Era uma sala meio escurecida, com uma mesa e duas cadeiras, uma que eu ocupava. As paredes eram lisas e sem pintura, somente um cinza escuro. Estou sozinho a alguns minutos, largado naquele lugar sem muita iluminação.
Seco de detalhes. Somente um pequeno cômodo de uma única porta, quase uma jaula, uma diferente da de ontem - ontem porque viramos a noite dentro da nave - essa era dentro de casa. Talvez, aquela da missão fosse a armadilha, aqui estava a verdadeira gaiola.
Creio que tenha demorado uns 10 minutos até que a porta se abrisse e o general Nash entrasse. Ele exibia sua farda militar - dessa vez sem o acompanhamento de seus seguranças - e a exibir seu cabelo loiro colocado para cima, com alguns bons fios rebeldes a caírem sobre sua testa grande.
Sua primeira ação é lançar sobre a mesa um suporte com algumas folhas em cima. Não precisei mexer nelas para saber que eram sobre mim. Ele se senta e me olha. Nenhuma palavra, somente aquele olhar frio, vindo de olhos grandes, dignos de alguma ave de rapina. Olho de volta, porém não sustento o olhar, era impossível diante daquela força.
Por um minuto, a sala quase clara, torna-se escurecida, como se a luz fosse tragada em sua brincadeira. Seu ar duro e sua aura de autoridade parece fazer com que ele aumente, expandindo e crescendo, enquanto que eu diminuo a uma criança pequena diante do bicho-papão.
- Gosto de folhas de papel, muito mais do que essas coisas de hoje em dia - Ele diz olhando para as folhas na mesa, não havia simpatia e nem bondade em sua voz. Era uma conversa casual, mas sem sentimentos, fria de um jeito estranho. Ele continua - Temos milhares de coisas melhores, máquinas melhores, desde relógios com telas de projeção holográficas a sistemas de IA, mas não gosto de tantas bugigangas, prefiro o bom papel. Não acha?
Ele espera uma resposta, não digo nada, não tenho algo a dizer, na verdade.
Mas um minuto em silêncio olhando para a folha. Depois, sem realmente um bom motivo, ele levanta seus olhos diretamente para mim e diz:
- Pois bem, temos alguns bons assuntos a tratar - Ele faz uma pequena pausa e continua - Unidade Beta-19, pelo que diz essas estatísticas, você não é o mais habilidoso fisicamente, suas avaliações são médias. Nada de se surpreender. Bem... já suas avaliações mentais são altas, mesmo assim, você é considerado um soldado médio, nada com que impressione.
Ele dá uma pausa longa e me olha. Seus olhos são avaliativos, pegando todos os meus movimentos, cada um deles. Enquanto isso, não lhe enfrento, permaneço calado, sem muitas expressões.
- Ainda assim, você tirou o foco da missão, descumpriu a hierarquia e quase falhou nela.
Nesse momento ele para e depois continua lentamente proferindo cada palavra com certo gosto.
- Você está ciente de suas ações e das suas consequências?
- Sim... Senhor. - Falo hesitante, depois com força continuo sustentando o olhar - mesmo sem ordens, não poderia ver meu pelotão morrer. Tive que agir.
- Ainda que tudo resultasse em falha? Ele diz em uma voz áspera.
- Sim... Senhor.
- Entendo.
Ele se levanta lentamente, parecia assustador. Se vira e, olhando para um ponto qualquer na parede, diz:
- A partir de hoje você e sua unidade servirão nas forças especiais. Daqui a alguns dias receberá mais informações. Até lá, terá treinos mais intensos de preparo.
Suas palavras não carregam nenhum sentimento, ele diz isso e sai sem olhar para trás, me deixando ainda sem entender as palavras ditas.
...
Caminho pelos corredores brancos da nossa instalação. Nenhuma palavra, cabeça abaixada. O corredor estava um pouco cheio, bem movimentado. Diversas pessoas, a maioria clones, passavam para suas tarefas diárias.
Sinceramente, não sabia direito o que sentia. Estava feliz porque não havia entrado em uma real encrenca, pelo contrário, havia sido promovido. A partir de agora, sairia daquela base e me mudaria para alguma outra, talvez até mesmo na sede da ONU. Mas, não sei bem se isso é a coisa que quero, realmente, não sei.
Do meu lado, algumas luzes chamam a atenção. Paro e me viro para um vidro na parede. Lá embaixo, vejo o treinamento dos recrutas. Eram crianças, com a aparência de garotos de 12 anos, com armas de descargas elétricas. Três meninos a se esconder em uma parede e a atirar contra quatro drones que voavam acima deles.
Um deles dá as ordens para outros dois. Eles saem de seu abrigo e correm na direção dos alvos, o primeiro tiro de um acerta em cheio um dos drones que desaba no chão. Entretanto, antes que pudessem comemorar dois tiros acertam um deles que é lançado longe e cai sem conseguir se levantar. Os outros dois são cercados e desistem.
Foi uma péssima estratégia, ataque direto. Da próxima vez, repensarão, talvez. Não sei direito, mas vejo naqueles garotos um eu antigo. Creio que as aparências iguais ajudem, mas muito mais do que isso, a energia e a vontade que eles emanam, essa força. Bem... não sei onde a minha foi, só sei que, dos três, fui o único que a perdi.
Deixo para lá, sigo direto para o meu quarto. Ainda sinto todo o meu corpo a reclamar. Ainda era de manhã, porém estava esgotado, sentindo cada músculo a latejar e arder. Meu ombro, que melhorou bastante durante a viagem, ainda dava leves pontadas. Não era um ferimento sério, mas ainda assim incomodava.
Chego no quarto e entro sem muita cerimônia. Claro, o certo a se fazer é ir direto aos meus amigos a lhe retirar a preocupação que com certeza sentem. Mas, não. Sentia um gosto metálico na boca e um sentimento ruim no peito.
Era um puro desânimo que me invadia as fibras. Creio que sempre fui assim, melancólico. Mas, hoje era diferente, era maior. Como se me faltasse um bom pedaço no peito, um que eu nem se quer sei se um dia esteve lá. Mesmo que eu tentasse entender, não saberia realmente dizer o porquê de todos os sentimentos. Talvez seja o estresse e o cansaço, sim, culparei a eles sobre coisas dessas. Bem... normalmente, sempre culpamos isso para tirar a real culpa de não nos conhecermos.
Sempre assim, mas quem sou eu para culpar outro alguém além de mim mesmo. Sim, será o cansaço e fingirei que todos os sentimentos não existem, como sempre faço, fingindo que não estão lá. Talvez, assim, eles se cansem de estar comigo e realmente saiam, ou não, nunca consegui entende-los bem.
Me deito na cama a olhar o teto liso e cinza e penso, penso como muitos outros dias, horas e horas de pensamentos dispersos. Cai um cisco no meu olho, passo a mão por sobre a bochecha para retira-lo. Droga, irritou. Continuo a passar a mão nos olhos para retira-lo, não consigo, desisto.
No fim, durmo e as marcas do cisco se projetam sobre as bochechas.
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Crise de identidade
Science Fiction#1° Lugar na categoria ação no concurso anjos e fadas. Crise mundial, tensões políticas, guerra. Esse foi o cenário de nosso surgimento, viemos como um exercito para manter a paz na terra, a lâmina da ONU. Clones feitos para a guerra, aprimorados ge...