O Hanbok preto com a gola branca caiu perfeitamente em Vanessa. Não tão justo, mas folgado o suficiente para se locomover. Os cabelos foram penteados para trás e amarrados em um rabo de cavalo baixo. Sem maquiagem, sem enfeites chamativos.
- Falta o laço... - Dali comentou, trazendo uma caixinha, aberta. O laço simples, pequeno e branco estava em cima de uma almofada, dentro da caixa.
Vanessa respirou fundo, ainda se olhando no espelho e sentiu vontade de chorar. Se deu conta de que era real. Não era mais aquela pequena adolescente que pulava o muro da mansão Kim, com o sonho de morar na Holanda, longe da Coreia do Sul e dos pais. Não era mais a menina que obedecia ao pai, mesmo quando suas ordens estavam contra a própria vontade. Naquele momento, ela só era a única filha do falecido magnata da Coreia do Sul, Yeong-gi.
- Você quer ficar sozinha por uns minutos? O velório começa daqui a uma hora, ainda temos tempo, e se você quiser...
- Não precisa... - ela olhou para a amiga e deu um meio sorriso. - Estou bem...
Dali fez uma cara de choro, e suspirou. Depois, confirmou com a cabeça, enquanto tirava o laço branco da caixa. Então, deu dois passos, passou as mãos pelos cabelos da Vanessa a fim de ajeitar os fios soltos e prendeu o laço na lateral.
- Ficou bom... - comentou, colocando as mãos no ombro da amiga, ao mesmo tempo que a olhava de cima a baixo a fim de encontrar algo para arrumar. - Você está pronta.
Vanessa deu outro meio sorriso.
- Estou pronta, vamos...
As duas saíram do quarto de Vanessa e foram para a sala de estar, onde alguns amigos esperavam. Quando se encontrou com Jeong-ho, Vanessa teve vontade de se jogar em seus braços para chorar, mas não fez isso. Apenas sorria de canto para as pessoas que a cumprimentavam.
- Está na hora de ir... - o guarda-costas Ji-hoon falou, entrando no cômodo.
Todos confirmaram e começaram a sair da casa. Vanessa, a mãe, Dali e Jeong-ho foram no mesmo carro. A pequena coreana não trocou nenhuma palavra com a mãe desde que a viu naquela manhã. A mulher também usava a roupa tradicional feminina coreana, e o laço no cabelo era um pouco maior do que o que Vanessa usava, mas não era chamativo demais. Era aceitável.
No instante que os carros passaram pelo portão da mansão Kim, os fotógrafos tentaram tirar fotos. Vanessa abaixou a cabeça, respirando fundo. Jeong-ho pegou nas mãos dela e a alisou, com carinho. A coreana olhou para ele e silabou um "obrigada". Jeong-ho sorriu de canto e disse" De nada". Então, vinte minutos depois a limusine parou em frente ao local reservado. Mais fotógrafos se empurravam na entrada, tentando tirar as melhores fotos. Vanessa passou para dentro com a cabeça baixa. Jeong-ho e Dali ficaram o tempo inteiro de seu lado. Já Mi-Suk posou, discretamente, para as fotos.
Lá dentro, na recepção, estavam as tradicionais flores funerárias. Cada arranjo era mais bonito que o outro. Na frente de alguns, havia faixas com escritos do tipo: "meus sentimentos" ou "que a paz te guie para a outra vida". Vanessa leu cada mensagem e após fazer uma reverência para a recepcionista e assinar o documento indicando que estava presente no funeral, entrou na sala.
Do lado direito, na sala separada para eles, havia mais flores. O espaço era dividido por uma cortina de bambu grossa, separando a parte da alimentação da que era reservada para deixar o corpo. Mais a frente, depois da divisão, havia um altar com flores brancas e incensos. O caixão onde o corpo de Yeong-gi repousava foi colocado atrás das flores, e entre elas estava um porta-retrato grande, que Yeong-gi escolheu antes de morrer, com sua foto. Uma fita grossa preta e cinza estava enrolada no quarto, parecida com um triângulo sem a base, e um selo em formato de flor estava entre o laço.
Vanessa passou os olhos pelo lugar e viu que muitas pessoas foram até lá, pois cada pessoa que aparecia deveria levar uma flor. Vendo as velas no chão, o incenso, o tapete de bambu fino estendido em frente ao altar, o caixão e porta-retrato, a pequena coreana entendeu que tudo era real; Yeong-gi, seu pai, partiu.
- Vanessa... - Jeong-ho sussurrou, tocando de leve no braço dela.
A coreana olhou para ele com os olhos cheios de água.
- Você precisa começar - ele informou, estendendo a flor branca para ela. - Acha que consegue?
A coreana fechou os olhos, deixando as lágrimas escorrerem. Em seguida, caiu no chão, aos prantos. Jeong-ho se ajoelhou em frente a ela e a abraçou. Nos seus braços, a pequena coreana pôde chorar tudo que não conseguiu durante o dia anterior. O funeral também a lembrou de Yung-ji, pois ele nem pôde ter um velório digno. Vanessa chorou por dois lutos naquele momento, o do pai que nunca lhe deu amor, e pelo pai de consideração, que a amou tanto, que arriscou a vida para mostrar a verdade e salvá-la das garras de Yeong-gi.
Os flashes foram ouvidos pelos dois, os fazendo levantar os olhos.
- Por que eles estão aqui? - Jeong-ho perguntou ao guarda-costas Ji-hoon.
- A senhora Kim... Acho que ela... - dizia, gaguejando.
- Tire eles daqui, agora! - ordenou, abraçando mais ainda Vanessa, para protegê-la dos flashes.
- SAIAM! - Dali gritava, empurrando os fotógrafos. - Parem de tirar essas fotos. Ya, seu idiota, abaixe essa câmera!
Ji-hoon a ajudou a expulsá-los de lá.
Alguns minutos se passaram desde que Vanessa caiu no chão. Mas como primogênita, tinha que dar seguimento ao velório. Por isso, depois de beber água, ficou em pé, pronta para seguir adiante. A passos lentos, ela chegou perto do altar e colocou a flor em cima das outras, virando o caule para o caixão, deixando as pétalas à mostra. Em seguida, olhou para a foto do pai e chorou mais. Mi-Suk fez o mesmo que a filha.
Mãe e filha se curvaram perante o altar, e encostaram a cabeça no tapete de bambu. Depois, se levantaram, olharam para o altar e curvaram-se de novo. Ao todo, se curvaram três vezes.
Nas horas seguintes, muitas pessoas foram até lá prestar homenagem a Yeong-gi, isso inclui os membros da ORGANIZAÇÃO. Vanessa estava sem forças para gritar com eles, então só fez uma reverência curta e os viu prestar uma homenagem. Do outro lado do anexo, os convidados bebiam Soju e comiam os petiscos que eram oferecidos. Eles conversaram baixo e relembraram os momentos que passaram com o pai de Vanessa. Mi-Suk deixou Vanessa sozinha, recebendo os convidados, para servir aqueles que precisavam comer.
Como planejado, o velório durou apenas um dia, e foi uma afronta à cultura coreana que dizia que o corpo deveria ser velado por três dias. Mas a palavra dela prevaleceu e, às cinco e meia da tarde, os amigos de Yeong-gi carregaram o caixão para fora do local, enquanto Mi-Suk e Vanessa andavam na frente, carregando o porta-retrato rente ao corpo. Óbvio, os flashes foram jogados em cima delas, que continuaram andando, com a cabeça baixa.
No cemitério, o caixão desceu por uma corda lentamente. Ao ver o pai ali, Vanessa sentiu os olhos marejados, e Mi-Suk se jogou no chão do cemitério e começou a gritar e chorar, pedindo que Buda trouxesse o marido de volta. E foi assim que mãe e filha finalmente deixaram kim Yeong-gi descansar.
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Soju - Bebida destilada transparente de origem coreana.
jang-rye-shik - Velório coreano.
Hanbok - Roupa tradicional, utilizada na Coreia, no passado. Hoje, são utilizados em casamentos, funerais ou em museus.
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Woori - Caminhos Novos - Série Médicos Do Fim
SpiritualO ano é 2028, e Vanessa Kim, com 17 anos e meio, vive como herdeira de um poderoso conglomerado na Coreia do Sul. Para quem vê de fora, sua vida parece perfeita, mas para Vanessa é um verdadeiro inferno. Sob a fachada de perfeição, ela enfrenta agre...