passo? Meu coração se aperta. O Rindou... ele não é uma pessoa ruim, nunca foi. Então por que raios ele tem que sofrer tanto assim?
Enquanto mexo na carne, fico imaginando qual o sentido disso tudo na vida dele. Ele passou por tanta coisa, tantos traumas... e parece que, quanto mais ele tenta se erguer, mais alguma coisa o puxa de volta para baixo. O que ele fez para merecer isso? Nada, absolutamente nada. E essa é a parte que mais me revolta.
Não consigo entender por que pessoas boas, como ele, têm que passar por tormentos desse jeito. Por que ele precisa carregar esse fardo, essa dor que parece não ter fim? Eu seguro a faca com mais força do que o necessário, sentindo um nó se formar em minha garganta. Não é justo. O Rindou não merece isso.
— Angry? — voz do Ran me tira dos pensamentos. Olho para ele, percebendo que parei de cortar a carne há algum tempo. — Você tá bem? — ele pergunta, a preocupação evidente em seus olhos.
— Eu... — eu suspiro, soltando a faca e tentando me recompor. — Sim, só... pensando.
Ran não diz nada, mas vejo em seu olhar que ele entende. Porque ele também está pensando no mesmo. Ambos estamos lidando com essa dor e essa preocupação pela mesma pessoa. Ele estende a mão e toca meu braço, como se dissesse que estamos juntos nisso.
Eu balanço a cabeça e volto ao trabalho, ajudando a preparar o jantar. Mesmo que a tristeza e a revolta ainda estejam ali, precisamos nos manter fortes. Por ele.
Três meses. Três longos meses desde que Rindou foi diagnosticado com esquizofrenia. Eu me lembro do momento em que recebemos a notícia como se fosse ontem, a sensação de que tudo ao meu redor tinha parado. Os médicos passaram esses meses avaliando, analisando, fazendo uma bateria infinita de testes e avaliações. E, no final, eles chegaram a essa conclusão: esquizofrenia. Mais um problema. Mais uma sombra pairando sobre a cabeça dele.
Sinceramente, não sei se consigo descrever como isso me afetou. Não é só o diagnóstico, mas o que ele significa para o Rindou. Ele já estava lutando contra tantas coisas, tantos traumas... e agora isso. Mais um peso esmagador para carregar nos ombros. E pensar nisso me faz mal, me deixa arrasado. Porque eu vejo o quanto ele está sofrendo, e o quanto isso só vai tornar tudo mais difícil.
E eu não sei como ajudá-lo. Como posso ser útil quando nem consigo compreender a complexidade do que ele está enfrentando? Eu me sinto impotente, completamente incapaz de fazer qualquer coisa para aliviar o que ele sente. Tudo que posso fazer é estar presente, ouvir, e tentar ser um apoio para ele. Mas mesmo isso parece pouco diante da imensidão desse novo problema.
Cada vez que olho para ele, a preocupação se torna mais pesada. Eu vejo os momentos de lucidez, mas também os momentos em que ele se perde, em que o medo e a confusão tomam conta. E, honestamente, isso me destrói. Porque Rindou não merece isso. Ele não merece essa luta constante com a própria mente.
E eu continuo me perguntando: por que ele? Por que alguém tão bom, tão dedicado, tem que passar por tudo isso? É uma das perguntas que sempre martelam na minha cabeça, e que eu sei que nunca vou ter resposta. Eu só queria que ele tivesse paz. Que ele pudesse encontrar um pouco de felicidade em meio a tudo isso.
Mas, por enquanto, parece que a luta está longe de acabar.
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Paixão Oculta (+16)
Fanfiction[𝗢𝗯𝗿𝗮 𝗙𝗶𝗻𝗮𝗹𝗶𝘇𝗮𝗱𝗮] Rindou e Angry são opostos que se atraem, mas seus mundos internos são tão complexos quanto o labirinto de uma mente perturbada. Rindou carrega demônios interiores que o aprisionam em sua própria incapacidade de expre...