Capítulo 5

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É quinta-feira; hoje, o meu trabalho foi, basicamente, burocrático. Aguardar despacho de juízes, preencher relatórios, elaborar petições. Como parte dos meus assistidos foram destinados a outros defensores para que eu pudesse ministrar o treinamento em direitos humanos para o BOPE, que começara essa semana, consegui finalizar a burocracia rápido, já que estou, agora, com apenas cinco assistidos. Agora, estou a caminho da UERJ, e tento afastar o sono; noite passada não dormi bem: eu acordei algumas vezes durante a madrugada. Em uma dessas vezes, despertei sobressaltada, suada e com o coração palpitando. Eu tivera um sonho muito realista envolvendo Nascimento que, apesar de muito bom, jamais se tornaria realidade. 

Há algumas semanas, eu fora convidada por uma professora da época da faculdade, hoje à noite, para conversar com uma turma de calouros da Faculdade de Direito da UERJ. Falaríamos sobre as possibilidades de atuação na área do direito e sobre o cargo de defensor público. Por isso, saí mais cedo da Defensoria. O trajeto dura em torno de meia hora; além de ser horário de pico, o motorista do Uber dirige devagar. 

Quando chego à UERJ, não demoro para encontrar a sala em que será a palestra; desde que me formei, há sete anos, o prédio não mudara muito. Reencontro minha antiga professora de direito constitucional, agora coordenadora do curso, e também revejo alguns professores, que também estarão presentes na palestra. Aguardo o horário previsto para começar e, conforme chegam, alguns alunos me cumprimentam. É incrível ver o quanto, nos últimos anos, graças às ações afirmativas, a universidade tem se tornado mais diversa: vejo, aqui e ali, alguns alunos com deficiência, negros, uma aluna transgênero. A UERJ fora pioneira na adoção das políticas de cotas e, mesmo que, à minha época de universitária, elas já existissem, uma sala de aula de um curso tão elitizado, como é o caso do direito, não era tão diversa quanto agora. Isso é mérito, também, de muitos cursinhos populares voltados para jovens estudantes, sobretudo de baixa renda. Um desses cursinhos era o que Rafael frequentava na comunidade onde morava. Só de pensar que ele perdera a chance de vivenciar tudo isso meu peito dói. 

A sala se enche rapidamente. Quando todos estão acomodados, a coordenadora do curso me apresenta e passa a fala para mim. Durante uma hora, falo sobre as possibilidades de atuação na área do direito e sobre o cargo de defensor público. Rio quando uma aluna levanta a mão e pergunta se o salário é bom. Falo sobre a minha experiência com alguns dos meus assistidos, preservando, claro, os seus nomes, e sobre os desafios da profissão. Mesmo que eu, pessoalmente, não goste da parte burocrática do trabalho, eu gosto do que faço. Quando advoguei em um escritório, era chamada de idealista pelos meus colegas, porque, muitas vezes, me envolvia em projetos sociais. Nunca me importei. Sempre carreguei comigo uma vontade imensa de ajudar as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis.

Quando a palestra acaba, eu peço um Uber para casa; amanhã cedo é o segundo dia do meu curso na sede do BOPE. Amanhã, o verei novamente. Sei que a tensão sexual que sinto entre nós não é coisa da minha cabeça; é real. Sei que ele sente o mesmo, pelo jeito como me tocou ontem, no estacionamento, pela maneira como olhou para a minha boca quando estávamos no seu carro. Mas não há a mínima possibilidade de nada acontecer —  somos incompatíveis de muitas maneiras. Pensamos diferente. Tivemos atritos. Porra, ainda temos atritos. Imagino a bomba-relógio que seria me envolver com ele. Por isso, estou decidida a esquecê-lo com um casinho. Decido mandar uma mensagem para Vicente. Nós não ficamos há anos, desde que eu conhecera Leonardo. Há algumas semanas, quando a matéria com a declaração que eu dera a ele fora publicada, ele me mandou algumas mensagens pedindo desculpas, mas não as respondi. Primeiro, porque eu ficara extremamente chateada; depois, fiquei com raiva por ele ter distorcido o que eu falara em um momento de vulnerabilidade. Por fim, decidi esquecer o acontecido. Agora, porém, abro a nossa conversa e, cheia de segundas intenções, envio um Você tá perdoado se topar beber comigo um dia desses. Ele está online e visualiza, mas não responde. 

Quando estou em casa, porém, a resposta vem. Tem um bar muito bom na Lapa. Amanhã você pode?  Respondo que sim. Combinamos o horário e ele diz que me encontra lá. A última vez que eu transei foi há seis meses, antes do término. Desde então, eu não ficara com mais ninguém. Eu até tinha saído com alguém, mas fora desastroso: fui para um bar com um antigo colega de trabalho, da época em que trabalhei no escritório de advocacia, mas ele fez um comentário desagradável depois de eu pedir que ele bebesse cerveja comigo. Peguei minhas coisas, inventei uma desculpa e fui embora. Não o respondi mais. Com Vicente, porém, as coisas são diferentes: nós nos conhecemos bem, o papo é legal e, pelo que me lembro, o sexo também. Anoto, mentalmente, para me lembrar de comprar uma lingerie e uma garrafa de vinho no meu horário de almoço amanhã.

Crio tantas expectativas que sequer consigo dormir, por isso, levo Crime e Castigo, do Dostoiévski, para a cama. Dostoiévski é o único homem que, nos últimos meses, tenho levado para a cama. Vinte páginas depois, o meu celular, no silencioso, vibra com uma mensagem.

"Já foi dormir?" Franzo o cenho para a tela do celular. O número é desconhecido, mas o DDD é 021. Não respondo. Cinco minutos depois, o celular vibra novamente. Eu olho a mensagem nova.

"A luz do seu quarto tá acesa. Sei que não foi dormir." Fico apreensiva. A luz do meu quarto está mesmo acesa; por isso, não pode ser engano. "Quem é?", decido responder. Olho ao redor do meu quarto. O meu prédio é muito seguro; eu e Leonardo o escolhemos, já que, por causa da profissão dele, era comum ele que recebesse ameaças. Não acho que alguém entraria aqui. Além disso, a pessoa que enviou essa mensagem parece me conhecer. Eu, porém, nunca recebi ameaças de nenhum tipo. Se, hipoteticamente, alguém tivesse entrado aqui, como conseguiria o meu número pessoal? Olho para a tela do celular, tensa, esperando uma resposta.

"Vai descansar. Você precisa." Essa é a resposta. Estou nervosa, minhas mãos tremendo. Disco o número da portaria no meu celular. O porteiro, solícito, pergunta se quer que ele acione os seguranças do prédio. Como não obtenho mais nenhuma resposta do número desconhecido, digo que não e que, provavelmente, não é nada. Saio do quarto e verifico se a porta de entrada está trancada. Depois, vou até a sacada para a porta que dá acesso a ela e as cortinas, mas me detenho. Estacionado, na rua, em frente ao meu prédio, se destacando dentre o carro dos moradores, está um Sentra preto. O mesmo carro que estava aqui ontem. O mesmo carro de Nascimento. Não pode ser ele. Como ele conseguiria o meu número? Por que ele estaria aqui? Decido arriscar.

Tremendo, troco os shorts por uma calça legging e, sobre a camiseta que vesti para dormir, coloco um moletom, a primeira roupa que vejo pela frente. Meu coração bate rápido. Calço os chinelos e saio do apartamento, trancando a porta. Espero pelo elevador. Chego à portaria correndo. O porteiro, sobressaltado, me pergunta se está tudo bem, liberando o portão para minha passagem. Eu respondo que sim. Quando saio, vejo que o carro ainda está lá. Atravesso correndo a rua, que está quase deserta, exceto por poucos transeuntes. Apesar dos vidros escuros, agora, tão próxima do veículo, vejo uma silhueta. O motorista está lá dentro, e eu tenho quase certeza de que é Nascimento. Paro em frente à porta do motorista e bato na janela. Uma. Duas. Três vezes. Eu não desisto. Obstinada, bato pela quarta vez, e o vidro se abre. Meu coração quase sai pela boca. É ele.

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Notas da autora

Promessa é dívida, né? Como prometido, esse foi o capítulo 05. EU TÔ SURTANDO JUNTO COM VOCÊS COM ESSE CAPÍTULO!!!!!!!!!!!!!!! 

OBRIGADA PELO APOIO DE VOCÊS!!!! Estou felicíssima com a interação de todo mundo aqui. Para que os capítulos 06 e 07 sejam lançados, a meta é que tenhamos 200 votos e 300 comentários. Tô preparando muita coisa incrível, viu? Acho que vocês vão gostar :) Inclusive, amanhã tem imagine com o capitão no TikTok, hein? Não percam!!!

PS.: EU SUPER IMAGINO O VICENTE, FISICAMENTE, COMO O JOÃO VICENTE DE CASTRO, ASSUMO!!!!! E vocês? 

Beijos e até o próximo capítulo,

G.

As duas faces da justiçaOnde histórias criam vida. Descubra agora