Capítulo 12: Sorte dupla

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Disseram que um raio não cai duas vezes no mesmo local. Disseram... Sempre dizem muitas coisas. Infelizmente, eles caem, de novo e de novo. No mesmo canto, quantas vezes forem necessárias, até que tudo esteja terminado.

Existe uma probabilidade, claro, sempre existe uma probabilidade para tudo, de que um raio caia em você. É como se o destino jogasse a moeda para cima, a moeda gira duas ou três vezes e pronto, temos um raio para alguém. Enfim, estatisticamente, a chance de uma pessoa ser atingida por um raio é de um em um milhão. Porém, sempre tem um porém, se estiver em um campo livre, no meio de uma tempestade, a chance aumenta para um de mil. Nessa situação, você é o para-raios.

Então, sim, um raio cai duas vezes no mesmo lugar. Ele sempre cai e parece inevitável isso. Que suas descargas façam um caminho ligando o céu e a terra, cortando o ar, aquecendo a atmosfera. Um caminho, direto até o chão, um alvo especifico e tudo em sua frente torra. 30 mil ampères, 300 milhões a 1 bilhão de volts, uma descarga capaz de levantar faíscas, fogo e calor. Primeiro, o movimento, rápido e veloz. Depois, a luz, a descarga elétrica, o som forte ecoando, o brilho e o calor. Em seguida, a pessoa está no chão, antes mesmo de realmente perceber o que aconteceu.

Sinto que estou assim, diante de uma tempestade de raios, a esperar a moeda dourada do destino rodar duas ou três vezes, uma sorte dupla. Ao menos dessa vez, o quarto é mais claro. Sim, novamente em uma sala de interrogatório. Talvez eu tenha uma enorme capacidade de atrair situações boas, creio que seja isso. Com certeza, deve ser isso, sou um cara sortudo.

Era um quarto minúsculo, uma mesa, duas cadeiras. Paredes brancas e lisas, uma única luz no teto dando um brilho fosco na mesa e em mim. Respiro fundo, cansaço. Parecia que sempre havia uma pressão interna a gritar. Porém, mesmo nisso tudo, algo estava errado. Minha mente está cheia, havia alguma coisa que eu deixava escapar, aqueles desenhos, símbolos.

A porta se abre. Um homem entra. Uma pessoa baixa, nariz levemente torto, de farda militar, um oficial do nosso exército. Seus cabelos marrons estavam meio desgrenhados. Ele sorri, puxa a outra cadeira desocupada e se senta.

— Bom dia, meu caro... — Ele puxa a manga da blusa e aperta um botão no relógio. Imediatamente, a sala escurece um pouco e uma tela azul holográfica se projeta bem a sua frente — capitão B-19. Sou o oficial Hughes.

A tela simular a um computador antigo, porém em projeção holográfica. Basicamente duas telas. Uma maior em sua frente, diante dos olhos e uma segunda perto de seu braço em forma de teclado. Todas as mudanças são feitas e registradas por um sensor de movimento no relógio. Substituindo assim as teclas físicas de teclado, mouse e ponteiro.

— Pois bem, vamos começar. Quero que me conte o que aconteceu na última missão...

Sua voz é cortada pela porta se abrindo, ele se vira já com um olhar de incomodo. Entretanto, seu rosto se desmancha em surpresa. Na porta, Bradley Kruger, o secretário-geral. Seus cabelos negros estavam penteados em um topete, com alguns fios brancos a escaparem do penteado e a caírem sobre a testa. Ele sorri, é visível as olheiras ainda mais profundas. Cansaço, essa talvez seja a melhor palavra a lhe definir agora.

— Desculpe atrapalhar. Posso entrar?

— C-Claro, senhor.

O oficial oferece sua cadeira, Kruger rejeita. A porta é fechada. Antes, ainda é possível ver os dois soldados clones em armaduras blindadas e pesadas armas nas ombreiras da porta. Ele se escora na parede e cruza os braços. Vestia roupas sociais, blusa branca um pouco amarrotada e gravata preta. Para um secretário-geral, parecia levemente desleixado, porém, mesmo assim, não perdia uma beleza natural. Seu olhar é amigável, porém penetrante. Ele, como o general Nash, apresenta uma aura forte, diferente desse, não era intimatória, poderosa de uma forma diferente.

O interrogatório continua. Conto novamente os detalhes da operação, os terroristas e nossas ações. Kruger permanece em silencio.

— Então, não houve ordem de disparo. Suas ordens eram para permanecer parados até o que chegasse reforços. Mas mesmo assim vocês perseguiram e ainda mais atirarem em um alvo que poderia ser importante. Me diga, B-19, quem deu o tiro?

O oficial dirige suas palavras para mim, palavras fortes, duras. Simples, me jogando contra a parede, tentando achar alguma falha. Respondo da maneira mais calma que consigo, o mais calmo de que meu coração acelerado deixa.

— Fui eu, atirei no homem, dei ordem de perseguição para o agente B- 21. Tomo a responsabilidade pelas ações.

— Entendo. Pois bem, acho que está bem por hoje.

O oficial diz, desliga seu relógio e se levanta para sair.

— Aquilo não foi o fim.

Digo e somente depois de dizer, percebo as palavras. O oficial para, Kruger levanta uma sobrancelha. O agente em minha frente se volta lentamente, com um olhar surpreso.

— Como?

— Não foi o fim, o ataque terrorista. É o começo. Eu vi folhas com símbolos, mensagens codificadas, tanto na base no Oriente Médio quanto na da China. Aquilo foi organizado e muito bem organizado, planejado. Eles sabiam que iriamos, sabiam que estaríamos no Oriente médio e sabiam que estaríamos na China. — Os olhares de todos agora estavam perplexos. Respiro fundo, como comecei, teria que terminar — Na primeira vez, montaram uma emboscada e na segunda não havia defesa, como se eles quisessem que achássemos as bases.

— Sabe que isso são afirmações grandes, não é mesmo?

— Sei, mas é lógico. Aqueles tuneis foram feitos de maneira manual, custou tempo, recursos, desvio de atenção. Uma célula poderosa como aquela não faria isso tudo, burlaria todo um mundo para simplesmente explodir algumas bombas, é algo mais. Eles querem algo mais profundo do que o puro caos, não sei o que é, mas deveria ser investigado.

— Pois bem, investigarei isso.

O oficial se vira, cumprimenta o secretário-geral e sai. Com certeza, sem muita credibilidade em minhas palavras. Kruger também se mexe e se prepara para sair. Antes, para e olha para mim.

— Deduziu isso tudo a partir de algumas folhas e uma estrutura malfeita?

— Sim, senhor. Digo balançando a cabeça.

— Muito bem, meu caro B-19?

— Steve, senhor. Meus amigos me chamam assim.

— Entendo. Realmente, você é um grande soldado, Steve.

Ele sorri. A porta se fecha. A moeda gira. O raio no meio da tempestade cai.

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