Capítulo 13: Provas do luto

16 5 0
                                    

Sento-me na cama. Bolhas ao redor do meu rosto. Me jogo a olhar o teto. Uma redoma de vidro me envolve. O teto do meu quarto é de um cinza solitário, melancólico. Eu estava em uma espécie de redoma de vidro cheia de um liquido que não sei o que é. Do outro lado do vidro, pessoas de jalecos brancos e me observam. Conversando, falando, detalhes inaudíveis. Pessoas, vultos. Aos poucos sinto meu corpo, movo lentamente meus braços, formigamentos sobem as pernas. Sem real motivo, desespero. Me debato, louco. Meu corpo em êxtase, sinto o meu corpo, cada parte a ser banhado pelos líquidos, bolhas se espalham. Sinto agora os pulmões pedindo por ar, preciso. Levo a mão ao rosto, há algo nele, uma mangueira ligando ao teto, uma máscara. Ar, preciso de ar. Mais... mais... mais... mais...

— Está pronto.

Escuto sendo dito longe, distante, quase em um outro mundo, uma dimensão intocável, uma realidade inteligível. Pronto... pronto... para quê?

...

Acordo sobressalto. Olho pela janela, já era de manhã, dormir demais. Me sento na cama, tive pesadelo. Balanço a cabeça em uma tentativa de tirar as imagens dos olhos. Bocejo, normalmente eu já deveria estar em ação em algum treino, patrulha ou missão. Hoje não, não esses dias. Faz uma semana desde o interrogatório, claro, eles chamam de relatório. Não, não é. Enfim, desde aquele dia, não tivemos nenhuma atividade real, o que é estranho. Em épocas comuns, não temos tantos dias de folga, temos o bastante para não enlouquecermos. Mas nunca ócio, tempo de sobra. É inutilidade, acreditamos nisso desde pequenos, fomos feitos em base nisso.

Temos divertimentos leves, nunca demais, nunca de menos. Creio que os outros gostaram, eu não tanto, é ruim estar sozinho consigo mesmo por tanto tempo. Vou um péssimo companheiro, principalmente quando se fica 24 horas comigo, não recomendo muito.

Levamos um golpe sério nessa missão, a nossa organização em si. Essa foi nossa primeira derrota. Nossa credibilidade diminui...

Olho o quarto. Era um aposento pequeno, uma única cama e um guarda roupas. Agora, com esse período de folga temporária, tivemos acesso a Tv. Um aparelho pequeno grudado na parede de talvez um palmo. Dele, uma imagem é projetada na parede. A tecnologia é simples, porém a imagem permanece com melhor resolução que as comuns de vidro, mesmo na claridade.

Chega, me canso de tantas enrolações. Levanto para sair, teria que me preparar para a merenda no refeitório. Mas paro no caminho para a porta. Da janela do quarto consigo ver o céu azul, claro e sem nuvens. Era um dia belo. Transmitido sobre ele, imagens do Presidente dos Estados Unidos a discursar.

Thomas Underwood, presidente dos EUA, rosto fino, cabelos loiros, alto e de uma aparência cansada. Ele discursa frenético, vividamente. Daqui, graças à amplificação, consigo escutar tudo. Lança longas solenidades ao povo da China, mostrando sua solidariedade com o povo que agora sofre e ofereceu a ajuda humanitária.

Talvez, realmente pudéssemos ser humanos. Os EUA, como maior inimigo da China, estende sua mão a ela.

Todos se calam. Ele engancha no meio de seu discurso. A porta fora aberta. O novo presidente da China, Li Wei, entra no aposento. Seu cabelo branco estava bem alinhado, seu porte era firme, sem sorrisos. Ele se dirige devagar ao seu lugar. Se senta e permanece calado. Underwood continua a sua apresentação, talvez um pouco sobressalto.

O clima no ambiente passa a ser tenso. Os principais representantes do mundo estavam reunidos, todos eretos, como se descargas elétricas se projetassem de Wei. Havia algo errado, era possível sentir.

Underwood termina e entrega sua fala, se sentando em seguida. Silencio. Primeiro veio um silencio seco, pesado, frio. Depois, Kruger se levanta. A todo o tempo permanecera calado e sério. Finalmente sorri. Um sorriso cansado, forçado, nervoso. Ele gesticula, talvez um pouco nervoso.

— Nos reunimos nessa solenidade para discutir os últimos acontecimentos. Espero que todos possam estar engajados e combater esse mal que nos assola. Bem... — ele respira fundo — Primeiro, peço desculpas ao próximo da lista de fala, mas não poderia deixar de entregar a fala agora para o presidente da China, como mais afetado. Senhor?

Ele dirige seu olhar para o presidente chinês que entende e se levanta indo ao púlpito no meio da sala.

Ele se posiciona, não diz nada. Silencio.

Seus olhos se movem por entre a sala, verificando cada rosto no aposento, reconhecendo. Silencio. Ele respira fundo, talvez pela primeira vez dê para perceber o cansaço e a fadiga em seu rosto. Ele assumira o cargo do último presidente, falecido no atentado. Carregava o peso do mundo.

Seu rosto volta a ser sério e ele começa o discurso.

— Senhores, senhoras. Meus caros. Hoje passamos em dias nebulosos. A poucos dias, como todos já sabem, explosões foram efetuadas em diversos pontos da cidade. Um deles sendo o centro administrativo da China. Muitos faleceram naquele dia, nossas contagens somam três mil mortes e uma outra grande quantidade de desaparecidos.

Ele pausa, novamente silencio. Parece pensar bastante, escolhendo cada palavra a ser dita. É possível ver em seu rosto uma gama de sentimentos desde o medo a tristeza e a dúvida.

— Homens-bombas, armas plantadas, tudo isso de uma só vez, talvez um só botão.

As últimas palavras me doem. Sim, um só botão e tudo queima...

— É um dia triste, porém a China não parará. Venho hoje aqui para dizer que a China não se renderá a esses seres medíocres e nem a quem os comandam. Não nos renderemos.

Ele aperta em um botão em seu relógio e diversas imagens são projetadas ao seu lado. Transações financeiras, fundos fantasmas, imagens de pessoas a conversarem.

— Não nos renderemos, nem aos terroristas e nem aos que o mantém e comandam, Os Estados Unidos da América. Como podem ver, nossas células de inteligência detectaram transações milionárias, repasses de fundos fantasmas sendo direcionados diretamente aos grupos terroristas e não só isso, ordens militares, instruções e apoios táticos. Havia alguém por trás de tudo isso, o mesmo que hoje dá suas condolências ao povo chinês.

As palavras têm efeito forte, ninguém respira. O ar fica pesado, carregado. É possível escutar as engrenagens de todos tentando processar as informações, como se todos tivessem levado um soco no estomago. O presidente chinês propositalmente para querendo que cada palavra seja assimilada.

— Isso é um ultraje!

Grita o presidente Underwood em fúria ao bater suas mãos na mesa de madeira. Seu rosto estava vermelho. Ele se levanta, não espera pelas próximas palavras, simplesmente sai ofendido. Parecia irreal tudo que tinha sido dito, ao menos todos queriam acreditar, mas as imagens não paravam de passar, empresas, personagens, tudo. Era difícil negar o que se tinha na frente.

— Caro Bradley Kruger, exijo que investigações sejam feitas. Espero que a ONU tome medidas quanto a isso ou então a China tomará...

Ele recita as últimas palavras lentamente pronunciando bem cada uma delas. Depois termina deixando a frase aberta.

Ao que parece, eu estava certo, havia coisas por trás de tudo. Porém, não era uma boa sensação ter acertado. Estávamos a porta do fim. Novamente uma crise política e de novo a ameaça iminente de uma guerra nuclear...

Crise de identidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora