Anônimo

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Aqui estou, deitado de bruços na cama do quarto de hóspedes na casa dos Haitani. Já faz algumas horas que Smiley e eu decidimos ficar aqui, praticamente morando por um tempo.

Ran está desmoronando aos poucos, e Smiley, como o namorado atencioso que é, se ofereceu para estar ao lado dele, dia e noite, dando o apoio que ele precisa. Eu também não poderia deixá-los sozinhos nesse momento. Rindou acordou, mas as marcas que ficaram... essas são mais profundas do que qualquer cicatriz visível.

Seguro meu celular com uma mão, deslizando pelos posts no Instagram do ghostface_. Agora que sei que esse perfil é do Rindou o tempo todo, cada foto, cada vídeo, parece ganhar um peso diferente. Como eu não percebi antes? O mistério, o jeito reservado... fazia parte dele o tempo todo. Passeio pelos destaques salvos, explorando pequenos pedaços do que ele mostrava ao mundo. Entre memes, clipes curtos e momentos engraçados, um destaque me chama a atenção.

Clico nele, e a imagem do Rindou com um violão aparece na tela. O ambiente é simples, ele está sentado no canto de um quarto mal iluminado, mas é o que ele começa a cantar que me prende o olhar e aperta meu coração. Ele toca os primeiros acordes de "Photograph" do Ed Sheeran, e quando começa a cantar, é como se o mundo ao meu redor parasse. A voz dele é tão suave, tão doce... Eu não fazia ideia de que ele cantava tão bem.

Loving can hurt... Loving can hurt sometimes... but it's the only thing, that I know... — ele canta com uma vulnerabilidade que me arrepia. Cada palavra parece carregar tanto sentimento que chega a ser doloroso de ouvir. Rindou sempre foi o mais fechado, o mais difícil de ler, mas aqui, nesse vídeo, ele se entrega de uma forma que nunca tinha mostrado para ninguém.

Fico observando em silêncio, com o olhar fixo na tela, absorvendo a tristeza e a beleza daquela música. Por que ele teve que sofrer tanto assim? Por que alguém com tanto talento, tanta sensibilidade, teve que carregar um fardo tão pesado sozinho?

A cada nota que ele toca, a cada verso que ele canta, sinto meu peito apertar mais. É como se, naquele momento, ele estivesse revelando uma parte de si que ficou escondida por tanto tempo, uma parte que ele só conseguia expressar através da música.

O vídeo termina com ele abaixando a cabeça, como se estivesse orgulhoso e ao mesmo tempo cansado. A imagem desaparece, e tudo o que resta é o silêncio pesado no quarto.

Deito a cabeça sobre o travesseiro, deixando escapar um suspiro longo e cansado. A verdade é que não consigo entender por que alguém tão incrível quanto ele teve que passar por tanto sofrimento. Por que o mundo não foi mais gentil com ele? Esses pensamentos me consomem enquanto olho para o teto, e a voz suave dele continua ecoando na minha mente.

Talvez eu nunca encontre as respostas. Talvez ninguém encontre. Mas de uma coisa eu tenho certeza: não importa o que aconteça, vou continuar aqui. Pelo Ran, pelo Rindou, pelo tempo que for necessário. Eles não estão sozinhos — não mais.

Minha cabeça ainda permanece cheia dos pensamentos sobre o Rindou, quando escuto vozes no corredor. Reconheço imediatamente. É o Ran e o Smiley conversando. A princípio, tento ignorar, mas a curiosidade me vence. Levanto devagar, os pés quase não fazem barulho no chão enquanto caminho até a porta. Encosto a orelha na madeira fria, tentando captar cada palavra. Consigo ouvir com clareza.

— Eu não sei mais o que fazer, amor. — a voz do Ran soa quebrada, muito diferente do tom confiante e despreocupado que ele costuma usar. — Cada dia e hora que passa, eu sinto que estou perdendo ele de novo... ele acordou, mas parece que o Rindou de verdade ainda está preso naquele coma, entende?

Há uma pausa. Imagino o Smiley escolhendo com cuidado o que vai dizer. Ele nunca foi o melhor com palavras, mas quando se trata de apoiar quem ama, ele sempre encontra um jeito.

— Eu sei que tá difícil, gata. — responde Smiley, a voz um pouco mais baixa, como se estivesse tentando acalmá-lo. — Mas você não pode desistir dele. Ele precisa de você agora, mais do que nunca.

— Eu sei disso, mas eu tô com tanto medo, Naho. — a voz do Ran treme. — E se ele nunca voltar a ser o mesmo? E se ele... e se ele desistir de tudo? Não sei se consigo lidar com isso de novo. Eu nem sei se estou lidando com isso agora.

Meu coração aperta ao ouvir isso. Ran está tão acostumado a ser forte, a ser o irmão que carrega o peso de tudo, que vê-lo tão vulnerável é quase insuportável. Ele sempre foi o porto seguro do Rindou, mas agora, parece que até ele está afundando.

— Ele não vai desistir, amor. — Smiley diz firme. — E sabe por quê? Porque ele tem você. Ele precisa de você para lembrar que ainda existe luz, que ele ainda tem uma vida inteira pela frente, por mais bagunçada que esteja agora.

— Mas como, Smiley? Como eu posso ajudá-lo quando nem eu consigo lidar com tudo isso? Eu... eu queria poder trocar de lugar com ele. Queria que fosse eu, não ele, passando por isso. Ele não merece carregar esse peso.

Encosto a testa contra a porta, sentindo meus olhos começarem a arder. O desespero na voz do Ran me atinge como um soco no estômago. Ele realmente está se consumindo com isso.

— Você não pode carregar essa culpa, Ran. — Smiley insiste, mais suave agora. — Eu sei que você faria qualquer coisa para proteger ele, mas o que aconteceu não é culpa sua. Tudo o que você pode fazer é estar aqui, dar apoio, mostrar pra ele que você acredita na recuperação dele.

— Eu só... eu só quero meu irmão de volta, Smiley. O meu Rindou. Aquele que fazia piadas estúpidas, que implicava comigo por qualquer coisa. Aquele que enchia a casa de música e risadas. Mas eu olho pra ele agora e só vejo dor.

Do outro lado da porta, o silêncio paira por um momento, pesado. Quase posso ver Smiley colocando a mão no ombro do Ran, como um gesto silencioso de conforto.

— Ele ainda tá aí e aqui. — Smiley fala depois de alguns segundos. — A dor é real, mas o Rindou também é. A gente só precisa ajudar ele a encontrar o caminho de volta. Juntos.

Ouço um suspiro longo e cansado. É do Ran.

— Eu espero que você esteja certo.

Afasto a cabeça da porta, sentindo o peito apertado. O peso que Ran está carregando é tão grande quanto o do Rindou, só que ele tenta esconder, tenta manter a fachada para não preocupar mais ninguém. Mas é impossível não notar que ele também está desmoronando. E isso me dá ainda mais força para estar aqui, para ajudar a segurar esse fardo, por mais pesado que seja.

Eu não posso deixar que o Ran se perca também. Não quando eles precisam tanto um do outro.

Paixão Oculta (+16)Onde histórias criam vida. Descubra agora