Capítulo 23 - Sentimentos

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Roberta

— Roberta, eu... — ela começa a falar e percebo o quanto está nervosa. — Eu quero ser sincera com você, não sei se você vai gostar do que vai ouvir, talvez não seja o que espera e eu realmente sinto muito por isso.

Meu coração erra a batida. Então ela não me ama?

— Queria poder dizer que te amo, queria mesmo, mas eu não sei o que é isso, o amor... — confessa, me deixando confusa.

Como assim ela não sabe o que é o amor?

— Realmente estou me esforçando, mas não faço ideia do que isso quer dizer. — digo, completamente perdida. Ela suspira e depois assume uma expressão mais séria.

— Não tem como entender, não sem saber de tudo... — tudo? Tudo o quê? — Eu acredito que você saiba sobre boa parte da minha vida. — Assinto. — Mas tem algo que não está em registro nenhum e eu nunca contei pra ninguém. — Para de falar. Vejo o quanto esse assunto mexe com ela.

— Seja o que for, eu estou aqui, Erika. — digo, tentando encorajá-la, e ela assente.

— Sabe o dia em que nos encontramos pela primeira vez?

— Não poderia esquecer.

— Esse dia, eu estava fugindo de um dos lares adotivos em que estive. — Lembro disso. Depois daquele dia, ela não parou mais em nenhum lugar, por isso me deu tanto trabalho encontrá-la. Só consegui dois anos depois, quando ela já havia saído do sistema e estava começando a vida. — Aquele foi o pior dia da minha vida. — Vejo que ela está com lágrimas nos olhos, então me aproximo e toco em seu rosto.

— Estou aqui pra você, por favor, não fique assim. — falo, com o coração apertado.

O que pode ter acontecido com ela para deixá-la nesse estado? Então me vem em mente aquele dia e o que ela me disse: "por que algumas pessoas agridem outras?", mas até hoje eu não sei o que ela quis dizer com isso.

— Seus pais adotivos, o que eles fizeram com você? — pergunto, quase em um sussurro.

Ela me olha com uma expressão inconfundível; palavras não precisam ser ditas, todo o sofrimento estava estampado em sua face, e meu estômago revira ao pensar na monstruosidade pela qual ela passou.

Erika começa a chorar mais intensamente e eu a envolvo em meus braços.

Ficamos assim por um longo tempo até que percebo que ela está se acalmando mais, mas não me movo um centímetro. Quero que ela se sinta realmente bem antes de qualquer coisa.

— Agradeço por isso. — fala, se distanciando um pouco de mim e enxugando o rosto.

— Não foi nada. — vejo que sua expressão deu uma amenizada. — Não precisamos continuar essa conversa agora.

— Não, eu preciso terminar — afirma, olhando para mim. — Depois daquele dia, fiquei muito tempo sem conseguir entrar em contato físico mais íntimo com alguém. Quando consegui, nunca passou disso, contato físico... Eu achava que estava tudo bem assim, entende? Mas não estava, porque tudo isso não foi só por uma simples vontade minha, mas sim, medo, medo de que no fundo eu tivesse ficado vazia, impossibilitada de sentir algo real por alguém. Se eu disser que aquele dia não mexe comigo até hoje, eu estaria mentindo. Ele me assombra todos os dias, não tem uma noite sequer que eu não acorde abruptamente lembrando do que aconteceu, exceto aquela noite em que passei na sua casa; eu apaguei completamente e isso não ocorria há anos. — explica, e só consigo pensar em como ela teve que ser forte por todos esses anos.

O que ela me disse naquele dia, garanto que repetiu pra si mesma várias e várias vezes. A força dela é tão grande que salvou a nós duas naquele momento.

— Mas quando nos beijamos — continua, olhando em meus olhos — pela primeira vez eu senti algo, Roberta. Eu sei que foi forte e intenso, me deixou muito confusa... Eu sinto muito, ainda não sei lidar com o que sinto, não sei dizer se é o que tanto falam sobre o amor, só sei que preciso de você — ela segura minha mão e leva até seu coração, que posso sentir estar num ritmo frenético. — Sei que não era isso que esperava ouvir, por isso sei que não posso te pedir nada, mas mesmo assim, vou ser egoísta e pedir que não me afaste, me deixe ao menos ficar próxima a você. Não tem ideia do quanto foi difícil ficar sem mal te ver durante esse tempo. — pede, se aproximando, mas antes que entrássemos em contato, ela para.

— Erika, eu realmente quero fazer uma coisa agora, e sinceramente, espero que você queira também. — Digo, tocando em seu rosto e puxando-o gentilmente contra mim, fazendo com que nossos lábios se encostem.

Logo peço passagem e ela aceita. Nossos movimentos são calmos, diferentemente do nosso primeiro beijo. Ela segura levemente o meu rosto e imagino que vá tentar dominar como da primeira vez, mas ela não faz isso. Me deixa aprofundar o beijo, deixando-me guiar.

Agora eu consigo entendê-la melhor. E nesse momento, posso ter certeza de que tudo que ela disse é verdadeiro. Apesar de não saber nomear, sei que ela sente algo por mim, assim como sinto algo por ela.

Quando já estávamos quase sem fôlego, eu interrompo o beijo, mas ainda ficamos com nossos rostos próximos. Vejo que ela dá um sorriso.

— O que foi isso? — pergunta, talvez estranhando a minha iniciativa.

— Acho que devemos tentar. Gosto de você e pude perceber que sente algo por mim. Não tem por que não tentarmos e descobrirmos por nós mesmas o que significa tudo isso.

— Então estamos juntas? — questiona, me pegando de surpresa.

— Defina juntas. — peço, querendo saber do que ela está falando.

— Bem, não sei, talvez juntas do tipo namorando. — Ela fala, me olhando com expectativa.

— É isso que quer?

— Quero, você não? — Diz, e continuo surpresa com a sua iniciativa.

— Achei que não fosse adepta a relacionamentos sérios. — afirmo, não conseguindo esquecer do seu histórico.

— Não até conhecer você. — Meu coração acelera daquele jeito, como se eu fosse adolescente novamente. — E então, você quer namorar comigo? — Pergunta, segurando a minha mão e me encarando.

— Erika, depois de toda essa confusão por conta da falta de diálogo, eu não quero mais deixar de falar o que sinto. Então, respondendo a sua pergunta, sim, é o que eu mais quero. Você sabe que eu quero tentar algo sério com você, mas... — Ia continuar, mas ela me interrompe.

— Mas você não consegue confiar em mim. — Eu queria poder dizer que ela está enganada, mas a verdade é exatamente essa.

— Você me contou sobre as suas inseguranças em relação a mim. Eu também tenho as minhas próprias inseguranças. — reconheço, com receio dela ficar chateada, mas ela assente.

— Eu sei, e tá tudo bem. — Fala, apertando um pouco mais a minha mão. — Eu vou conquistar a sua confiança, Roberta... Até lá, podemos nos conhecer melhor, assim você irá perceber que estou sendo sincera quando falo que quero um relacionamento sério com você. — Diz confiante, me deixando realmente feliz. Tudo que quero é poder começar uma história real com ela.

— Erika, tem certeza que é isso que quer? — Questiono, com um pouco de receio.

Realmente quero abrir meu coração para ela, só não quero sair machucada ao fazer isso.

— Roberta, eu tive poucas certezas nessa vida, mas você é uma delas. — Encosta nossos lábios de forma gentil. — Eu não seria capaz de te machucar, quero que saiba disso. Você e o Victor foram as melhores coisas que me aconteceram; eu não vou errar com vocês. — promete e passo a perceber o quanto ela amadureceu nesses últimos meses.

— Eu sei. — Falo, reconhecendo que acredito.

Ela abre um sorriso, me puxando em sua direção e me envolvendo em seus braços.

Nesse momento, pude ter a certeza de que uma nova fase das nossas vidas irá começar e espero que seja a mais feliz para todos nós.


Continua...

Minha SalvadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora