For this is the end
I've drowned and dreamt this moment
Swept away, I'm stolen
You may have my number, you can take my name
But you'll never have my heart
— Adele, Skyfall.
É terça-feira à tarde. Desde sábado, eu não tive tempo para pensar demais nele. Sábado à noite, resistindo às investidas de Vicente, voltei para casa sozinha. No domingo, acordei tarde e, durante o restante do dia, fiquei em casa, lendo. Ontem, eu mal tive tempo: pela manhã, revisei alguns processos; no meu horário de almoço, consegui ir até a oficina mecânica buscar o meu carro, embora tenha tomado um chá de cadeira, o que fez com que eu tivesse que almoçar um sanduíche na salinha de espera do local; quando retornei à Defensoria, Raquel disse que havia um caso designado para mim, e eu, prontamente, fui atendê-lo.
A acusada é uma jovem de vinte e um anos que fora presa no fim de semana, no Galeão; a acusação é de tráfico internacional de drogas. Ela estava indo para Portugal quando fora abordada: encontraram drogas no ursinho de pelúcia que o namorado dera a ela como presente. Na tarde de ontem, aos prantos, ela me jurou que não sabia de nada. Na audiência de custódia, horas depois, o juiz decidiu que ela permaneceria presa. Agora, eu tento, nas redes sociais, localizar, por conta própria, o tal namorado, que ela conhecera há três meses em um aplicativo de namoro.
Apesar de parte dos meus assistidos terem sido destinados a outros dois defensores, eu estou sobrecarregada. Raquel me disse que o caso fora designado a mim porque todos os outros defensores estão com muita demanda. O problema, porém, é que também estou, principalmente porque preciso dedicar dois dias da minha semana ao curso de formação em direitos humanos para a Equipe Alfa do BOPE. Depois de tentar localizar o homem em todas as redes sociais possíveis, eu desisto. Dedico o restante da tarde à elaboração de petições; quando estou, enfim, concentrada, o telefone fixo da minha sala toca. Eu o atendo.
"Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Sala da Defensora Fernanda Mourão de Castro." Digo, sem tirar os olhos do computador.
"Você não respondeu a minha mensagem no sábado." A voz do outro lado da linha não me engana. É ele. Suspiro, cansada. Ele mandou duas mensagens, mas eu não fiz questão de lê-las e sequer respondê-las, apesar de ter sido muito tentador.
"Você não pode ligar no meu trabalho assim." Retruco. "Não é assim que as coisas funcionam." Eu não o espero responder, no entanto, e desligo o telefone.
Tento me concentrar novamente no meu trabalho e fico aliviada por, ao longo do restante da tarde, ele não ligar mais. Nascimento é uma bomba-relógio, e eu agradeço pelo curso no BOPE estar quase ao fim. Sinto arrependimento por ter cedido na sexta-feira. Sinto, também, culpa por querer mais. Amanhã, sei que vou vê-lo, e só de pensar nisso sinto o meu corpo queimar. Se vê-lo é tentador, vê-lo fardado é o meu fim, principalmente depois do que aconteceu naquela noite.
Penso nas implicações de me envolver com ele. Afinal, é só sexo, não é? Posso transar com ele uma vez para superá-lo, sem me envolver, mesmo, na maior parte do tempo, o desprezando. Posso ligar para ele, agora. É isso. Sexo. Sem envolvimento emocional. Sem drama. Uma vez. Decido, então, abrir as mensagens que ele enviou no sábado à noite.
"Mais cedo, indo pra operação, vi você caminhando na orla. Devia ser crime você usar um biquíni daquele." Franzo o cenho, me lembrando que, naquela manhã, um blindado passou pela avenida da praia enquanto eu esperava o jogo de beach tennis começar. Leio a segunda mensagem. "Por que você não está em casa?", diz. Decido respondê-las: "Se é crime, vem me prender, capitão", eu o provoco, escrevendo sem pensar. Quando a envio, me arrependo no mesmo instante. A resposta vem cinco minutos depois: "Não me provoca, sua cachorra." Mordo o lábio, pensando no que responder, mas desisto.
Mais tarde, quando saio do prédio da Defensoria Pública, já está escuro; me enrolei com a burocracia e, por isso, saí uma hora mais tarde. No caminho para casa, porém, vejo, pelo retrovisor dianteiro, que há um motoqueiro na minha cola desde que saí da Defensoria. Fico apreensiva na hora, afinal, é o Rio de Janeiro, e o meu carro é visado. Torço para que o sinaleiro a alguns metros ainda esteja aberto quando eu passar, mas, para o meu azar, o sinal fica vermelho. O meu celular está no banco do passageiro, fora de vista, sobre a minha bolsa. Olho nos retrovisores, alerta. A avenida está movimentada, mas isso não faz com que eu sinta menos medo. Quando o sinal, enfim, fica verde, eu piso no acelerador, meu coração batendo rápido. Algumas quadras depois, porém, o motoqueiro segue um caminho diferente do meu, o que faz com que eu consiga respirar, tranquila.
Assim que chego ao meu prédio, ele está lá. Sei disso pelo Sentra preto, que, dessa vez, bloqueia a entrada da garagem. Sinto minha pele queimar. Desço o vidro do passageiro e, me inclinando sobre o console central, peço para que ele libere a passagem. Ele dá ré com o carro e eu, enfim, consigo entrar pelo portão. Quando estou na minha vaga habitual, dentro do prédio, permaneço dentro do veículo por quase vinte minutos, tentando decidir o que fazer. Num rompante, tomo minha decisão e desço do carro. Mal consigo respirar quando passo pelo portão de pedestres da portaria. Bato à janela do passageiro do Sentra, que se abre alguns segundos depois.
— Quero que você suba. — Quando digo, finalmente, essas palavras, sinto um peso sair das minhas costas. Ele não diz nada, apenas olha para mim.
Penso que, antes, preciso me preparar física e psicologicamente para isso, por isso, continuo, em seguida:
— Daqui a trinta minutos você sobe, tudo bem? Vou deixar autorizado na portaria. — Pela primeira vez, eu me sinto no controle. Gosto disso. Com a bomba-relógio que ele é, é bom estar no controle de alguma forma. Estar no controle é seguro, porque ele é imprevisível, e eu nunca sei o que esperar dele.
— Como quiser, doutora. — Fala, seus olhos fixos aos meus.
Eu aceno com a cabeça e volto à portaria. Aviso ao porteiro para deixá-lo subir, mesmo que não esteja cadastrado. Seu Francisco concorda de imediato. Quando volto ao meu apartamento, mal acredito no que eu fiz minutos antes. Tremendo, faço um checklist mental: retiro a maquiagem, jogo uma água gelada no rosto, escovo os dentes, tomo banho; depois, vou até o quarto e me visto. Não me preocupo muito com roupa, afinal, sei que daqui a algum tempo todas estarão no chão. Decido, porém, usar uma lingerie. Penso que não é nada demais, e que eu faria isso por qualquer um com quem eu transasse. Em seguida, solto os cabelos e espero. Mesmo que tenham se passado apenas alguns minutos, parecem ter se passado horas quando ele bate à porta. Hoje, eu vou transar com Roberto Nascimento, capitão do BOPE.
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Sei que vocês estão loucas pra isso, por isso: a meta é: 200 estrelas e 200 comentários (no capítulo 11 e 12). No momento em que batermos a meta, posto. Também estou muito, muito ansiosa.
Beijos,
Giu Vieira.
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As duas faces da justiça
RomanceFernanda Mourão é advogada e trabalha na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em prol dos direitos de populações vulnerabilizadas, dedicando sua vida ao trabalho e à luta contra os abusos de poder cometidos em comunidades carentes. Após a...