Capítulo 19

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O caminho até Botafogo nunca pareceu tão longo. Quando chega ao meu prédio, Nascimento estaciona do lado de fora; eu o espero na portaria e, poucos minutos depois, ele entra pelo portão de pedestres. No caminho para o saguão do prédio, tento preencher o silêncio, mas não temos absolutamente nada em comum, exceto o fato de que transamos. Não quero falar de trabalho. É irônico, até: não sei quase nada sobre a vida pessoal dele, mas estou, mais uma vez, prestes a dar para ele outra vez. Eu sequer tenho o hábito de chamá-lo pelo nome. Durante o trajeto do trabalho para cá, pensei que seria curta e grossa: chegaríamos, transaríamos e ele iria embora, mas, agora, o silêncio parece constrangedor.

— Não de serviço hoje? — Pergunto, tentando quebrar o gelo. Péssima escolha. É uma pergunta ridícula; como se o fato de ele não estar fardado e ter vindo comigo não denunciassem que ele está de folga. Sinto vontade de me estapear quando digo isso.

— Não. — Ele responde. — Vai pedir pro governador esquerdista me exonerar por não estar trabalhando? — Mesmo que seja uma uma provocação clara, ele ri, também tentando quebrar o gelo. Eu abafo uma risada, mas não o respondo.

Estou carregando duas bolsas e algumas pastas, além da chave do carro e do apartamento, e tento, em vão, equilibrar todos esses itens. Quando chegamos ao saguão, faço menção de apertar o botão do elevador, mas Nascimento é mais rápido do que eu. Ele olha para mim e, sem que eu peça, faz um gesto para que eu entregue as pastas a ele. Eu entrego.

— Obrigada. — Falo, apreciando o ato de gentileza. Nesse momento, o elevador chega. Ele faz um gesto para que eu entre primeiro.

— Tem muita coisa aqui. — Diz. Eu aceno com a cabeça. — Trabalho demais? — Pergunta.

Não quero falar sobre o meu trabalho agora, principalmente com ele, e não sei se é a frustração por não ter obtido sucesso na minha busca mais cedo ou o nervosismo por estar em um espaço tão apertado com ele tão próximo de mim, mas eu falo sobre o caso da Luísa, mesmo sabendo que não devo. 

— Eu estou com uma assistida. — Começo, apertando o botão do meu andar. — Uma moça que foi presa no fim de semana no Galeão. Tráfico internacional de drogas.

— Quanto? — Ele pergunta, parecendo interessado. As portas do elevador se fecham.

— 8kg de cocaína. — Quando respondo, ele assobia, surpreso. — Pois é. O pior? Estava dentro de um urso de pelúcia. 

— Criativo, mas burrice. — O apartamento chega até o meu andar e, mais uma vez, ele abre passagem para que eu saia primeiro.

— Extraoficial. Eu nem deveria falar disso com você. — Falo, olhando-o por sobre os ombros enquanto destranco a porta do apartamento. — Ela jura não saber de nada.

Eles sempre têm uma desculpinha esfarrapada. — Ele diz. — Deixa eu adivinhar: você acredita nela.

— Estou tentando. — Eu, de repente, desconverso, percebendo que não deveria ter tocado no assunto. Falar de trabalho com ele não é uma zona neutra; uma hora ou outra entraremos em conflito. Entramos no apartamento e peço para que a Alexa acenda as luzes do apartamento. Quando as luzes se acendem, tranco a porta de entrada, deixando a chave na fechadura.

Coloco as bolsas sobre o sofá; ele faz o mesmo com as pastas. Nesse momento, ele parece muito diferente do homem que há menos de uma hora esteve na minha sala e do homem com quem há poucos dias transei nesse mesmo cômodo. Agora, ele parece mais relaxado, tranquilo, menos controlador — até piada ele fez, mesmo que tenha sido na tentativa de me provocar, o que interpreto como um bom presságio. 

Eu me apoio na pilastra que divide a sala e a cozinha e, quando estou quase tirando os sapatos de salto, os dedos dele se detêm na pele do meu braço. Imediatamente sinto um choque elétrico.

As duas faces da justiçaOnde histórias criam vida. Descubra agora