Confortavelmente Entorpecido

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É 02:48 da manhã e, apesar dos remédios que deveriam me fazer dormir, eu continuo acordado. O silêncio do hospital é absoluto, exceto pelo som das máquinas que monitoram os batimentos cardíacos e a respiração. A luz fraca do quarto projeta sombras dançantes nas paredes. Meus olhos estão fixos no teto, um vazio branco e opressor que parece não ter fim.

Estico meu braço, como se pudesse tocar o teto, alcançando ele com a ponta dos dedos. É uma tentativa inútil, mas oferece um pequeno alívio momentâneo. Sinto uma necessidade urgente de fazer algo, de me conectar com alguma parte de mim que ainda faz sentido.

Então, sem mais nem menos, começo a cantar, sussurrando a letra de uma música que sempre foi minha companhia em momentos de solidão. A música é "Numb" do Pink Floyd, uma canção que, ao longo dos anos, se tornou quase um hino para mim.

— Hello, is there anybody in there? Just nod if you can hear me. Is there anyone at home?

Minha voz é fraca e hesitante, mal audível sobre o som do monitor. A letra parece ressoar de maneira intensa em minha mente, como se cada palavra estivesse finalmente alinhada com o que sinto. Me sinto desamparado, preso em uma realidade que não reconheço e que me oprime cada vez mais.

— Come on, now, I hear you're feeling down. Well, I can ease your pain, and get you on your feet again...

A melodia é um conforto estranho, um meio de expressar um desamparo que nunca consegui verbalizar completamente. A canção reflete a apatia e o desencanto que sinto, sentimentos que se tornaram uma parte intrínseca de mim ao longo dos anos.

A música continua a preencher o espaço ao meu redor, e eu deixo que as palavras se misturem com a minha respiração. Cada nota parece ser uma forma de comunicação silenciosa com minha própria alma, uma tentativa de me lembrar de quem eu sou e de quem eu gostaria de ser.

Os olhos começam a se pesar, e, mesmo em meio a tudo isso, sinto um desejo desesperado de encontrar paz. Mas a verdade é que, por agora, a única coisa que posso fazer é cantar, deixar que a música me guie através desse mar de incertezas e esperar que, em algum lugar no fundo, haja um pouco de clareza, uma pequena esperança de que um dia, as coisas possam ser diferentes.

— There is no pain, you are receding. A distant ship's smoke on the horizon, You are only coming through in waves, Your lips move, but I can't hear what you're saying...

Enquanto continuo a cantar "Numb", a música preenche o vazio do meu quarto. Minha voz parece um fraco eco, mas é tudo o que tenho agora. A melodia é um consolo familiar, uma âncora em meio à tempestade que sinto dentro de mim.

Me sento na cama, e com uma determinação desesperada, me inclino para o acesso intravenoso. Com um movimento hesitante, aumento a velocidade do conta-gotas, fazendo com que a medicação comece a escorrer com mais rapidez. Espero que essa dose extra possa trazer algum alívio, uma sensação de escape do tormento que me persegue.

A medida que o líquido flui mais rápido através do tubo, começo a sentir uma queimação intensa na minha veia. O calor se espalha, e a sensação de ardor é quase insuportável. Fecho os olhos com força, tentando me concentrar na música e ignorar o desconforto crescente.

O canto continua, mas agora é como se estivesse lutando para encontrar a força para manter a voz firme. Cada palavra é uma tentativa de afastar a dor, de encontrar alguma forma de paz. Mas a queimação na veia é constante, como uma lembrança implacável de que minha situação não é fácil.

Com os olhos fixos no teto, começo a perceber que ele não está mais liso como deveria estar. As sombras, antes simples manchas sem vida, começam a se distorcer, tomando formas que eu não consigo explicar. Pisco algumas vezes, tentando afastar a sensação, mas quanto mais eu olho, mais a visão parece ganhar nitidez.

Paixão Oculta (+16)Onde histórias criam vida. Descubra agora