Capítulo 15: Embarque e desembarque

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Cinza. Sempre pensei que tudo fosse cinza, cada parte do mundo. Hoje não é diferente, pelo contrário, tudo estava mais cinza do que nunca. O céu pesado e escuro despencava em uma chuva torrencial, abundando e se chocando contra o capacete da armadura.

Seguramos firmes as armas nas mãos e permanecemos em sentido. Fazíamos uma fileira de soldados. Um olhando para o outro em uma espécie de túnel. Comandante Raegan era o primeiro perto do jatinho, eu o terceiro.

Era um espaço grande, vários metros naquele aeroporto. Entretanto, diferente do que devia ser, só havia um jatinho. Por questão de segurança, somente o do secretário-geral foi posicionado. Soldados clones patrulham a área com armas pesadas. Na verdade, todos estávamos assim, equipados para uma guerra. Por engraçado que pareça, o que provavelmente não parecerá, estávamos realmente em uma situação onde esperávamos um ataque, uma guerra.

Depois da crise na China, o exército de paz da ONU se espalhou pelo mundo. As bases no oceano pacifico, de onde eu vim, e no atlântico liberaram soldados para cada um dos continentes. Diversos centros de operações foram montados. Os terroristas estavam sendo caçados como presas acuadas.

Mas ainda assim, parecia que a qualquer momento outra crise estouraria e que mundo entraria em colapso. Que as bases da existência mundial se chocariam e desmoronariam como as pilastras dos antigos monumentos gregos. Então, por fim, a humanidade seria isso, destroços de um antigo monumento quebrado. Oco de vida, deixado para o nada. Sem nada. Por nada.

- Sentido!

Grita Raegan nos nossos ouvidos. Firmamos os pés, barulho de ferro a se chocar. Posicionamos ainda mais as armas. A chuva cai forte. As gotas batem na armadura, ecoando barulho de metal.

Há um silencio cortado apenas pelo choque da chuva. Passos. De longe, vemos a entrada do esperado. Kruger caminha devagar com um guarda-chuva nas mãos. Em escolta, uma dupla de clones. Além deles, vem o general Nash.

Ele havia abandonado sua farda militar, agora vestia uma roupa social, paletó e um sobretudo preto por cima. Não levava guarda-chuva, simplesmente se molhava sem se importar. Ele estava com olheiras profundas, seu cabelo estava esbranquiçado.

Caminhavam devagar, conversavam despreocupadamente. Havia uma aura em ambos. Uma pressão que emanava dos dois, quase como se a cada passo crescessem e se tornassem gigantes. Diferentes, Nash era sufocante, esmagando a presença de todos ao redor. Já Kruger era firme, rígido, porém simpático, calmo, um líder.

Ambos param perto da entrada do jatinho. Continuam a conversar parados, não consigo ouvir. Depois de alguns minutos percebo um símbolo em seu paletó. General Nash havia se tornado o comandante geral do exército de paz. Transferido do pacifico agora desempenha função de liderança de todas as tropas clones.

Em suas mãos, todo o exército aumenta seu poderio militar. Pelo que soube, além de Kruger em Washington, Nash iria para China em Pequim. As missões diplomáticas são intensas, uma vã tentativa de juntar os cacos do mundo. Depois de alguns minutos, terminam a conversa. Sem cerimônia, Nash se vira saindo. Parecia levemente irritado, talvez a não concordar com algo.

Sem tempo para pensar nisso, Kruger entra no jatinho, alguns soldados o segue. Enquanto isso, nos afastamos e nos dirigimos ao nosso próprio que faria a escolta. Hora de ir, hoje é um dia frio.

...

Silêncio. Ninguém dizia nada, era um silêncio cortado pelo ronco do motor da nave. Mas, em suma, era um silêncio humano. Um silencio constrangedor que gritava nos ouvidos. Seco, de emoções. Estávamos todos ali, no escuro da nave, umas seis pessoas. Eu me sentava perto da porta, Cody e Ferris estavam do meu lado.

Aquela era como mais uma missão, porém mais pesada. Não estávamos indo para uma linha de tiros, não havia a ideia de confronto direto, mas pesávamos a cabeça. Para falar a verdade, todo o mundo estava naquele estado, uma hesitação, como se esperasse algo a acontecer. Como se todos estivessem com medo de dá um passo errado, um único passo, então, fim.

Não falamos nada, ficamos calados toda a viagem, não havia o que dizer. Demorou algumas horas. Chegamos. Mais algumas naves vieram na frente garantindo a segurança. Chegamos juntos a Casa Branca, pousando em um verde jardim discretamente, ou o mais discreto possível.

Saímos da nave já em posição, armas prontas. O jatinho pousa. Bradley Kruger, secretário-geral da ONU, desce. Nos posicionamos em escolta. Era visível o barulho de repórteres e algumas movimentações de carros e pessoas nos portões da sede federal. Não tiveram entrada, sem entrevistas hoje.

Não ficamos muito tempo parados sozinhos. Depois de alguns minutos vemos a vinda do presidente, também escoltado por seus guardas. Ao lado dele vem uma mulher de roupas sociais, vestida de roxo. De cabelos longos e cacheados soltos. Seu olhar é sério, porém sorri ao se aproximar. No crachá estava escrito Tyra Hay. Era baixa, se comparada ao presidente e a seus soldados. Desfrutava da guarda, junto de Underwood.

Hoje, qualquer personalidade é escoltada. Esse é o símbolo do medo que assola desde os grandes até os pequenos. Um medo irracional e louco que devora as pessoas, como um monstro faminto chegando ao desespero.

Os guardas portavam armaduras como as nossas, diferentes em modelo e fabricação, somente um projeto similar. Entretanto, diferente de nós, aqueles eram soldados regulares do exército, pessoas comuns que crescerem em casas e se alistaram para o serviço militar, tiveram liberdade de escolha, liberdade de vida.

Talvez isso que os torna mais fracos, não o rígido treinamento desde a infância, não a aprimoramento genético, mas a normalidade de uma vida, essa possibilidade que ronda suas existências. A vida normal, a felicidade. Não temos isso, não nos deram esse presente, somente a missão. Nos criaram para isso, para a missão e somente.

- Meu amigo Bradley, que prazer revelo!

Diz o presidente Underwood ao se aproximar e estender sua mão. O secretário-geral responde a mão estirada com um aperto firme.

- É uma honra, senhor Underwood.

- Vamos, temos assuntos importantes a discutir.

Saímos indo em direção a casa branca ao fundo.

Crise de identidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora