Nascimento não esboça nenhuma reação. Ele permanece impassível, impenetrável. Eu o encaro, exigindo, silenciosamente, alguma explicação. Minha cabeça gira.
— E então? — Eu, enfim, o confronto. — Foi você quem me mandou aquelas mensagens, não foi?
—Entra no carro. — Ele fala, autoritário, mas não responde a minha pergunta. Eu nego.
O olhar dele desce pelo meu corpo, demorando-se pelas minhas pernas. Alguns segundos se passam e ele me encara fixamente. Não obtenho resposta.
— Por que você está rondando a minha casa e como conseguiu meu endereço? — Exijo saber.
— Já disse pra você entrar no carro. — Seu tom de voz aumenta. Ele joga a cabeça para trás e suspira, tentando se acalmar. — Se você entrar no carro, eu respondo a sua pergunta.
Tudo na minha cabeça grita perigo, mas decido ignorar a razão. É a segunda vez que ajo por impulso; a primeira fora quando decidi descer.
— Se eu entrar, não quero que a gente saia daqui. — Digo. Ele destrava a porta do passageiro para mim, gesticulando com a cabeça para que eu dê a volta e entre. Eu o faço, sem protestar.
Quando entro no veículo, ele trava as portas e aperta um botão, que sobe o vidro do motorista. Eu o encaro, desconfiada. Ele liga o ar-condicionado.
— Ontem, você esteve aqui. Tenho certeza de que era você. — Ele não nega; pelo contrário, assente. O que esse homem fazia rondando a minha casa? Como ele conseguira o meu endereço? Por quê? Até agora, eu não recebi respostas.
— Fernanda. — Ele começa, pela primeira vez, desde que o conheci, falando o meu nome. – Agora você vai escutar, entendido? — Ele pede, calmamente, mas ainda autoritário. Olho para ele. Ele não parece estar em serviço, já que veste roupas civis: camiseta preta, calça preta. Incrivelmente atraente. Sinto o cheiro de perfume masculino, o mesmo que, ontem, ele usava.
— Você está me vigiando? Que porra é essa? — Eu falo.
— Eu disse que, agora, você vai escutar. — Ele parece impaciente. — Você vai me matar ainda, porra. — Seu tom de voz sobe, e ele esmurra o volante. Embora eu fique assustada, não me encolho.
Até quando não está em serviço ele é autoritário. Eu suspiro, cedendo, e assinto com a cabeça.
— Eu estive aqui ontem, sim. — Confessa. — E, como você pode perceber, também estou aqui hoje. – Ele ri, sem vontade. — Não importa como consegui o seu endereço. Sou do BOPE. Tenho contatos. Também tive acesso ao seu número de celular da mesma forma. — Revela. Eu engulo em seco. Eu estou sendo vigiada, então.
— É totalmente pessoal. — Ele prossegue, destacando que não está ali por motivos profissionais. — Você entrou na minha cabeça, entende isso? Entrou e não sai mais.
Se ele soubesse que é recíproco. Não respondo, sem reação. Enquanto descia, correndo, para a portaria, eu sentira medo. Quando ele desceu o vidro do motorista, eu ficara apreensiva. Depois, quando ele pediu para que eu entrasse no carro, eu entrei em pânico. O que eu sinto, agora, é muito diferente isso; eu estou excitada. Mesmo que o ar-condicionado esteja ligado, o carro parece quente. O fato de eu, antes de deixar o meu apartamento, ter colocado um moletom, não ajuda muito.
— Sei que eu, de alguma forma, mexo com você. — Ele, enfim, fala. — Se não mexesse, você não teria descido. Eu reparei na maneira como você me olha, não sou burro. Você também não é, sei que percebeu.
Penso nas minhas alternativas. Posso dizer que ele é louco e ir embora. Posso dizer que ele se equivocou e ir embora. Posso dizer que sou comprometida e subir; se ele descobriu o meu endereço, sabe que o apartamento está tanto no meu nome quanto no do Leonardo. Por outro lado, posso ficar. Posso sugerir sexo casual e deixar que ele me coma aqui, agora, aproveitando que a rua está quase deserta. Mas tudo nele grita perigo. Esse homem é a materialização de todas as red flags existentes. Ele é do BOPE. Ele é violento. Ele mata em serviço. Ele usa métodos de tortura para obter confissões. Ele está rondando a minha casa — sabe-se lá há quanto tempo, aliás. Ele parece ser extremamente controlador e, por um momento, me pergunto se, durante o sexo, ele também o é.
Eu me inclino sobre o console central do carro e, agora, ele está deliciosamente perto de mim. Contrariando qualquer resquício de razão que tenha sobrado dentro de mim, eu o beijo, e ele corresponde, pego de surpresa. Uma de suas mãos sobe pelo meu pescoço; a outra puxa, com força, o meu rabo de cavalo. Eu gemo, minha boca ainda colada à dele. Sinto que uma descarga de adrenalina toma conta do meu corpo. Minha pele parece estar em chamas. Ele chupa, devagar, o meu lábio inferior, interrompendo nosso beijo, ofegante. Sua boca desce pela minha mandíbula e, em seguida, pelo meu pescoço. Eu respiro com dificuldade e agarro alguns fios do seu cabelo.
— Vamos subir. — Ofereço, enquanto ainda tenho a capacidade de pensar. Mesmo que seja tentador transar aqui, e o carro seja espaçoso, não posso arriscar. Se formos pegos, é o fim para nós dois: sexo em público é enquadrado como crime de ato obsceno, passível de detenção. Impensável, mas seria uma delícia. Ao que parece, hoje que estou abandonando todos os meus princípios e tudo que defendo e acredito.
Nesse momento, o celular dele toca. Ele olha a tela e, baixinho, xinga um puta que pariu. Eu pede para que eu espere, o que faço, ansiosa e cheia de expectativas. Ele atende. O que quer que seja que a pessoa do outro lado da linha diz, ele, quase que instantaneamente, fica tenso.
— Ciente, Carvalho. — Ele responde e me encara. — Mas eu já avisei que vai dar merda isso. — Ele desliga e, nervoso, esmurra o volante. Parece frustrado.
— Tenho que ir pro batalhão. — Fala, sem olhar para mim. Agora, quem está frustrada sou eu.
— Vou voltar para casa. — Digo. Espero que não dê para notar a decepção na minha voz.
— Espero que a gente tenha uma próxima vez. — Fala, destravando a porta e, finalmente, me olhando.
Passada a adrenalina do momento, consigo, enfim, pensar de forma racional; chego à conclusão do quão péssima era essa ideia, e a frustração por não tê-lo é substituída por alívio. Se eu transasse com ele hoje, trairia tudo o que acredito. Quando encosto na maçaneta para abri-la e sair, olho para o capitão uma última vez.
— Não terá. Essa seria a primeira e última. — Respondo, saindo do carro e correndo de volta para o meu prédio.
Quando estou, enfim, segura dentro do meu apartamento, tento me acalmar. Vou ao banheiro e jogo uma água no rosto; depois, vou para cama. Apesar de estar cansada, não consigo pegar no sono, ainda excitada e agitada demais pelo meu encontro com Nascimento. Por isso, recorro a uma medida emergencial: abro a primeira gaveta da mesa de cabeceira e pego o pequeno vibrador roxo. Essa é a primeira noite em que tenho um orgasmo pensando no Capitão Roberto Nascimento, e a segunda em que ele aparece nos meus sonhos.
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Nota da autora
Não me cancelem. Quando a hora chegar, vai valer a pena.
Beijos e até logo,
G.
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As duas faces da justiça
RomanceFernanda Mourão é advogada e trabalha na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em prol dos direitos de populações vulnerabilizadas, dedicando sua vida ao trabalho e à luta contra os abusos de poder cometidos em comunidades carentes. Após a...