Capítulo 18

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Olho para o prédio a minha frente, conferindo, no aplicativo de GPS, se o endereço está mesmo correto. Fecho os vidros do carro e ligo o ar-condicionado, torcendo para não ser assaltada. Luísa me passou esse endereço antes da audiência de custódia, e eu, sem tempo hábil para conferi-lo, resolvi sacrificar o meu horário de almoço de hoje. Ela disse que é aqui que o namorado, agora ex, supostamente mora, e que o seu nome é Thiago, mas eu disse a ela que esse, provavelmente, sequer é o nome dele. 

Ela só tinha esse endereço porque ficou salvo nas viagens do aplicativo de corrida; fora isso, toda a existência do namorado foi apagada misteriosamente. Quando ela tentou me mostrar as mensagens trocadas entre eles, na tarde em que eu a encontrei na delegacia da Polícia Federal, no Galeão, todas elas tinham sumido. Seu queixo caiu na frente do delegado, que parecia não acreditar na história, impaciente. 

Depois, a sós, percebi que todas as conversas eram pelo Telegram, e a minha ficha caiu. Nele, existe a possibilidade de programar mensagens para serem apagadas após algum tempo. Eu a questionei, e ela me respondeu que era ele quem fazia questão de usar o aplicativo. Ainda com ela, liguei para o número de telefone dele pelo meu celular, mas foi inútil: linha desativada. Naquele momento, eu acreditei nela. Ela tinha mesmo sido feita de mula, pensei, enquanto retornava à Defensoria Pública naquela tarde.

Apesar de nunca ter lidado com nenhum caso parecido antes, sumir sem deixar rastros como ele fez é coisa de gente profissional. Esse endereço é a única chance que temos. Não vou ficar dentro do carro; por isso, decido ir até a recepção e perguntar sobre o rapaz. Desligo o carro e olho para os retrovisores, observando o movimento da avenida. Espero até que um motoqueiro se afaste e desço do veículo.

Não sinto medo porque é um bairro relativamente bom e, à luz do dia, está movimentado. O prédio, porém, não tem portaria, o que acho estranho. Eu toco o interfone e me identifico, tapando o meu rosto do sol com uma das mãos.

— Eu estou à procura de um morador. — Falo quando a pessoa do outro lado da linha não responde, mesmo após eu me identificar. —  Será que você poderia me ajudar? 

— Boa tarde, dona. — Uma voz masculina do outro lado diz. — Acho difícil, viu? A rotatividade por aqui é alta.

— Rotatividade? — Pergunto, franzindo o cenho. 

— A maioria dos apartamentos é alugado por temporada ou sublocado. — Diz. Aperto a ponte do nariz entre os dedos. Eu deveria ter imaginado.

— Eu procuro um morador chamado Thiago. Você não o conhece? — Insisto. 

— Não conheço, não. Trabalho aqui faz um ano e nunca vi ninguém com esse nome, dona. — O funcionário me responde, impaciente.

Minha cabeça lateja. Eu o agradeço e vou embora, parte frustrada, parte intrigada. Luísa me disse que ela veio até aqui cinco ou seis vezes ao longo dos poucos meses que namoraram, e eu vim com esperanças de conseguir pelo menos um endereço novo ou nome completo. Como alguém namora sem saber o nome completo da pessoa com quem se relaciona?, penso, tentando não julgá-la. Como alguém que trabalha no prédio há um ano não conhece os moradores?

No trajeto de volta até a Defensoria Pública, paro em um posto de gasolina e, enquanto o frentista abastece, olho o meu celular. Quando abro as mensagens, é inevitável não pensar nele. Nascimento. Ontem à tarde ele me mandou uma mensagem, que não respondi. Depois, quase às duas da manhã, me enviou outra, que só vi hoje quando acordei. "Acordada a essa hora?", dizia, denunciando que, quando ele a escreveu, estava em frente ao meu prédio. Só assim para saber que, àquela hora, eu estava acordada. Apesar de ter dormido bem, acordei uma vez durante a madrugada após um pesadelo, mais ou menos no horário em que ele enviou a mensagem. Fiz um chá e fiquei fritando, sentada no sofá, até conseguir dormir outra vez.

As duas faces da justiçaOnde histórias criam vida. Descubra agora