A cortina que encobre meus olhos vai aos poucos se desfazendo. A cabeça ainda permanece confusa com as imagens de momentos atrás que passam de maneira acelerada em flashes contínuos.
Voltando a ter a minha própria consciência em meu corpo, olho ao redor. Estava no gabinete presidencial. Uma sala arredondada de paredes brancas e luxuosas, teto forrado e amadeirado. No chão, um tapete permanentemente colado ao piso. Tudo isso divido por uma mesa. Uma mesa grande e maciça com pequenas bandeiras americanas a balançarem, ela divide o nós e o eles. De um lado está Underwood, presidente dos Estados Unidos, de costas para as janelas e branco. Não branco por ser sua cor natural, mas branco por lhe faltar sangue nas veias.
Atrás dele, sua secretária olha para os envolvidos com um olhar de medo, se espreme contra a parede e segura firme uma agenda eletrônica contra o busto, parecia totalmente assustada. Ela leva seu olhar de seu
chefe, para o homem no centro da sala, para nós, nossas armas e de volta ao seu chefe. Não havia a percebido antes, também não lembro seu nome, quisera poder sabê-lo, mas suas mãos tampam a visão do crachá.
Minha visão salta dela, o elemento menos visível, para ele, o centro da apresentação. Pergunto-me o quanto uma pessoa é capaz de suportar a pressão. Como já disse, sua aparência física era de alguém que acabara de levar um choque. Quanta pressão alguém suporta antes de se romper, antes de enlouquecer. Não sei, mas tudo leva a crer que saberia agora, ao menos veria o limite daquele homem. Seus olhos, depois de se acostumarem com o choque inicial, voltam a ter um olhar feroz.
Parecendo esquecer completamente da nossa presença, ele olha profundamente para Kruger. Os olhares se cruzam, por um momento consigo sentir as faíscas do impacto do contato dos dois. Sinto quase como se houvesse desaparecido em meio a escuridão e dois refletores estivessem a lançar luz nos protagonistas da peça. Sim, protagonistas, porque não sou nada além do coadjuvante, a pessoa móvel que serve de capataz. Porém, na posição de expectador, também vejo o que acontece.
Ainda sinto uma sensação a bater na porta da consciência, algo lá no fundo a dizer que há algo errado, mas não consigo atendê-la, não tenho sanidade o suficiente para compreender o quê. Também ainda não saí propriamente da tontura mental a que estive exposto.
– Acha mesmo que será só isso? Que não haverá resposta? – Grita Underwood em surto de fúria. A expelir cada palavra com um carregamento de veneno – Claro que haverá, o exército cuidará disso, se não, os demais países. Isso é ilegal, ilógico.
Primeiramente, não há reações. Bradley simplesmente não demonstra nada, permanece estático. Quase como se as palavras batessem em uma parede. Então, tudo muda. Sem um real motivo, ele ri. Uma risada alta e forte.
– Pois bem. Se realmente acha isso, então é mais tolo do que o que eu pensei. – Ele sorri, um sorriso cru, cruel. Quase como se tudo isso fosse uma brincadeira, como se nada tivesse saído do controle – Seu exército já foi desmantelado, não foram somente algumas bases, centros de operações inteiros já foram ocupados. Tropas desembarcam em ambos os lados de seu país.
– Impossível!
– Não só possível como está acontecendo agora. Quanto aos demais países, eles não farão nada. Estarão aliviados de uma guerra. Claro, estarão indignados com as minhas ações, mas não farão nada. Vocês nunca perceberam, mas a ONU hoje tem tanto poder quanto a China e Vocês mesmos. Não vão agir agora, esperarão. Porém, enquanto esperam, me dão fôlego. – Ele sorri, agora em um sorriso calmo – Ora, eu não fiz nada além do meu trabalho. A principal função da ONU não é isso, garantir a paz?
– Tomando a força um governo legítimo?
– Claro, vocês queriam uma guerra nuclear. Milhões morreriam, toneladas de radiação seriam despejadas contra a natureza e se tudo saísse do controle, vocês matariam toda a vida humana. Não fiz nada além do meu trabalho como secretário-geral. Quanto a destronar um governo, não é nada além do que todas as grandes potências fazem quando esta barra seus interesses.
– Seu maníaco. Como pude te chamar de amigo por tantos anos.
– Ora, Thomas, vamos admita, não somos nada além de jogadores de um grande jogo, você perdeu, simples.
Depois daquelas palavras, tudo ocorre rápido. Presencio o momento em que a pressão é demais. Quando a linha se quebra, quando a bomba preste a explodir, irrompe em chamas. Underwood, já encostado com sua mesa de madeira, levanta a braço. Em sua mão, uma pistola é apontada contra o crânio do secretário-geral. Levantamos nossas armas e as apontamos. Ninguém reage. Sentimos toda a tensão da situação a nos apertar. Sua mão treme, sua face passa do branco em que estava para um vermelho com veias a saltarem da testa.
Seu dedo se encaixa no gatilho, seus músculos contraem e se preparam para a puxar. Toda intencionalidade de sua cólera gerida em um único movimento, pronto para atacar, mesmo sabendo que isso lhe daria o fim da vida. Me preparo para agir, fazer algo, mas não é necessário. Penso em mover, mas não consigo, a nuvem volta a encher a face.
Antes de atirar, Underwood sente um toque no ombro. Isso lhe assusta, lhe tira a concentração. Ele olha assustado com o canto do olho para trás. Tudo ocorre rápido, em instante, duas mãos lhe agarram. Uma em sua mão, outra em sua cabeça. Seu peso é usado contra ele. Seu rosto, segurado pela mão, é lançado contra a mesa maciça que não aguenta o impacto e se quebra ao meio rebolando papéis ao ar.
O barulho ecoa por toda a sala. A outra mão, já virada em direção a suas costas, não porta mais sua arma. Tudo não demorou mais do que milésimos de segundo. Uma linha vermelha escorre da lateral de sua testa. Usando de grande esforço, ele vira sua face para ver o realizador de tal ato. Em espanto, vê sua secretária a lhe segurar e a pressionar um dos joelhos contra suas costelas. Sua força é imensa, além de o manter sem que ele mal se mova, ainda conseguiu quebrar uma mesa sólida com um único movimento.
Sua face salta de surpresa, incredulidade, raiva e de volta para surpresa. Os longos cabelos cacheados e morenos da secretária caem soltos contra seu busto. Seu olhar não demonstra nada.
– Você? Como pode? Diz Underwood abismado.
Kruger se aproxima com passos largos. Agora sua face não demonstra o desdém de poucos minutos, volta a sua seriedade normal. Ele respira fundo e diz:
– Na verdade, você nunca soube jogar esse jogo...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Crise de identidade
Science Fiction#1° Lugar na categoria ação no concurso anjos e fadas. Crise mundial, tensões políticas, guerra. Esse foi o cenário de nosso surgimento, viemos como um exercito para manter a paz na terra, a lâmina da ONU. Clones feitos para a guerra, aprimorados ge...