Capítulo 3: Entre os tiros

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Silêncio, era o que eu ouvia. Escutava alto em minha mente, retumbando. Como sempre, estou de olho fechados. Sempre faço isso antes de tudo começar.

Era um silêncio forte que ecoava em mim. Claro, era interrompido, de vez em quando, pelo barulho do motor do jato ou pelas conversas distraídas de meus parceiros. Cody e Ferris brigavam por algo, mas não tenho do que reclamar, eles sempre brigam.

Bem... ao menos eles têm alguma personalidade, isso é estranho. Sinceramente, nunca tive uma personalidade forte, é até irônico. Sim, mesmo clones, temos pensamentos distintos, somos iguais em aparência, porte físico e quase iguais em habilidades, mas diferentes em visões. No fim, tudo que somos é uma tropa.

Somos um exército, um exército particular da ONU, feitos para combate, treinados desde a infância em táticas militares, a tropa de "paz" do mundo.

Mas, sempre era isso que me incomodava, somos somente tropas. Talvez fosse tudo que importasse, tudo que fossemos. Bem... talvez... talvez...

- Unidade B4, preparar para pouso.

Abro os olhos, acabou o momento para reflexões bobas. No fim, sempre bate o desespero existencial antes de toda ação. Pego minha arma, uma metralhadora básica, leve e de disparos de energia. Cody e Ferris, ao verem minha ação, se calam e também checam suas armas. Depois das armas checadas, pegamos os capacetes. Damos um último olhar entre nós mesmo, vendo o rosto de todos. Então, colocamos os capacetes. Uma luz azul brilha por sobre o visor. Todos checam funcionalidades externas e internas, tudo pronto.

- Preparar para decida e aterrissagem.

A voz no comunicador do capacete ecoa. Nos levantamos, iguais, hora de ir. Aquela seria como na última missão, um caça totalmente camuflado a sobrevoar uma área, dando espaço para salto.

Levanto a mão, a partir de agora eu que daria as ordens, nos três nos preparamos. Uma pequena brecha na porta aparece, depois se expande até que a porta do caça está totalmente aberta. Respiramos e olhamos para o abismo. Lá em baixo toda a natureza se mistura irreconhecível, se borrando por conta da velocidade em tons de marrom, verde e preto.

Abaixo a mão e corro, pulo assim que chego na porta. Meus subordinados, Cody e Ferris, fazem o mesmo. Imediatamente, uma lufada de ar forte bate contra nosso rosto e corpo, por sorte, nossas armaduras foram feitas para isso. Aperto um botão e pequenos propulsores se ativam em minhas costas, desacelerando a queda iminente. Sinto o mesmo solavanco da abrupta interrupção.

Nos aproximamos do solo e aterrissamos já nos jogando no chão e em posição de combate. Armas em mãos, preparados para qualquer surpresa. Nos abaixamos e ficamos juntos, enquanto isso, Cody sai e se movimenta furtivamente avaliando o perímetro.

Nesse intervalo de tempo, paro para observar o terreno. Aquela era uma região desértica, com algumas poucas árvores espalhada por uma longa faixa de terra. A terra era dura com a presença de muitas pedras grandes e algumas formações rochosas.

Cody volta balançando a cabeça. Ótimo.

- Unidade B4, avançar.

Digo no comunicador enquanto me movimento. Nos separamos um pouco, cada um seguindo uma rota diferente, todos no campo de vista mutuo. Seguimos furtivamente, aproveitando-nos do tempo escuro e sem lua no céu, o que incorporava uma escuridão densa no local. Corríamos meio abaixados, como vultos borrados no meio das pedras e do mato.

Em cima, no campo de visão, víamos uma enorme edificação. Um prédio de três andares, cercado por cercas de arame farpado. Aquele era nosso alvo. Aos poucos, o prédio se tornava maior pela aproximação.

Meu coração acelerava, tudo tenso, corpo em prontidão. Por dentro do capacete, meu rosto soa. Eu estava em estado de nervosismo, dessa missão em diante eu tomaria conta da vida de meu pelotão e teria parte do sucesso da missão em mãos, mesmo que eu não goste de tudo isso.

Cody levanta a mão. Ele ia na frente em rastreamento, pelo jeito encontrou alguém. Paramos, tanto eu quanto Ferris, que se encontrava a uns 50 metros de mim. Cody se abaixa e permanece escondido. Me aproximo lentamente dele. Vejo o motivo da parada, estávamos em uma espécie de elevação natural, lá em baixo, depois de alguns metros, começava as cercas daquela fortaleza.

Perto dela, um soldado permanecia em marcha em sua vigília silenciosa. Marchava em passos lentos de um lado a outro dos arames. Cody puxa sua arma e mira. Toco em seu ombro o parando. Eu avanço, ainda encolhido e me escondo detrás de uma rocha.

O guarda se movia lento, nas pontas da cerca alguns LEDs davam a iluminação necessária. Daqui, de bem mais perto, consigo perceber toda a estrutura do prédio. Três andares, cheio de terraços e janelas, porém com clara aparência de abandono, se não fosse por algumas luzes acessas, diria que realmente estava abandonado. Aquela era uma ótima localização para defesas, diversas luzes lançavam seu brilho na cerca e na pequena área entre ela e a construção, espaço vazio que facilmente poderia ser protegido.

Balanço a cabeça levemente e me concentro, olho para o guarda e espero ele se aproximar. Por um momento, todo o tempo para e tudo que escuto é o solado de seu sapato a ranger contra o chão arenoso, sua passada firme e seca.

Assim que ele se vira, corro avançando em sua direção. Daqui, sinto o suor impregnado a suas roupas maltrapilhas. Sua arma, uma metralhadora também, de um modelo antigo clica com a movimentação.

Meus músculos se tensionam se preparando para pular em cima dele. Ele se vira. Ele me vê e seu rosto demonstra um misto de surpresa e medo, na sua frente talvez eu parecesse um mostro negro a lhe espreitar em ataque.

Seu susto se esvai rápido e ele aponta a sua arma em minha direção. Droga, fui lento demais. Agora não havia mais um passo lento e sorrateiro, minha marcha se torna uma corrida desesperada e rápida na esperança de o segurar antes que ele atire e manche a missão denunciando nossa presença.

Sua arma apontada contra mim clica, a trave é retirada e seu dedo voa em direção do gatilho se preparando para atirar. Corro rápido, mas rápido do que qualquer humano normal, em pura velocidade. O tiro é preparado e eu espero o impacto. Olho para seu rosto a espera de um desejo assassino, o vejo babar.

Seus olhos reviram e ele cai. Vejo atrás Ferris com sua arma de energia ainda apontada.

- Lento demais, capitão.

Ele diz dando uma leve risada. Paro minha corrida, respirando ainda pesado. Leva apenas alguns segundos para me recompor e o faço. Vou até o soldado para vistoriar o corpo desmaiado. Pego uma espécie de comunicador no bolso de trás e o viro, para minha surpresa, aquele ser, que a poucos minutos era meu pior inimigo, era somente um garoto.

Vejo seu rosto ainda inexperiente, mas duro por inúmeros sofrimentos que nem imagino. Um garoto de arma, refugiado no terror da guerra. Talvez, quase como nós.

Mas não há tempo. Nunca há. Ligo o comunicador geral e digo:

- Aqui é a unidade B4, área limpa. Preparar para invasão!

Crise de identidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora