Capítulo 10: Tons de vermelho

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O clima estava tenso, parecia que descargas elétricas faiscavam ao nosso redor. Até mesmo o ar estava difícil de ser respirado naquele cubículo. Sinceramente, já vi essa cena diversas vezes, o mesmo silêncio antes da missão e aquela aura pesada no ar, mas hoje não, aquilo era diferente, mais profundo. Não era só silencio, era um manto quase palpável que cobria a todos no compartimento.

Estávamos todos sem máscaras, ninguém conversava. Os únicos sons audíveis eram do jato da nave e da respiração pesada de todos. Sim, era pesada, dura. Quase como se não houvesse ar suficiente, como se precisássemos de mais e mais, quase como se nos afogássemos, mesmo no seco.

Todos tensos, era visível em seus rostos, sua pele e em cada músculo de seus corpos. Aquela talvez fosse a maior missão que eu já vira. Era uma operação de alto nível, minha primeira nas Forças Especiais. Basicamente, toda nossa divisão na sede da ONU estava indo, divididos em algumas naves, mas não só nós como outras divisões. Seria um ataque rápido, efetivo contra a China, contra algumas células terroristas lá, na verdade.

Para isso, uma grande quantidade de naves estava voando escondidas naquele exato momento, uma delas sendo a minha. Era uma operação de suma importância, a própria China reconhecera isso, depois de muita pressão internacional. Assim, nessa investida, acabaríamos com uma parcela grande do poder dos terroristas e clamaríamos uma imagem de conquista.

Mas, realmente não estávamos totalmente bem com isso, os olhares perdidos denunciam esse fato. Não tenho muita cabeça para essas horas, não sei, nesses momentos minha cabeça voa e meus pensamentos enlouquecem. Não sei por quê, mas hoje me vem a memória do meu antigo capitão. Normalmente, não sou de mastigar lembranças, só que seu rosto caído e ferido ainda não sai da cabeça.

Mexo o rosto de um lado para o outro na tentativa de espantar os pensamentos, respiro fundo e encaixo a cabeça no assento do banco, de olhos fechados, tento deixar minha mente limpa, coisa difícil para alguém que pensa demais.

...

A nave para e nós descemos, era um amplo espaço vazio. Diversas casas se projetam ao redor daquele beco. Era um local escondido, um pouco escuro, mesmo para a manhã clara daquele dia.

O comandante Raegan sai primeiro junto de sua unidade, todos em armaduras pesadas e com metralhadoras em suas mãos. Mesmo acostumado, é impossível não sentir o impacto de ver aquelas feras prontas para o combate. Depois deles, nós saímos. Os dois outros pelotões estavam sem suas costumeiras armaduras, vestíamos roupas comuns. Cody usava uma blusa um pouco larga, uma calça jeans e uma mochila. Já Ferris, uma calça jeans e uma blusa apertada e vermelha e uma bolsa jogada no canto do ombro. Eu optara por uma roupa social, blusa, calça e terno, além de uma mala.

Os outros pelotões, a exceção do próprio comandante, também vestem roupas comuns. Sem nenhum tipo de explicação breve, simplesmente balançamos nossas cabeças e saímos entrando na rua, cada um por um dos três becos do local.

Porém, antes que eu saia, o comandante puxa meu braço. Paro um pouco surpreso. Não consigo ver seu rosto, já que ele está protegido pelo capacete. Sem nenhuma introdução breve, ele simplesmente diz:

— Ei, eu lembro o que você fez no treinamento, foi uma boa estratégia. Acredito que todos os líderes militares elogiariam sua coragem. Mas, garoto, quer um conselho? Da próxima vez, não desista tão fácil de sua vida.

Sua voz grossa parecia salpicada de bondade, o que era estranho para alguém de alto porte e poder militar. Não tenho resposta, mesmo assim, não precisei dar-lhe uma, ele sai sem olhar para trás. Sem outra coisa a fazer, sigo meus companheiros pelo beco. Parecia que as palavras dele tivessem sido marteladas em minha cabeça, pior, gravadas com fogo. No último treino, me joguei contra o fogo inimigo para que pudéssemos vencer. Ora, não era isso que deveria fazer, morrer pela vitória a todo custo, pelas grandes realizações, não é isso que somos ensinados todo o tempo. Será?

Cada pelotão segue seu rumo, inicialmente, meu pelotão fica junto. Porém, depois que entramos nas ruas movimentadas da China, nos separamos. Não longe o bastante, continuamos um no campo de visão do outro, entretanto, separados o suficiente para não sermos percebidos.

Caminhamos despreocupadamente pela rua movimentada. Tudo parecia uma mistura de cores e formas, tudo vivo em composições elétricas. Por alguns minutos, fico olhando a cena e toda a movimentação, sempre fui assim, de olhar detalhes e apreciar as coisas. Deixo isso para lá, estava ficando para trás.

Não demora muito a chegarmos no nosso ponto de encontro. Era uma fábrica, meio velha e com a aparência um pouco acabada. Ficava em uma área mais isolada, afastada em algumas curvas da avenida principal onde estávamos. Paramos para observar o local, por ser um local deserto, vemos pouca movimentação na rua e na própria fábrica. Se não fosse pelo barulho de um maquinário arcaico e uma leve entrada e saída de pessoas, diria que estava abandonado.

Aperto o comunicador:

— Estamos posicionados, comandante.

— Certo, permaneçam assim.

Nos juntamos perto da fábrica, tendo ela no campo de visão, mas um pouco escondidos. Cody parecia com sono e reclamava que queria dormir, típico. Já Ferris parecia inquieto, agitado. Como sempre, brigavam sempre que se triscavam, personalidades opostas, toda vida isso.

— Vamos lá, Capitão, quando vamos poder ir? Diz, ainda meio agitado.

Respiro fundo, acho que aquela tensão mexe com todos de maneira diferente, somente respondo com um não sei e fico calado. Aquele era o sinal "não me incomode". Foi respeitado.

Demora alguns bons minutos para receber outro aviso pelo comunicador.

— B-19, seu pelotão está pronto?

— Sim, senhor.

Pois bem, pode iniciar, avance. Faço um leve sinal para o resto do pelotão. Nos aproximamos, era hora do almoço, meio dia, pouco movimento. A fábrica estava mais vazia, o que lhe dava um tom de abandono. Ferris arromba a janela. Também era velha, sem tecnologias, somente uma janela de vidro, mais nada.

Entramos. Escuto uma voz no ouvido pedindo relatório. Falo baixo.

— Estamos dentro, é uma construção velha, sem sinal de grande movimentação. Talvez, algum dia já foi algo interessante. Aparentemente, nada a ser reportado.

— Oh, capitão, melhor você ver isso.

Escuto Ferris falando do outro lado da fábrica, atrás dos maquinários. Me aproximo, assim que chego, vejo um tapete jogado de lado, uma estante empurrada e Ferris abaixado a observar um alçapão. 

Crise de identidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora